AFETIVIDADE E EMOÇÃO

AFETIVIDADE E EMOÇÃO¹

A afetividade é a parte básica fundamental da personalidade. Na teoria de Comte, a afetividade, a atividade e a inteligência são setores da personalidade e são inatos. Não há, portanto, a interveniência do tempo na formação da estrutura da personalidade. Isto é o que diferencia fundamentalmente a teoria da personalidade de Comte em relação a outras. 

Na realidade, em qualquer processo mental, no contato com o mundo exterior ocorre a participação das três esferas. Os três setores coexistem, estão em atividade desde o início da vida psíquica, mas o que amadurece mais precocemente é a afetividade e mais tardiamente, a inteligência. 

Existe, entretanto, uma hierarquia entre os três setores, de tal forma que a afetividade estimula a atividade e esta por sua vez é indispensável para a função da inteligência. A afetividade estimula também diretamente a inteligência. A inteligência, por sua vez, age sobre a atividade e sobre a afetividade. O que não existe é uma ação retroativa da atividade sobre a afetividade, sendo que esta ação se passa através da inteligência. Essa concepção é fundamental pois só assim podemos compreender que haja a possibilidade de o indivíduo ter experiência (no caso de animais, a possibilidade de serem adestrados): porque ao mesmo tempo que ele recebe um estímulo do mundo exterior, portanto um contato intelectual, é a afetividade que determina o interesse pelo que se passa. Se não houvesse essa coexistência entre dois elementos, não poderia haver aprendizado real. Por exemplo, na teoria de Freud existe a coexistência de elementos afetivos de tipo instintivo desde o início, mas só quando se forma o Ego é que entra em função a capacidade de adaptação, de noção do mundo exterior, e de ação sobre ele. Ora, isto não é compreensível porque não é possível que um indivíduo aja sobre o mundo exterior, que contactue com ele sem que haja o interesse e um fator afetivo que o estimule. 

Também não pode haver associação da qual resulta o aprendizado, ou no caso do animal, o adestramento ou condicionamento, senão houver uma conexão entre a reação afetiva instintiva ou afetiva consciente e o fenômeno intelectual. O condicionamento como todos sabem, consiste em associar o estímulo recebido, portanto condicionado, com o estímulo não condicionado, que é inato. Essa correlação entre o fenômeno intelectual e o afetivo, em síntese, é o que dá origem à emoção; portanto a emoção é um processo e não uma função. 

Essa noção pode ser real ou uma idealização, e reage com uma conotação afetiva, pela simbolização. Este dinamismo geral constitui o fundamento de toda a psicologia e nos dá a possibilidade de apreciarmos os dinamismos patológicos. Quando Comte construiu a sua teoria, tomou como base os conhecimentos de todos os que o antecederam, especialmente Gall, e relacionou os aspectos subjetivos da personalidade com o sistema nervoso central, o encéfalo principalmente. Definiu os vários setores como um conjunto de funções independentes, harmônicas entre si e dessa harmonia resulta uma unidade. 

Na afetividade existe um nível básico de manifestação que chamamos individualidade e um outro nível, a sociabilidade. Na atividade temos também dois níveis: firmeza ou perseverança e a atividade propriamente dita. Na inteligência temos três níveis: observação ou contemplação, meditação e expressão ou comunicação. A comunicação é um aspecto fundamental da expressão, mas que na realidade é um trabalho de construção também. Não se pode chegar a formular um pensamento exato sem a contribuição desta função da expressão, que corresponde à fixação de sinais, portanto, uma simbolização da realidade. 

Quando tratamos da observação, temos um trabalho construtivo, porque nesta também temos a reconstituição da realidade. Da observação para a expressão passamos para níveis cada vez mais abstratos, mais desligados da afetividade. 

É preciso distinguir a afetividade de afetos. Afetividade é um conjunto de funções subjetivas; afeto é uma manifestação ou objetivação da afetividade. A afetividade diz respeito a funções psíquicas que correspondem de preferência à ligação com o mundo exterior, com a sobrevivência do indivíduo e de sua integração no ambiente físico e social. Daí vem a sociabilidade como um dos níveis da afetividade. 

A individualidade corresponde a sete funções, a sociabilidade, três. As três esferas compreendem ao todo dezoito funções que funcionam em harmonia. Aparentemente é uma unidade, mas na realidade podemos demarcar as funções, em uma situação patológica. 

Todas as funções da individualidade são indispensáveis à manutenção do indivíduo. O instinto nutritivo é peculiar a toda a escala zoológica. No que se refere à conservação da espécie, temos dois instintos: sexual e materno ou de posse, indispensável para a manutenção da prole. Não se deve confundir instinto materno com amor materno. Outro grupo básico na afetividade é o que Comte chamou de aperfeiçoamento, compreende a destruição e a construção. O grupo que corresponde à passagem da individualidade para a sociabilidade é a ambição, que compreende o orgulho (necessidade de domínio) e a vaidade (necessidade de aprovação). 

Em algumas psicopatias encontramos indivíduos com necessidade extrema de aprovação. Nenhuma dessas funções são conscientes e isto é um aspecto fundamental na teoria de Comte. Existem três níveis da sociabilidade: apego, veneração e bondade. Tanto no apego quanto na veneração existe um aspecto ligado com a satisfação pessoal do indivíduo, sendo mais básicos que a bondade. A bondade tem apenas o sentido eferente, parte do indivíduo para os demais. O que estabelece de preferência o contato afetivo com o mundo exterior é a bondade. Portanto, a bondade e a nutrição são os dois polos de interesse para o mundo exterior. Segundo Comte, a bondade está situada na região frontal alta e o instinto sexual e nutritivo no cerebelo. Os demais instintos ele não localizou precisamente.

 ¹Aula de Aníbal Silveira, proferida em 6 de maio de 1969, sem referência a local da aula (provavelmente em Campinas) nem de quem a compilou. Revisto em 11/04/22 por integrantes da Comissão de Revisão do CEPAS: Flavio Vivacqua, Francisco Drumond de Moura, Paulo Palladini e Roberto Fasano.