Confluência de fatores patogênicos na epilepsia

CONFLUÊNCIA DE FATORES PATOGÊNICOS NA EPILEPSIA1

A epilepsia é considerada aqui como uma condição mórbida endógena, permanente, caracterizada pela variabilidade relativamente grande de expressão clínica e pela participação precisa dos dinamismos genéticos.

A expressão clínica da epilepsia não abrange apenas o plano neurológico objetivo, mas também o subjetivo.

Assim, ao lado dos quadros clínicos nucleares e colaterais da epilepsia, classicamente descritos, vamos encontrar manifestações subjetivas, psíquicas, como integrantes de algumas dessas manifestações ou definidas como traços de personalidade.

Do ponto de vista genético, a epilepsia se apresenta como condição constitucional atenuada, permanente e sistematizada, como um dos quadros colaterais do ciclo heredológico na nossa acepção. Seus dinamismos genéticos constituem um elemento determinante preciso e característico.

O estudo patogenético da epilepsia evidencia a confluência de uma série de fatores que agem e interagem em diferentes níveis. O domínio desses diferentes fatores proporciona, ao estudo da epilepsia, uma maior precisão no tocante à sua etiologia, à correlação possível de algumas de suas manifestações, como o traçado eletroencefalográfico, o diagnóstico diferencial das formas convulsivas da epilepsia com outras condições mórbidas, também convulsivas.

A terapêutica dos quadros epilépticos, não apenas ao nível medicamentoso, mas principalmente nos planos da prevenção, da orientação familial e da readaptação do paciente epiléptico, exige uma precisão maior na determinação de sua manifestação clínica.

Assim, devem ser investigados, segundo o critério patogenético, os fatores confluentes da epilepsia, não sendo apenas suficiente a descrição clínica dessa condição mórbida.

Sistematizamos o estudo patogenético da epilepsia em dois níveis: um mais geral, que engloba a participação genética no que se refere à organização cerebral, além de levar em conta a grande difusão dessa carga genética na população média; outro mais específico, que interessa à dinâmica da personalidade, ao nível das esferas e dos sistemas psíquicos e sua correlação com a dinâmica cerebral.

A organização cerebral compreende a sua disposição anatômica e funcional, que são características da espécie, e consequentemente geneticamente determinadas.

Na disposição anatômica do encéfalo, e mais particularmente do cérebro, devemos lembrar que o mesmo se apresenta como uma série de órgãos corticais altamente diferenciados, formando dois grandes sistemas. O sistema páleo-cerebral e o páleo-cerebelar que envolvem as estruturas mais antigas e o sistema neo-cerebral e neo-cerebelar, cuja formação estrutural é mais recente. Nesses sistemas podemos distinguir estruturas mais básicas que estimulam aquelas mais diferenciadas, as quais por sua vez, regem as primeiras.

O sistema páleo-cerebral e páleo-cerebelar é responsável pela nutrição do cérebro como uma víscera e nesse trabalho podemos individualizar o cerebelo, ou melhor, o verme cerebelar como órgão central que rege a nutrição do organismo como um todo e do cérebro particularmente. Segundo o nosso modo de compreender, os estímulos partem do cerebelo e vão até as estruturas subcorticais hipotalâmicas, lobo orbitário, cíngulo na parte cortical interna e convexidade cortical. Alterações no funcionamento nutritivo do sistema páleo-cerebral podem acarretar alterações na formação de estruturas cerebrais, em diferentes níveis, determinando malformações cerebrais ou disgenesias cerebrais2.

Essas alterações podem ocorrer em áreas limitadas, evidenciando as estruturas participantes do sistema, ou serem mais extensas abrangendo, inclusive, todo um hemisfério cortical em alguns casos. 

Na epilepsia as disgenesias cerebrais aparecem com maior frequência, o que levou o Dr. Perez Velasco, no Hospital do Juqueri, a associar essa condição mórbida às alterações do lobo temporal interno, do uncus, às alterações dos tubérculos mamilares, às alterações dos núcleos subcorticais da base do cérebro, e às alterações limitadas a determinadas áreas corticais; dando em resultado as microgirias visíveis no estudo anatomopatológico e na pneumoencefalografia.

Essas disgenesias não são correlatas às alterações mentais indicando apenas uma disfunção compatível com a normalidade psíquica e neurológica, mesmo quando atingem áreas extensas, constituindo-se muitas delas em achados ocasionais de autópsias. São disgenesias geneticamente determinadas e não relacionadas a condições externas, tais como a anoxia fetal.

Alguns autores atribuem à anoxia fetal a causa das malformações decorrentes da maior susceptibilidade de determinadas estruturas cerebrais a essas alterações. É o caso das alterações do uncus pela anoxia durante o trabalho de parto atribuída por Spielmeyer como causa das crises convulsivas. Essas malformações aparecem como condição ligada à epilepsia, mas não como causa da epilepsia.

Tanto um aspecto quanto o outro, decorrem da tendência genética e, além disso, as malformações não se limitam apenas às estruturas cerebrais, porém a todo o organismo ou à parte somática.

Tal aspecto mostramos em estudo de 454 crianças e no levantamento de 11.148 pessoas que procuraram o Centro de Saúde de Santana e o de Santa Cecília. Verificamos, empiricamente, que as disgenesias somáticas apareciam como condição ligada ao ciclo heredológico da epilepsia. Compreendemos o chamado “cérebro epiléptico”, com base nessas disgenesias e nas desproporções existentes entre as estruturas e os hemisférios cerebrais como decorrentes de uma falsa ligação de causa e efeito entre uma condição e outra. Devem ser consideradas, na realidade, como condições pertencentes a um mesmo ciclo heredológico que podemos encontrar associadas ou não em um mesmo paciente. Assim, em muitos casos não encontramos nenhuma manifestação clínica da epilepsia, não obstante estarem presentes disgenesias somáticas, inclusive cerebrais. 

Ligada à tendência da malformação somática uma outra condição clínica conexa à epilepsia é o aborto espontâneo. Esse deve também ser entendido como uma condição genética onde a participação de genes letais impedem que o feto nasça a termo em condições normais.

O aborto aparece também com frequência quando ocorre uma concentração maior para a epilepsia e em decorrência da malformação da organização cerebral e do organismo como um todo, por alterações dos sistemas arqui-cerebrais que regem a formação do cérebro como uma víscera e de todo o organismo.

Consideramos a anoxia fetal, em sua grande maioria, como decorrente da distocia fetal e não materna, e resultante de características da maturação do sistema nervosa do feto. Isto é, o feto participa ativamente do trabalho de parto, desde que seu aparelho motor esteja normalmente amadurecido.

Esse retardo no desenvolvimento motor aparece como condição ligada ao ciclo da epilepsia sendo, portanto, a anoxia uma consequência e não causa da mesma.

Ainda no âmbito da organização cerebral, sob o aspecto nutritivos, temos o traçado eletroencefalográfico cujas alterações traduzidas pelas disritmias cerebrais são consideradas como causa da epilepsia.

O EEG traduz a parte vegetativa da atividade cortical sendo que toda corticalidade está sujeita a um estímulo vegetativo nutritivo. Esse reflete uma atividade cortical bioelétrica que pode ser captada pelo registro eletroencefalográfico sendo necessária a integridade das ligações tálamo-corticais.

Nesse complexo registrado pelo EEG, essa atividade cerebral em condições normais traduz o aparecimento de ondas variáveis segundo as regiões cerebrais consideradas, conforme a idade do paciente, em questão e, em função de uma série de condições psíquicas e fisiológicas por ele apresentadas. 

No traçado eletroencefalográfico distinguem-se dois tipos principais de ondas: as ondas alfa cuja frequência é de 10 a 14 ciclos por segundo e as ondas beta com a frequência de 14 a 25 ciclos por segundo. Ondas de maior frequência ou menor frequência que as das alfa e beta não ocorrem em traçados correspondentes à atividade cerebral normal, mas traduzem, respectivamente, a excitabilidade excessiva e a presença de sofrimento cerebral.

As crises epilépticas correspondem, em geral, a descargas neurofisiológicas, que surgem de modo súbito e paroxístico, com registro de ondas de maior ou menor frequência e de maior amplitude, em uma determinada área ou em toda a corticalidade.

Não apenas a frequência e a amplitude, mas também a linha base, que é característica da atividade cerebral normal em condições de vigília, estaria também alterada na epilepsia.

Com o advento de aparelhos mais sofisticados de registro da atividade bioelétrica cerebral, a epilepsia passou a ser estudada em função da presença ou não de disritmia cerebral, pelas particularidades exibidas por essa disritmia.

Não apenas como elemento diagnóstico da epilepsia em suas várias formas de manifestações, mas também como elemento orientador da atuação dos anticonvulsivantes e elemento prognóstico, o EEG. tem sido usado. Cabem a este respeito as mesmas considerações tecidas em relação às disgenesias cerebrais, porquanto o EEG reflete apenas um aspecto parcial ligado à epilepsia. Nem todas as crises epilépticas podem ser registradas pelo EEG. E, por outro lado, a localização do chamado foco disrítmico não traduz a origem do dinamismo bioelétrico alterado. Ademais, esses registros do EEG estão ligados ao paroxismo das descargas e não são de natureza permanente, aspecto este que caracteriza a própria condição mórbida epiléptica.

Assim, podemos deduzir que o EEG só terá condições de registrar traçados momentaneamente anormais, fato que limita ainda mais seu valor como elemento para o diagnóstico e prognóstico da epilepsia. Isso não invalida, entretanto, seu valor como elemento de registro nas condições epilépticas. Constitui de fato um recurso semiológico importante para o diagnóstico de tumores cerebrais e nas alterações focais do cérebro, além de ser imprescindível para o estudo em neurofisiologia experimental.

Apenas na chamada epilepsia temporal é que encontramos uma correlação entre o traçado pelo EEG e as manifestações clínicas, mas ainda neste caso o exame clínico e o heredológico impõem-se como atuação correta e suficiente para o diagnóstico.

Devemos mencionar ainda que o EEG registra uma série de variações em condições psíquicas normais como no ato de pensar, na reação sensorial à luz e nas reações emocionais.

Muitas dessas reações emocionais aparecem ligadas às crises epilépticas que poderão acarretar alterações no traçado eletroencefalográfico como uma decorrência natural; não como causa, mas como consequência das variações emocionais.

Para o estudo da epilepsia a análise heredológica aliada à pesquisa sistemática da ocorrência entre os familiares, o estudo dos traços de personalidade, bem como das condições clínicas conexas, constituem o método mais preciso. Aqui incluímos também todo o cortejo sintomático da epilepsia, como as alterações ligadas ao sono, as características do comportamento na fase infantil e na fase adulta; são aspectos integrantes da tomada dos dados quer objetivos quer subjetivos, conforme mostramos no Anexo (dados pessoais e exame heredológico).

Esse estudo possibilitou a constatação de que a epilepsia constitui uma série de condições mórbidas, de maior ocorrência na população média, quando comparadas a outros quadros constitucionais. Trata-se assim de uma condição de alta penetrância genética considerando-se sua elevada difusão.

Por outro lado, corroborando um princípio genético, a manifestação da epilepsia é bastante variável, pois os quadros de alta penetrância costumam apresentar uma pregnância variável. Portanto, embora sendo uma condição mórbida constitucional de maior penetrância na população média tem menor grau de pregnância.

A pregnância corresponde à nitidez e à invariância de um fenômeno genético. A coreia de Huntington, para exemplificar, corresponde ao oposto porque aparece como decorrência de um gene autossômico dominante, de baixa penetrância, o que confere uma ocorrência relativamente pequena na população média, mas em todos os casos os sintomas correspondentes a essa condição mórbida, são bastante uniformes, como uniforme e constante é a evolução do quadro.

Essa particularidade de transmissividade genética na população média pressupõe o concurso de vários genes, configurando a chamada herança poligênica ou multifatorial.

Assim, as particularidades quanto à difusão genética da epilepsia na população média tem sido ressaltadas pelos autores.

Há uma tendência em se considerar como independentemente distintas a transmissibilidade genética na epilepsia e a da disritmia cortical bioelétrica. Isso porque essa última condição aparece com uma difusão maior na população média, presente em pessoas clinicamente normais.

O estudo comparativo da epilepsia com outras condições mórbidas mentais tais como a Esquizofrenia e a Psicose Maníaco-Depressiva, evidencia e elevada penetrância da epilepsia na população média.

Assim, os resultados obtidos por Luxemburger em sua investigação, revelam que a probabilidade de um paciente esquizofrênico ter um irmão também esquizofrênico é da ordem de 10%; a de um irmão de paciente com Psicose Maníaco-Depressiva contrair esta moléstia é de 16 a 35%, e finalmente, a probabilidade de ocorrência de epilepsia em um irmão de epiléptico, atinge a 20%

Na realidade, a difusão da epilepsia é bem maior porque esses estudos genéticos, levam em consideração apenas a presença das condições classicamente descritas e, via de regra, confundem a convulsão com a epilepsia.

A presença de causas externas, supostamente ligadas a epilepsia, como a anoxia fetal e os agentes intoxicantes impede a inclusão de tais casos na chamada “epilepsia essencial” o que representa uma causa de erro no tratamento estatístico.

Na realidade, se considerarmos nesse estudo não apenas as manifestações clássicas da epilepsia e atentarmos com mais cuidado ao estudo das causas externas determinantes de convulsões e não de epilepsia, verificaremos que sua difusão é bem mais extensa na população média do que se supõe. Esse aspecto foi demonstrado empiricamente por nós e com um tratamento estatístico realizado por Lucia Coelho em famílias de epilépticos.

A difusão da epilepsia na população média, sob esse critério patogênico, que orienta a inclusão de manifestações esbatidas da epilepsia e das condições clínicas conexas ainda não pode ser realizada.

Outro elemento importante a ser considerado, nessas condições de herança multifatorial, é a grande variabilidade de quadros, é o cuidado para se considerar como atuante os dinamismos genéticos, mesmo naqueles quadros em que o fator interno se acha presente e atuante. Assim, nas chamadas convulsões sintomáticas e não “epilepsia sintomática”, o estudo heredológico para a epilepsia pode mostrar grande incidência na carga genética, não invalidando essa participação genética nesses quadros ocasionais. Vai orientar, por exemplo, os casos de tumores cerebrais em áreas convulsígenas e que não apresentam nenhuma manifestação convulsiva. Nesses casos, a análise heredológica pode mostrar uma maior incidência para a epilepsia.

Outro aspecto a ser considerado no estudo patogenético da epilepsia se refere à correlação das condições para com a personalidade. (vide Quadro I, abaixo)

As alterações ao nível do dinamismo cerebral envolvem necessariamente o plano subjetivo e o plano neurológico, como correlato das manifestações ligadas à epilepsia. Essas manifestações podem aparecer como alterações paroxísticas recorrentes e episódicas ou podem se apresentar como características permanentes ligadas aos traços de personalidade. Não se trata de personalidade epiléptica nem de alterações descritas por alguns autores como características do caráter epiléptico. As alterações e as condições ligadas à dinâmica da epilepsia apenas abrangem traços e não a personalidade como um todo e muito menos ocorre alteração estrutural da personalidade.

O conceito de personalidade epiléptica decorre das características evidenciadas através da ocorrência de determinados traços de personalidade em epilépticos. Entretanto, tal denominação é abusiva e não corresponde a uma concepção teórica precisa.

Os traços de personalidade decorrem, na verdade, da participação das esferas da personalidade e que foram por nós sistematizadas juntamente com as manifestações nucleares e colaterais da epilepsia.

O estudo sistematizado aqui engloba as manifestações psíquicas e as motoras incluindo os quadros classicamente descritos da epilepsia que os autores denominam de mal maior e mal menor. Considera a estrutura de personalidade variável de um indivíduo para outro e presentes entre os familiares como comportamento permanente ou eventualmente episódico (vide Quadro II, abaixo).

A patogênese predominante nas diferentes manifestações da epilepsia é conativa sendo que a participação intelectual aparece, via de regra, como condição secundária.

Assim, a minuciosidade, a prolixidade e a tendência à fabulação não correspondem a alterações intrínsecas do trabalho intelectual, mas a participação da atividade no sentido de estimulação excessiva do trabalho mental.

O mesmo pode se dizer das manifestações marginais, ou seja, das variantes intelectuais, como a crise de ausência, a epilepsia temporal e a perda temporária do pensamento, sem perda da consciência.

A expressão clínica da epilepsia temporal é a mais rica de elementos subjetivos, incluindo não apenas a liberação motora, mas estados oníricos e produção intelectual acompanhada de vivências afetivas de teor agradável ou desagradável.

Outro aspecto a ser comentado é que as reações afetivas, tanto as viscerais como as que implicam reações mais socializadas (como o riso e o choro) podem aparecer como aura, precedendo as crises convulsivas.

O quadro não inclui uma série de manifestações como irritabilidade, a hiperatividade, a perda de fôlego, a crise de birra, características da fase infantil, e que aparecem como manifestações atenuadas ligadas ao ciclo da epilepsia.

Também alterações do sono ligadas à fase infantil como sono agitado, o terror noturno, a enurese noturna e aquelas também encontradiças na fase adulta como o sonambulismo, a cataplexia do despertar, que traduzem igualmente a participação de estímulos conativos no trabalho mental e a direção da ação explícita durante o sono. Esses fenômenos são mais frequentes e nítidos na fase hipnagógica ou hipnopômpica indicando a predominância do dinamismo conativo que caracteriza essas fases.

Devemos considerar ainda as condições clínicas conexas ligadas à epilepsia: a enxaqueca, as malformações somáticas, em diferentes níveis; o aborto espontâneo, o parto gemelar e as reações alérgicas (ver o Anexo sobre normas para a realização de anamnese heredológica).

Os autores em geral incluem a chamada psicose epiléptica nas manifestações clínicas da epilepsia. O quadro clínico arrolado nessa condição é bastante polimorfo, sendo descritos também como epilepsia psicomotora.

Assim, estados crepusculares, estados confusionais, agitações psicomotoras, certas excitações psíquicas quando associadas à epilepsia recebem o diagnóstico de psicose epiléptica.

Criticamos tal concepção e não aceitamos a psicose epiléptica como um quadro isolado. Na realidade, esses quadros, quando de curta duração, apresentam-se sob a forma de equivalentes epilépticos (às vezes precedem ou sucedem as crises convulsivas) não constituindo um episódio psicótico.

Quando a duração do quadro for maior, trata-se geralmente de psicose de evolução benigna sistematizado por Kleist, como estando geneticamente associado à epilepsia, embora surja de modo autóctone independente da epilepsia (Psicoses Epileptoides de Kleist).

Nessas estão incluídas as duas formas epileptoides ligadas ao ciclo genético da epilepsia; constituem o estado crepuscular e o estado confusional que aparece de modo episódico, sendo que este último uma forma fásica com dois polos, uma estuporosa e outra agitada.

Outra condição também autóctone que geralmente costuma ser diagnosticada como psicose epiléptica, quando associada à epilepsia tipo mal maior, é a psicose da motilidade hipercinético-acinética, também uma forma fásica bipolar.

O fato é que a epilepsia não leva a uma psicose, pois ou a condição de ruptura com a realidade aparece como equivalente, e nesse caso se trataria de uma manifestação epiléptica, ou ela corresponde a uma expressão das psicoses diatéticas de Kleist.

Alguns autores arrolam como condição clínica da epilepsia a chamada demência epiléptica. Esse erro decorre da confusão que se faz entre convulsão e epilepsia. Muitas condições genéticas desmielinizantes, progressivas, ao lado de inúmeras condições externas como o traumatismo craniano, as alterações vasculares cerebrais, a auto e hetero-intoxicação, os processos expansivos cerebrais, apresentam como sintoma a convulsão.

O estado demencial é consequente da manifestação mórbida como um todo e não da convulsão em si. Acreditam os autores que o estado demencial seria uma decorrência das constantes crises convulsivas que trariam, como sequelas, a anoxia e o sofrimento cerebral.

Este raciocínio se apoia em bases falsas, pois nesse caso deveria ocorrer um número bem maior de dementes.

A epilepsia caracteriza-se por manifestações paroxísticas recorrentes e de evolução benigna. É importante o diagnóstico diferencial para com outros quadros não convulsivos, ligados a outras condições mórbidas, porque a conduta a ser adotada deverá ser inteiramente distinta.

Landolt estudando as chamadas psicoses epilépticas aventa a hipótese de que o surto psicótico seria consequente ao fenômeno por ele denominado de normalização forçada do EEG. Assim, espontaneamente, o paciente apresentaria suas crises convulsivas, ou melhor, suas disritmias e a ação medicamentosa não apenas anularia as crises como “forçaria” a normalização do EEG. Suas conclusões foram baseadas na verificação de epilépticos com EEG “normalizados” pelo medicamento anticonvulsivante e que, em consequência, apresentariam um surto psicótico.

Aqui devemos ressaltar a limitação do exame EEG e a interpretação ilusória de que a presença e a ulterior ausência de anomalias no ritmo cerebral poderiam ser utilizadas como diagnóstico e como prognóstico das epilepsias. A hipótese de Landolt, como aquela da ocorrência de psicose epiléptica, não corresponde à realidade clínica.

Se assim fosse, deveríamos encontrar um número elevado de psicóticos em grandes centros onde o epiléptico é sistematicamente submetido a tratamento anticonvulsivante.

Outro erro comum encontrado na literatura sobre a epilepsia e aquele concernente à ideia de que esses pacientes apresentariam um déficit intelectual. Investigações por nós realizadas e por Lucia Coelho e por outros autores invalidaram esta concepção3.

Verificou-se que os epilépticos, que apresentam um baixo nível nos testes de Q.I. ou revelaram dificuldades de aprendizado, tinham, na verdade, dificuldade em concentrar sua atenção ou eram hiperemotivos.

Nesse caso, o responsável pelo aparente rebaixamento do nível intelectual, é o aspecto conativo ou o emotivo.

Em anexo, apresentamos um modelo para pesquisa heredológica, por nós denominado exame heredológico. 

ANEXO – EXAME HEREDOLÓGICO

Súmula dos dados familiares

Condições Clínicas Mentais

Psicose: evolução por surtos, por fases; progressiva, crônica, benigna

Deficiência mental: grau

Neurose: tipo; evolução.

Personalidade psicopática: tipo

Impulsos mórbidos periódicos: dipsomania, poriomania, cleptomania, piromania, hiperfagia, outras formas (citar)

Constelação epiléptica: “ausências”: frequência, apenas na infância; febris; sem desencadeante evidente; episódicas; atuais; diurnas; noturnas; difusas; tipo; reação ao tratamento.

Equivalentes comiciais vários: cataplexia, estado crepuscular: pré-convulsivo, pós-convulsivo, independente; estado confusional; estado segundo; sensação de repetição “dejà vu”; sensação de estranheza “jamais vu”; catalepsia; enxaqueca, com ou sem escotomas (tipo cintilante, por exemplo); com ou sem hemianopsia (tipo, especificar); com ou sem náuseas e vômitos; formas atípicas (descrever).

Condições ligadas ao sono: terror noturno; sonambulismo; enurese noturna: frequência, idade; sono agitado; cataplexia do despertar; pesadelos; sonilóquios; sobressaltos, outros elementos.

Condições de parto: aborto: espontâneo, provocado; gêmeos, monozigóticos, zigoticidade ignorada; trigêmeos; eclâmpsia; parto de natimorto: operatório, prematuro, morte durante o parto.

Condições de nascimento: normal, gemelar, operatório, prematuro.

Condições clínicas conexas: alcoolismo grave; alterações quando alcoolizado; condições somáticas; disgenesias do sistema nervoso; disgenesias somáticas; desordens neurológicas; desordens metabólicas; longevidade, além dos 98 anos; asma brônquica; frequência, idade.

Comportamento e traços de personalidade: (pesquisar a frequência, intensidade e condições em que se manifestam – se for o caso):

Crises de birra; perda de fôlego; rebeldia; hiperatividade; timidez; rendimento escolar (retardo escolar); repentes de agressividade; agressividade; impulsividade; hiperemotividade; desajustamento; imaturidade afetiva; mudanças de humor; ligações ilegítimas; reações de pânico; minuciosidade; homicídio; suicídio.

  1. Texto organizado pelo Dr. Roberto Fasano Neto, em 2003, a partir de aula de Aníbal Silveira, sendo revista, em 31/10/23, por integrantes da Comissão de Revisão do CEPAS: Flávio Vivacqua, Francisco Drumond de Moura, Paulo Palladini e Roberto Fasano Neto. As referências adicionais em azul serão vinculadas a um texto relacionado com um determinado autor ou um determinado assunto ↩︎
  2. Trabalhos recentes sugerem aqui a participação do sistema glio-astrocital, além do cerebelo. Vide linhas de pesquisas propostas pelo CEPAS encontradas no site. ↩︎
  3. Silveira, Aníbal: Aplicação da genética humana à Higiene Mental: revisão de 300 matrículas do Centro de Saúde de Santana. Arquivos de Neuropsiquiatria, n.º 14, págs. 117-135. São Paulo: 1956.
    Coelho, Lucia: Epilepsia e Personalidade (Psicodiagnóstico de Rorschach, entrevistas e anamnese heredológica em 102 examinandos). 2.ª ed. rev. e aum. (1.ª ed. em 1975). São Paulo, Editora Ática, 1980 ↩︎