Comportamento subjetivo e comportamento explícito

COMPORTAMENTO SUBJETIVO E COMPORTAMENTO EXPLÍCITO¹

Algumas das funções psíquicas estão necessariamente ligadas a setores de personalidade, ao passo que outras, que não constituem funções psíquicas intrínsecas podem ser modificadas pelo ambiente. Mas quando se fala em ambiente temos que ter uma acepção adequada desse termo, e isso é importante quando procedemos ao estudo patogenético: porque há um contingente do ambiente que está ligado com o meio exterior e outro que constitui o ambiente celular que, no plano psicológico, se incorpora diretamente na personalidade do indivíduo através das células do Sistema Nervoso Central, do sistema neuronal. Há, portanto, dois aspectos a considerar quanto ao ambiente: o citológico e o externo.

Vemos que a participação do componente genético das doenças mentais depende em grande parte dessa distinção entre ambiente citológico e meio externo. Vemos também que o outro termo (ambiente citológico) é o que deve definir quando se refere a personalidade. Os autores em geral não distinguem adequadamente esses dois aspectos, quando da apreciação dos vários dinamismos ligados com a personalidade.

Assim, lembramos que consideramos personalidade, como personalidade subjetiva, mas os outros definem personalidade como sendo um conjunto de disposições inatas, porém não só inatas, mas herdadas também, e outras que se adquirem ao contato com o ambiente, compreendido, como sendo invariável em relação ao indivíduo e variável com relação às espécies, possivelmente. Mas vemos que quando os autores estudam personalidade, nesse aspecto de ser um conjunto de disposições herdadas e adquiridas pela educação e pelo ambiente, eles incluem aqui traços de personalidade, que é outro aspecto distinto.

¹Texto organizado por Roberto Fasano, em 2003, a partir de aula proferida por Aníbal Silveira, no Curso de Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de Jundiaí, no ano de 1978, em Jundiaí, sem referência de quem a compilou. Revisto em 10/02/22 por integrantes da Comissão de Revisão do CEPAS: Flavio Vivacqua, Francisco Drumond de Moura, Paulo Palladini e Roberto Fasano.

Portanto, temos que distinguir: aquilo que é estrutura intrínseca e aquilo que corresponde aos traços de personalidade.

Traços no sentido genético e traços no sentido psicológico ou psíquico. A maioria dos autores confundem o comportamento com a estrutura da personalidade. Assim quando se fala em instinto nutritivo, nutrição, confundem isso com sede, com fome, com carência alimentar e com tendência de buscar a própria alimentação, que são elementos que não tem nada a ver com a parte subjetiva a não ser que seja uma exteriorização da necessidade subjetiva. 

Nessa correlação entre o meio externo e o ambiente citogenético, temos o esquema de Luxemburger, em que ele situa as doenças como todas elas ligadas diretamente ao ambiente ou à disposição endógena, de maneira que nenhuma doença endógena ou exógena é exclusivamente endógena ou exógena, havendo sempre um componente dos dois aspectos ligados ao quadro clínico. 

Vemos como procurou mostrar Luxemburger, no seu esquema, que uma grande parte da doença decorre essencialmente da carga genética e, portanto, da disposição para a doença. Nesse caso uma pequena ação do ambiente bastaria para desencadear uma psicose. Se o indivíduo que tem pouca tendência para a psicose – portanto, uma carga genética discreta limitada – é submetido a uma ação do ambiente – como por exemplo anoxia exterior, ele poderá desenvolver um quadro mental também que será consequência mais do meio ambiente, do que da disposição genética. 

Luxemburger procurou mostrar que há uma parte das doenças que são hereditárias, as psicoses genéticas ou endógenas e há as psicoses exógenas ou não endógenas, como consequência do meio ambiente; mas em todas elas há uma determinada tendência genética ou aspecto dado pelo ambiente. 

Há algumas psicoses em que o desequilíbrio dessa disposição decorre do ambiente. Isso mostrou que, na realidade, quando se fala em ambiente, este decorre do meio que o indivíduo está imerso desde que nasce, isto é, o ambiente físico e o social.

Figura 1 – Esquema de interdependencia entre fatores ambienciais e genotípicos da personalidade segundo Luxemburger em estado hígido e em quadros mórbidos

Isso que se aplica a doença mental se aplica também, naturalmente, às condições normais do indivíduo. Aqui temos a disposição e ambiente como fontes que não se opõem, e que podem somar-se. Verificamos que em relação a essa questão do ambiente há uma parte que corresponde ao ambiente externo, no sentido comum, e uma outra parte que corresponde ao citoplasma.

O citoplasma, por conseguinte, participa do mundo externo porque está relacionado ao genoma, aos genes, mas ao mesmo tempo, implicado na sua manifestação. 

Logo, sem a participação do citoplasma não há manifestação genética; é necessário, então, que haja o ambiente citogenético para que os genes se manifestem. Os autores, em geral, consideram o gene, como sendo uma entidade, uma substância; na realidade ele é uma função simplesmente. Mas de qualquer maneira, essa função só se manifesta quando existe condição ambiental, e citológica para que ele se produza.

Há, portanto, uma parte do citoplasma e uma parte de ambiente do mundo externo, que corresponde ao mundo paratípico, na acepção genética.

O mundo interno, por sua vez, é uma associação de fatores genotípicos ou genético total e do citoplasma também. Logo entre o mundo interno e o mundo externo, não há um antagonismo, há apenas diversidade de participação de fatores genéticos e do fator ambiencial. 

O citoplasma corresponde, então, ao substrato que liga o ambiente exterior ao ambiente interno – genético, genotípico. O aspecto exterior, portanto, quando tomamos um paciente, ou uma condição qualquer ou um ser, temos que distinguir o mundo interno e o mundo externo, mas isto é apenas uma aparência, é apenas o aspecto fenotípico. 

Quando tomamos o critério heredológico – genético total – vemos que há o mundo genotípico e o mundo paratípico. Portanto, genético total, citoplasma e ambiente no sentido comum, correspondem ao substrato de várias ações, das várias atividades, que ligam com o mundo genético. 

Assim, por exemplo, se uma pessoa contrai rubéola durante a gestação, pode atingir o citoplasma – não o genótipo – mas ao atingir o citoplasma vai criar condições anormais que não permitirão que o gene, o caráter genético, se traduza como seria de se esperar. Nesse caso, houve uma interferência do mundo exterior, através do citoplasma; externo em relação ao tipo intrínseco do indivíduo; portanto, mais tarde, o comprometimento de determinadas funções vai reproduzir tendências genéticas e tendências adquiridas pelo efeito da ação na fase embrionária do citoplasma.

O ambiente vai atuar também de duas maneiras: o ambiente físico, sob condições favoráveis ou não, que decorrem do meio em que o indivíduo está e aquele correspondente ao ambiente social, isto é, a vida do indivíduo, desde a parte inicial de sua existência até que se torne independente, autônomo e desempenhe maior atividade social e assimile a cultura social. Este é o ambiente externo, mas que age indiretamente como estímulo social.

Assim, quando se procura estudar um paciente que apresente um quadro clínico, ou analisando as condições psíquicas que se pressupõem normais, temos que considerar esses vários elementos. Não podemos dizer apenas que ela apresenta esta ou aquela predisposição que corresponde à tendência heredológica, e sim levar em consideração o ambiente; e isso interfere também, na constituição do indivíduo. 

Dessa forma, a constituição representa as disposições que são em parte herdadas e fixas e em parte adquiridas através desses aspectos ambienciais (fig. 2). 

Aqueles traços que são estabelecidos como genéticos, mas que são modificados pelo ambiente, podem ser modificados porque o ambiente citoplasmático poderá sofrer ação do ambiente físico. 

Mas vemos também que além desse aspecto que corresponde à ação do ambiente, temos que atender outros aspectos, mais de origem psicológica realmente. Assim, vemos que a personalidade, como a consideramos, como função subjetiva é o conjunto de funções psíquicas que estão articuladas entre si de tal forma que constituem um todo indivisível, que correspondem à estrutura intrínseca do indivíduo e peculiar à espécie. A apreciação dessa articulação funcional de forma desintegrada, somente pode se dar pela abstração ou pela patologia.

Mas os autores em geral, consideram o elemento ligado com a parte biológica; então a personalidade seria o conjunto de funções subjetivas e biológicas ao mesmo tempo, e sublinham também, apesar dessa associação de elementos biológicos e subjetivos, o problema de corpo e mente ou se quisermos soma e psique. Os autores se preocupam em saber de que maneira se pode fundir corpo e mente.

Lembramos, que isso é um levantamento um pouco inadequado do problema, quer dizer, se considerarmos função psíquica como correspondendo a personalidade subjetiva, então não poderemos pensar em corpo e mente: seria função psíquica e cérebro, ou, então o substrato cerebral das funções psíquicas que é um aspecto diverso. Não podemos compreender, como se liga o corpo com a mente, quer dizer, o corpo é o conjunto do organismo e mente, o conjunto psíquico e não há meio de ligarmos uma coisa com a outra.

Figura 2 – Comportamento e traços

** – adquiridos durante a fase embrionária

Figura 3 – Tipos constitucionais

Esse problema, é o que Pavlov tinha em mente ao dizer que o fundamental na ciência em relação ao homem é fundir o subjetivo com o objetivo, isto é, a parte psíquica com o substrato cerebral. 

Isso é possível se considerarmos o cérebro como um conjunto de órgãos, como Gall demonstrou, e que as funções, que examinamos pelo aspecto mental, psicológico, decorrem do funcionamento desses órgãos. Neste caso, fica fácil compreendermos, inclusive, com a possibilidade de se utilizar isso como critério para a terapêutica adequada, quer seja pela psicoterapia, quer pela medicação, agindo aqui em partes do cérebro pela chamada psicoterapia fisiológica, quer pelos neurolépticos.

Vale assinalar o trabalho de Wallon, que busca interpretar a participação do cérebro no funcionamento psíquico, como a evolução biológica de um conjunto de passos: primeiro, a organização vegetativa, a organização da matéria viva, do animal superior e do homem, aqui passando para o estado psíquico, último passo da evolução.

O que acontece, é que a função, nesse caso – função subjetiva – é peculiar a esse tipo de órgão cerebral, mas não porque se trata do indivíduo humano. Assim, temos a mesma possibilidade de examinar esse órgão por vários critérios, vários níveis de funcionamento, como se faz com o fígado ou uma víscera qualquer, inclusive o cérebro como víscera e estudá-lo sob vários aspectos: morfológico, bioquímico, evolutivo, ou seja, por critérios aplicado a qualquer órgão do organismo humano. 

Mas temos que considerar aqui a parte subjetiva, porque a função não se limita à função exteriorizada, por meio neurológico evidenciável pela objetividade, mas pelo aspecto subjetivo.

Como se pode associar essa modificação não nos interessa saber, interessa saber em que condições se processa a modificação, porque se quisermos saber qual é a causa, a razão disto, não teremos possibilidade de compreendermos. Se o indivíduo aceita a concepção teológica, achando que há uma alma agindo através do cérebro, então, o que interessa não é saber que a alma está agindo sobre o cérebro e sim aquelas partes do cérebro que acionadas pela alma dariam os resultados.

O que interessa saber são as condições não as causas. Essa hipótese não é necessária porque consideramos como uma associação do substrato cerebral, anatômico, por um aspecto diverso, que realmente reduz às condições neurofisiológicas ou morfológicas. De maneira que essa concepção que temos de ligar o trabalho mental, às funções psíquicas ao substrato cerebral são compatíveis com qualquer teoria que procura interpretar os fenômenos psíquicos. 

Não é necessariamente ateia, agnóstica nem teológica:  mas todas as funções são possíveis se tomarmos em consideração o fator clínico em si ou o fator naturalista, observando como se comporta o indivíduo nessa evolução. Na nossa maneira de apreciar, o psiquismo resulta do trabalho cerebral, da função cerebral e essa é a concepção de Comte. São funções, portanto, que representam um trabalho subjetivo de órgãos cerebrais, que são identificáveis e localizáveis, e podem ser pesquisados como órgãos no aspecto vegetativo.

Portanto, é necessário distinguir personalidade nesse aspecto: como funções subjetivas e ao mesmo tempo como estrutura do comportamento. Comportamento, seria, então, o conjunto de disposições que se traduzem através das inter-relações, no caso psíquico como também subjetivo.

Temos que levar em conta também que o comportamento pode ser analisado sob dois aspectos: o comportamento subjetivo, que só pode ser apreciado através das técnicas de exame psíquico, e o comportamento explícito que corresponde à ação que o indivíduo desenvolve no meio exterior. Verificamos que realmente o que permite o comportamento explícito são as mesmas áreas cerebrais, as mesmas zonas do cérebro que permitem o funcionamento subjetivo. 

Como lembramos anteriormente, se não houver estímulo afetivo não haverá atividade, não haverá trabalho mental nenhum, qualquer que seja, nem intelectual e nem motor, a não ser que haja a mediação das disposições conativas ou ativas, segundo Comte. 

Ora, a conação, a parte subjetiva que corresponde à atividade para Comte, é o que permite ao mesmo tempo o comportamento explícito e o comportamento subjetivo. Logo há uma correlação entre a repercussão mental, intelectual e um certo ato que o indivíduo executa e isso permite compreendermos que o indivíduo vai formando a noção do mundo exterior, porque ao mesmo tempo está agindo sobre o mundo exterior.

O sentido da musculação, como área sensorial de captação do estímulo se liga diretamente com o aparelho muscular. Aliás os autores reconhecem, quando se fala em sensibilidade muscular, que há realmente uma atividade sensorial na representação muscular, mas isso não decorre da impressão e sim da sensação, da sensibilidade transmitida através da medula até os chamados centros cerebrais proprioceptivos. Vemos, então, que o sentido da musculação está ligado com a motilidade, quer dizer com exercício muscular, quer se trate da visão (os músculos intrínsecos do globo ocular); quer se trate da sensibilidade proprioceptiva em que agem os músculos lisos, que enviam informações, mensagens do tipo não conscientes, vegetativos; quer se trate da audição em que agem os músculos que dão mobilidade para o ouvido interno também. 

No tato, na visão e na audição existe sempre a participação da musculação como sentido fisiológico e, por isso, estão ligados intimamente. Portanto, a noção que se tem do mundo exterior através do trabalho de captação da realidade, traz consigo também um componente sensorial da musculatura. 

Vemos que há outro sentido mais geral do que a musculação, que é a chamada eletrição e que na clínica se verifica através do diapasão, no sentido das vibrações produzidas sobre indivíduo. A eletrição está ligada não somente com os órgãos da visão, da audição e do tato, mas também com todos os sentidos como por exemplo, a dor. Sabemos que qualquer vibração que ultrapasse uma faixa normal da capacidade sensorial provoca dor. 

A dor é uma vibração excessiva e está ligada com o sentido da eletrição e a eletrição está ligada com todos os outros sentidos inclusive estes com os quais se liga a musculação, porque também o campo da musculação tem a correspondente vibração, e todos os autores reconhecem como tal. 

Isso pode ser visto até pelo potencial bioelétrico e pode ser medido, como Jorge Curion tem verificado experimentalmente. 

Mas notem, então, que o que dá o contato com a realidade exterior é o exercício dessas funções psíquicas e as ligações se estabelecem através desses sentidos na captação da realidade. Essas funções de ligação, que atuam através dos sentidos na captação sensorial da realidade, correspondem indiretamente aos elementos subjetivos intrínsecos, mas constituem apenas traços; então há o exercício muscular, exercício da captação da sensibilidade muscular que correspondem a traços de personalidade.

São traços em dois sentidos: (1) traços que correspondem a aplicação ao mundo subjetivo em relação ao mundo exterior e ao mundo vegetativo interno, (2) traços que correspondem a funções psíquicas consideradas por si mesmas, como elemento subjetivo. Então, traços de caráter, que correspondem exatamente às funções conativas e afetivas, inclusive os traços de personalidade outros que não são esses de caráter: capacidade de trabalho mental que é variável e uma série de outras características do indivíduo.

Os autores que estudam traços no sentido subjetivo, consideram-nos ligados com o trabalho mental ou psíquico outros que correspondem às disposições somáticas. Isto porque o sentido da musculação e o da eletrição, são aspectos somáticos – ligação entre o mundo subjetivo e o mundo exterior. Esses dois tipos de traços, por conseguinte correspondem como dissemos, a manifestações diretas e indiretas de nosso mundo subjetivo.

Há autores, que quando consideram a personalidade, como o fez Spermann e Cattel, procuram estudar os traços. Então, o que seria objetivo, o que poderia exteriorizar, o que poderia se medir, verificar a variação que se apresentam, são os traços. Mas os traços não representam a personalidade e os autores em geral confundem personalidade com traços de personalidade. 

Temos comportamento subjetivo e comportamento explícito ou objetivo que têm como correspondente, como correlato, os traços de personalidade e assim compreendemos que os autores tenham dado uma acepção diversa de personalidade, porque não têm determinado todas as condições a que correspondem um determinado fenômeno psíquico estudado.

Figura 4 – Esquema sintético da Estrutura de Personalidade, funções psíquicas internas e de ligação, traços, comportamento, temperamento e constituição

Legenda referente às setas que indicam mecanismo complexos entre os setores da personalidade: entre afetividade e inteligência – interesse; entre afetividade e conação – motivação; entre conação e inteligência – atenção; entre inteligência e conação: orientação e; entre inteligência e afetividade (seta bidirecional): emoção ou processo emocional.

Situamos à esquerda desse esquema as funções subjetivas: a afetividade, a atividade e a inteligência. São setores que mantém relações específicas entre si, de tal forma que algumas são fundamentais, outras dependentes, que todos conhecem. O que corresponde a setores são um grupo de funções: na afetividade, os instintos correspondem a sete funções e os sentimentos, três, na conação, a firmeza e duas funções para a atividade propriamente dita e cinco funções na esfera intelectual.

São funções subjetivas internas que correspondem então à estrutura da personalidade. Vemos, por conseguinte, que a personalidade abrange apenas esses três setores, que são constituídos pelas dezoito funções psíquicas.

No entanto, quando consideramos o indivíduo como conjunto, não levamos em consideração apenas esse aspecto subjetivo, mas também o aspecto de ligação entre esse mundo subjetivo e o mundo exterior. 

Temos, então, uma outra série de funções de ligação que são objetiváveis, passíveis de serem consideradas quanto ao nível funcional subjetivo envolvido. Assim, temos, principalmente, na inteligência, o contato intelectual com a realidade e de comunicação de sinalização ou de elaboração da realidade. Em relação à atividade ou conação, temos a motilidade, que exprime esse trabalho de ligação ente o mundo subjetivo nessa área e o mundo exterior. Em relação aos sentimentos e aos instintos, temos dois aspectos: o contato afetivo com a realidade, interpessoal e outro com a regência metabólica – ligação direta com o mundo visceral, que se faz através do instinto de nutrição.

Temos, então, um aspecto que é a regência do metabolismo e outro aspecto mais diferenciado que é a ligação com o mundo exterior. Essas funções, por conseguinte, se manifestam de modo variável, dando então, o que chamamos de constituição, isto é, o conjunto de funções subjetivas e de ligação com o mundo exterior.

Então, aqueles traços que mostramos no esquema de Hans Luxemburger, correspondem, em uma parte, do aspecto dinâmico, e outra parte, do aspecto estático ou do arranjo da personalidade em si mesmo. Isso é a constituição; vemos também que correspondem às funções psíquicas, mas não só as funções internas, mas também com as funções de ligação e com essas várias áreas de contato com a realidade exterior envolvidas e que se exprimem de modo diverso.

Exprime, como tradução da capacidade mental, um conjunto de manifestação exteriorizada, que nos dá a capacidade de assimilar e elaborar o mundo exterior. 

São traços intelectuais que correspondem, então, ao contato com a realidade. Outro traço, corresponde à capacidade de ação; o indivíduo pode agir no mundo exterior de modo variável e isto permite estabelecer a variação comportamental de um indivíduo para outro. A capacidade de ação exprime as disposições subjetivas da atividade e ao mesmo tempo as funções de execução através da motilidade. 

No nível da afetividade, temos dois aspectos: o mais diferenciado, que envolve os sentimentos: temos o contato com o mundo exterior – que vai dar o caráter e a parte que corresponde mais às funções vegetativas mais ligadas com o mundo subjetivo, corresponde ao biótipo.

O temperamento é um conceito abstrato como a constituição e que procura exprimir as relações entre os traços de personalidade e o modo de ligação com o mundo exterior. O temperamento como vemos nesta coluna mais externa corresponde também ao biótipo. Então, o biótipo e o temperamento estão ligados com a constituição, mas nessa acepção, constituição não equivale nem ao temperamento, nem ao biótipo. 

Há, por fim, o resultado desse trabalho mental, que seria então, a adaptação da realidade no plano intelectual; com a ação extrínseca que decorre da liberdade do indivíduo exteriorizar a capacidade de ação; as relações interpessoais, e as reações individuais aos vários estímulos. 

Isso constitui o comportamento quer seja subjetivo, quer seja objetivo, e todo esse conjunto corresponde ao indivíduo; então, temos que considerar no indivíduo: uma parte intrínseca, a função subjetiva, a função de ligação, o temperamento e a constituição da personalidade.

Uma parte do temperamento também corresponde ao indivíduo, mas temos a parte externa que é o comportamento apenas e que pode ser desdobrado em comportamento subjetivo, às funções de ligação como o mundo exterior e o comportamento explícito que é o resultado da fusão das várias tendências subjetivas do indivíduo.

Se considerarmos dessa maneira, fica fácil compreendermos as várias decorrências que surgem na clínica normal ou patológica, no âmbito da clínica psiquiátrica. Assim, o estudo da Psicologia como um estudo sistemático do comportamento (comportamentalismo) não constitui a verdadeira psicologia. Com a técnica de aversão do comportamento operante estamos apenas modificando a exteriorização do comportamento objetivo.

ADENDO

Estrutura e Dinâmica da Personalidade, Caráter e Temperamento

Definição de personalidade (estrutura) – conjunto de funções subjetivas ligadas ao funcionamento cerebral peculiar à espécie que continuamente regem em harmonia, a disposição do indivíduo e as suas relações com o ambiente físico e social.

Conjunto de funções subjetivas – funções psíquicas – articuladas entre si de maneira tal que constituem um todo individual e que só podem ser isolados por abstração ou pela patologia. A partir do exame psíquico, isto é, pela desmontagem dos casos clínicos podemos ver os elementos alterados distinguindo as funções desestruturadoras daquelas compensadas. 

São constituídas por três grupos de funções básicas: Afetividade, Conação e Inteligência que apenas diferem quanto aos seus resultados e não propriamente quanto à natureza. Elas realizam um trabalho harmônico resultando no trabalho psíquico. São inatas, coexistentes e obedecem a uma hierarquia. Permitem que o indivíduo entre em contato com ao meio externo ou com o próprio mundo subjetivo.

Hierarquia no sentido de que uns são básicos, fundamentais, outros são menos gerais, mais dependentes, menos essenciais ao funcionamento mental. O que caracteriza a primazia desses setores, é a época em que entra em função de modo a definir o modo prevalente do indivíduo contactar com o ambiente. Nesse sentido, a afetividade representa o setor fundamental para o funcionamento das outras esferas.

Portanto, existe uma hierarquia no sentido de expressão dos três setores. Não é possível distinguir, em um determinado ato, o grau de participação das duas esferas ou identificar a participação, maior ou menor, de cada função subjetiva envolvida.

Ligadas ao funcionamento cerebral – Reduzir as funções aos órgãos cerebrais correspondentes de modo que se permite estabelecer uma ligação entre objetivo e subjetivo, o que para Pavlov constituía o problema fundamental da ciência. 

Cada função cerebral corresponde a um sistema mais amplo e uma lesão pode ser compensada não porque haja outras que assumem essa função como pretende a teoria da plasticidade cerebral de K. Goldstein mas porque outros elementos do sistema preenchem tal função. 

É importante, portanto, ao relacionar o substrato cerebral ao comportamento psíquico, levar em consideração:

  1. evidentemente, o indivíduo está em contato com o ambiente porque o cérebro está funcionando, mas os processos psíquicos estão sujeitos a leis que regem o processo mental e que não correspondem exatamente as dinâmicas neurofisiológicas; 
  2. essa ligação se faz através dos órgãos cerebrais que são funções psíquicas que operam como um conjunto harmônico constituindo-se em sistemas que dão como resultado o psiquismo.

Portanto, o encéfalo, pode ser estudado em vários níveis:

Como víscera – metabolismo, traços bioquímicos.

Nível fisiológico – núcleos hipotalâmicos, amadurecimento orgânico, equilíbrio eletrolítico, temperatura somática, circulação, P.A., sudorese etc.

Nível neurológico – manifestações exteriorizadas (tônus estático e dinâmico), (diencéfalo, substância reticular), reflexos.

Nível subjetivo (psicológico – resultado da convexidade cortical – Afetividade, Conação e Inteligência, espontaneidade, consciência.

Na Psicologia genética – correlacionamento do amadurecimento psicológico com o amadurecimento cerebral (mielinização). O conjunto harmônico das funções subjetivas do cérebro – Personalidade subjetiva.

Peculiares à espécie – estrutural, portanto, comum a todos os seres humanos, no caso. As tendências genéticas e o ambiente determinam o arranjo entre as funções subjetivas, mas não determinam as próprias funções. Estas são comuns à espécie humana.

Dinâmico – As funções se dispõem de modo diverso conforme o indivíduo, conforme o grau de amadurecimento, conforme as condições de liberdade afetiva ou contenção, enfim, de uma série de fatores que decorrem do mundo exterior e que influem sobre o mundo subjetivo. 

O indivíduo age em relação ao meio externo em correlação com o seu próprio modo de agir. Os ambientes físico e social também interferem sobre o indivíduo através do intercâmbio que eles mantem continuamente. O resultado do arranjo das demais funções psíquicas (sendo essas funções em si comuns a todo indivíduo) permite a noção da “norma, contrário, à estatística”.

Continuamente – aspecto temporal – É um processo que se faz ininterruptamente desde a fase neonatal preparado por processos anteriores e que se prolonga num certo sentido após a morte.

Prolongamento do passado genético – hereditariedade. Influências culturais e familiares.

Prolongamento para o futuro – hereditariedade; ações, pensamentos, criações do indivíduo que influem sobre os demais e sobre o dinamismo social.

Disposição do indivíduo – equilíbrio entre o psíquico e suas relações com o ambiente físico e social.

As funções de ligação são os que permitem a passagem das relações do indivíduo com o meio externo, isto é, permite transpor para a realidade os estímulos subjetivos internos. O contato com o meio externo decorre do estímulo afetivo mediado pelo trabalho da atividade. As funções de ligação variam conforme o indivíduo, conforme as circunstâncias, conforme o amadurecimento, conforme o estado normal ou patológico. Em suma, depende do substrato cerebral, do elemento cultural e das experiências passadas.

Entre algumas funções (de ligação interna) estão necessariamente ligadas a setores de personalidade enquanto outras são modificáveis pelo ambiente. O que permite o adestramento, a assimilação de normas do meio externo são as funções de ligação e o arranjo das funções subjetivas.

Temos, então: aspecto psíquico intrínseco: personalidade. As funções psíquicas de ligação, quer com o mundo interno quer com o mundo externo. Temos duas vias de contato com o meio externo: intelectual e a atividade. A intelectual influi na atividade quando há uma noção intelectual mínima ocorre a ação direta – por exemplo – para um arranjo ou no comportamento automático.

A afetividade tem uma ligação indireta com o ambiente externo através dos órgãos sensoriais (percepção ao aparelho motor (motilidade) e o sistema de regência vegetativa é um elemento constante de ligação – entre o mundo interno e cerebral – dinâmica vegetativa, não psicológica que pode ser aferida.

Funções de ligação

Instintiva – em relação ao mundo visceral através da regência do metabolismo (desenvolvimento da célula viva) ou sofrem o estímulo metabólico (distúrbios metabólicos na afetividade – emoção).

Sentimentos – contato afetivo com o mundo social e com o mundo físico.

Atividade – sejam diretamente a motilidade. O contato com o mundo externo através da motilidade (preensão e locomoção).

Inteligência – continuamente o indivíduo recebe o estímulo do meio externo e elabora continuamente esses estímulos (valor simbólico da realidade externa). Portanto, embora o contato aferente e eferente no caso, seja intelectual, reflete também a perturbação do sentimento através de juízos de valor. Portanto, entre as reações internas, subjetivas, afetivas (impulsos e motivações) e a execução desses interesses necessariamente interfere a atividade e a inteligência.

Traços de personalidade

Traduz o arranjo de funções subjetivas que se desenvolvem com a idade e com as condições ambientais e psicológicas do indivíduo. O indivíduo desde que nasce tem uma maneira própria de agir, vemos que há uma constância nos traços que lhe são atribuíveis.

Quanto à adaptação, cada indivíduo age de acordo com seu modo particular de ser.

Os traços se referem a:

Capacidade mental do indivíduo – tipo e grande inteligência.

Capacidade de ação – eficiência, lento ou rapidez de reações (Behaviorismo).

Modalidade de caráter – exteriorização do estado subjetivo através do comportamento externo. Conjunto de funções afetivas e conativas, modo como o indivíduo age no meio externo e que se traduz através das relações interpessoais. Portanto, conjunto das funções afetivas e práticas. 

O caráter expressa de modo geral a disposição subjetiva do indivíduo, mas também a regência do metabolismo. Portanto dois aspectos: vegetativo e subjetivo ligados com a estrutura íntima do indivíduo resultando nas relações interpessoais e nas reações interpessoais e nas reações individuais aos estímulos. Os elementos do caráter ligados ao funcionamento vegetativo é o biótipo.

Biótipo – complexo de relações, principalmente somáticas, mas também envolvendo elementos subjetivos ligados aos instintos. Disposição somática e vegetativa.

Temperamento: 

Varia em correlação com o biótipo, mas também envolve modalidade de caráter. Portanto: (1) parte básica: biótipo, (2) parte que corresponde às funções caracterológicas (modalidade de caráter), (3) capacidade de ação e, (4) maneira de encarar e de reagir à realidade (capacidade mental).

O temperamento resume as funções de ligação do indivíduo e os traços que traduzem essa ligação. Está implícito o intercâmbio das várias funções subjetivas do indivíduo, mas não são a tradução direta dessas funções, mas o modo como se arranjam em cada indivíduo e dão o contato com o meio externo. Sendo uma relação entre os traços de personalidade e o meio de ligação com o mundo externo corresponde a uma decorrência indireta do meio subjetivo e uma decorrência direta do meio externo.

Resultado – consciente, objetivo.

  1. Capacidade mental – adaptação à realidade.
  2. Capacidade de ação – ação explícita embora não decorra do caráter, está ligada a ele, implica em trabalho intelectual e interesse afetivo. Exprime as funções subjetivas e as funções de ligação – motilidade. Resultado do trabalho de fusão de várias tendências do indivíduo.
  3. Relações interpessoais – que resultam do caráter. São disposições de personalidade que estabelece a ligação entre o indivíduo e o meio. Ou seja, as ligações intelectuais e suas repercussões com o mundo afetivo.
  4. Reações individuais aos estímulos.