A CONSTRUÇÃO DO MOTE NA TERAPIA COMUNITÁRIA

A CONSTRUÇÃO DO MOTE NA TERAPIA COMUNITÁRIA
                                                             


Baseado no texto de Liliana Beccaro Marchetti
Francisco Drumond Marcondes de Moura, maio/2018

O mote é o coração da terapia comunitária integrativa (TCI), nas palavras de Adalberto Barreto (2005). Mas o que é um mote? Como fazer um mote? Quais os objetivos do mote? Que estratégias ou recursos usar? O que é importante? Qual o melhor mote?

O mote é uma pergunta-chave que identifica e define a situação problema, permitindo a reflexão sobre o comportamento do protagonista com determinado problema em determinado momento e que seja capaz de trazer à tona elementos para resignificar a realidade vivida numa síntese que promova mudança. 

O mote na TCI é como uma frase ou palavra, metafórica ou não, formulada pelo coordenador como uma pergunta, cujo objetivo é situação primária vivida pelo protagonista do grupo (MARCHETTI; FUKUI, 2007, p. 48-51).

O mote promove a possibilidade de desvendar e conhecer por vários ângulos os diferentes saberes da comunidade rompendo com a solidão
e com a exclusão. Portanto, em muitos momentos usamos a frase “Você não
está só!”. 

Logo, o mote promove experimentar o pertencimento quando o
protagonista e o grupo percebem que fazem parte de um grupo e
de algo maior: uma comunidade. 

O mote pode indicar o caminho do percurso do individual para o coletivo, através das pessoas, suas famílias, da comunidade a que pertencem e da sociedade.

Além disso, busca desvelar a dor vivida pelo protagonista de forma
que o grupo possa trazer as estórias que mostram o seu instrumental para lidar com problemas. Cada integrante do grupo mostra o seu melhor para contribuir com o alivio da dor do outro.

Dessa forma, o mote promove uma rede solidária de apoio fraterno que congrega a possibilidade de dar e receber o seu melhor e muitas vezes conhecer o seu
melhor e, quando é possível, contribuir para aliviar a dor do outro e descobrir que ajudando o outro, ajudo a mim mesmo.

O processo de construção do mote

É importante conhecer as etapas da TCI, pois, cada uma delas é
importante na preparação do grupo para a formulação do mote. Para a construção do mote vamos privilegiar sempre a informação do protagonista e para que isto seja possível o coordenador precisa estar atento aos seus próprios fantasmas para não incluir coisas pessoais à situação-problema. Inclusive, por causa disso, no processo de formação do coordenador é necessário ter o cuidado de cuidar do cuidador, visando trabalhar suas angustias e dificuldades.

Mas é na contextualização da situação problema do protagonista que esta tarefa se faz necessária, permitindo ao coordenador conduzir o processo de construção do mote. Uma forma é identificar as palavras-chave com as quais o protagonista identifica as raízes do seu sofrimento.

O mote é feito da palavra-chave de maneira mais próxima possível do sofrimento do protagonista. Então, lançando mão de perguntas e estimulando
o grupo a ajudá-lo na tarefa de perguntar, é que será possível ao terapeuta
compreender a dor, o sofrimento da pessoa e construir o mote.

A arte de perguntar permite reconhecer os temas importantes da pessoa
e a ajudá-la a questionar objetivamente pontos de vista, opiniões e cren-
ças pertinentes que auxiliem a esclarecer a sua dor e o seu sofrimento. Frequentemente orientamos o grupo que quando vierà mente um conselho, sugerimos transformá-lo numa pergunta.

Outra propriedade das perguntas é que elas auxiliam na organização
das informações e a lidar com a insegurança do terapeuta, pois, permitem
a este certificar-se de que o que ele está pensando é mesmo do protagonista. 

O uso da restituição neste momento é relevante. Exemplo: “Deixe-me
ver se eu entendi, se não, por favor, me corrija! A sua dor é …”. Desta
forma, o terapeuta certifica-se da sua apreensão da palavra-chave e valida
o mote que pretende colocar para o grupo, na maioria das vezes, com a
confirmação do protagonista, o mote está pronto.

Mas atentemos ao fato de que o mote é constituído por dois questionamentos que contemplam a tarefa do terapeuta: um que explora o saber,
a experiência individual, pessoal, e o outro, que busca soluções conhecidas, maneiras possíveis de resolução, presentes no grupo, na experiência
do outro que participa da roda. 

Por esse motivo questionamos, usando o mote genérico: 

1) Quem já viveu uma situação semelhante a essa contada pelo colega? 

2) E o que fez para resolver?”

Tipos de mote  

Um tipo é o mote genérico ou curinga. Este é um mote polivalente que amplifica sua atuação. Pode ser usado em qualquer situação,
especialmente quando o terapeuta não tem clareza da dor do protagonista
na situação ou quando o terapeuta verifica que um mote genérico pode
ser mais útil, abrangente e beneficia de maneira significativa o grupo. 

Um exemplo: “Quem já viveu uma situação semelhante ao fulano e o que fez
para resolver?” O mote genérico é poderoso, pois pode desdobrar possibilidades que não foram pensadas até aquele momento. 

O outro tipo é o mote simbólico ou específico. Este mote é específico, usado para ir direto ao ponto da dor do protagonista, busca um sofrimento ou dor específica. Pode ser usado quando o terapeuta tem clareza do sofrimento colocado, confirmado pela restituição. Neste caso, muitas vezes, a palavra-chave faz parte do mote e também podemos lançar mão dos provérbios, metáforas que serão o mote, por exemplo: “Quem já se sentiu um patinho feio e o que fez para resolver?” Como o nome diz, este mote refere-se sempre a um símbolo, mito, que se refere a situação problema do protagonista. Sua vantagem está no fato de que todos entendem cada um a sua maneira o símbolo e terão uma estória para contar.

Níveis de mote

O terapeuta tem a possibilidade de fazer motes diferenciados: individuais, familiares, comunitários e sociais próximos ou mais amplos. Com o tempo de roda e experiência, estas possibilidades vão se colocando. Os individuais se referem à dor de uma pessoa, a um problema individual que pode ser aproveitado pelo grupo. São os mais comuns. 

Os motes familiares se referem a questões de família, a um pequeno grupo dentro
do grupo, e dizem respeito às dificuldades familiares propriamente ditas,
por exemplo, as relações familiares. 

No nível comunitário, o mote comunitário vai tratar de alguma questão da comunidade, por exemplo, drogas ou brigas na comunidade. E, por fim, pode tratar até de uma questão social mais ampla, que possa conter uma reivindicação social do grupo para uma mobilização social, como cuidar de uma praça do bairro, por exemplo, ou reivindicar algum trabalho de algum órgão público, seja municipal, estadual ou federal, e
viabilizar o seu encaminhamento. 

Com o tempo, percebemos que, conforme o treino do terapeuta vai acontecendo, ele vai ficando mais experiente e mais habilidoso em fazer os motes, o grupo vai aprendendo a lidar com as questões grupais e a participar do grupo, seus integrantes vão ficando mais ativos e começam a se empoderar. 

Do mesmo modo, as questões vão também ficando mais específicas, complexas, reivindicatórias e humanas. O grupo começa a querer
discutir outros níveis. Como exemplo, podemos citar um caso de uma
comunidade de Brasília que na sua maioria mulheres através das terapias
comunitárias montaram uma cooperativa que virou referência no mundo
da moda, o Paranoarte1.

Queremos finalizar aqui com a frase de Martin Buber que nos acompanha e contempla: “O maior sofrimento de um indivíduo é não ser reconhecido como um ser diferente, é viver sem ser percebido como alguém original, é ter que se violentar
para poder ser notado.” 

REFERÊNCIAS:


BARRETO, A. Terapia comunitária passo a passo. Fortaleza: Gráfica LCR, 2005. 

MARCHETTI, L.B. Compreendendo o grupo na terapia comunitária integrativa. In: CAMAROTTI, M.H.; FREIRE,T.C.G.P.;BARRETO, A. (Org.). Terapia comunitária integrativa sem fronteiras: compreendendo suas interfaces e aplicações. Brasília: [s.n.], 2011.p.177-195.