ANIBAL SILVEIRA: A TRIBUTE 10 YEARS AFTER HIS DEATH

ANIBAL SILVEIRA: A TRIBUTE 10 YEARS AFTER HIS DEATH

Paulo Cezar Naglio Palladini
19º Congressoo Brasileiro de Neurologia, Psiquiatria e Higiene Mental, setembo de 1989, Escola Paulista de Medicina de São Paulo

SUMMARY

Ten years after the death of Anibal Silveira, a psychiatrist and professor in Sao Paulo, the Author renders him a tribute, focusing on aspects of his life and his scientific production. The first part of the article is a short scientific biography. In the second part is presented a summary-index of the main scope of Silveira's work and basic bibliography.
A primeira parte de exposição traz uma pequena biografia científica. Na segunda é apresentado um índice-resumo dos principais campos abrangidos pela obra de Silveira e indicação bibliográfica básica.

1 PARTE

16 de agosto de 1979. Há dez anos morria em São Paulo o Professor Anibal Silveira, psiquiatra paulista criador de importante escola. Foi professor de psiquiatria nas faculdades de medicina de Botucatú, Campinas e Jundiaí, mas sua vida esteve umbilicalmente ligada ao Hospital de Juqueri em Franco da Rocha, onde pesquisou e ensinou. Conheci-o naquele ano, meses antes de sua morte; sua estatura, sua pessoa deixaram em mim uma impressão profunda. Tinha 77 anos.
Posso vê-lo em seu escritório no Pavilhão Escola, a porta entreaberta, inclinado sobre o projeto de pós-graduação que preparava. Ou em plena greve dos médicos-residentes, recém-chegado da Europa, recebendo-nos em sua casa em São Paulo: após o chá levou-nos a apreciar as camélias do seu jardim. Recordo-me ainda do enorme esforço que nos era exigido para ouvi-lo dada a peculiaridade do seu falar, tão bem caracterizado por H Grunspum em seu livro Trem para o hospício, onde dedica-lhe um capítulo inteiro (5). Vivia cercado, literalmente cercado pelos discípulos, cerco e proteção que sua aparente fragilidade inspirava. Era difícil a aproximação dos novatos naquelas frias manhãs de sábado em Franco da Rocha, o dia das reuniões clínicas.
Silveira trabalhou muito e, durante 50 anos contribuiu ativamente para o desenvolvimento do conhecimento psiquiátrico: da tese inaugural em 1930 (7) às últimas apresentações do seu pensamento no International Meeting on a Multidisciplinary Approach to Brain Development (42) em Brindisi (Itália), meses antes de morrer.
Construiu vasta obra e artigos como As Funções do Lobo Frontal (12), Esquizofrenia e Psicoses Degenerativas de Kleist (34), Cerebral System in the Pathogenesis of endogenous Psychoses (35), Psicologia Fisiológica (39), apenas indicam a amplitude do seu saber.
Foi membro de várias associações científicas internacionais; publicou no Brasil e no exterior (23).
Apreciações de sua produção científica fizeram muitos pesquisadores em vários países: O Vogt, C Schneider e R Gaupp na Alemanha; EE Kraft na Argentina; EA Spiegel, JF Fulton e Dusser de Barenne nos Estado Unidos; H Meige na França; F Reitmann na Inglaterra; VM Buscaino na Itália; Barahona Fernandes e Egas Moniz em Portugal; F Morel e M Muller na Suíça.
Com L von Meduna, o introdutor do método de choque pelo cardiazol no tratamento de esquizofrênicos, teve especial proximidade. O próprio Meduna referiu-se a Silveira como o pesquisador que melhor compreendeu o método e melhor aplicou-o, sistematizando suas indicações de modo original (23).
Da obra de K Kleist tinha profundo conhecimento. Assimilou os critérios desse autor às suas próprias convicções; estudou a esquizofrenia e identificou suas formas evolutivas, isolando-as das formas de psicoses que a elas se assemelham, mas têm curso e prognósticos diversos: as psicoses dietéticas. Resumiu admiravelmente o pensamento de Kleist em dois memoráveis artigos comemorativos de seus 80 anos ( 33, 34).
Anibal era paulista, nascido em São Roque, 17 de março de 1902. Positivista, adepto da doutrina de Auguste Comte, extraiu dos escritos do filósofo todo o embasamento filosófico de sua obra (2, 3, 18, 35, 39). Nas palavras de Barahona Fernandes em Filosofia e Psiquiatria (4), ele foi dos “últimos representantes ortodoxos” do positivismo de Comte. Lucia Coelho, uma de suas discípulas, dedicou-lhe o livro Fundamentos Epistemológicos de uma Psicologia Positiva (3), tese apresentada à Universidade Aix-Marseille I para a obtenção do título de Mâitre en Philosophie des Sciences. Em outro livro, Epilepsia e Personalidade (2), ela faz importante síntese da teoria da personalidade desenvolvida por Silveira. Autores com Salles Barros (1), Dora Martinic (1), Noêmio Weniger e outros também trabalharam dentro do seu marco teórico (43).

2 PARTE

Um esboço de sistematização de sua obra deveria incluir, segundo minha apreciação, os seguintes campos, porque os abrange:
1) Fundamentos Filosóficos( 2,3,18,35,39).
2) Fundamentos biológicos (12, 16, 28, 29, 30, 33, 39, 42).
3) Teoria da personalidade (18, 27, 35, 39).
4) Patologia cerebral ( 11, 19, 33).
5) Psicopatologia, Critério Patogenético ( 13,14, 18, 30, 31, 33, 35, 41).
6) Semiologia. Prova de Rorschach ( 15,22, 25, 26, 27, 32, 36, 37, 38, 40)
7) Clínica dos Distúrbios Mentais. Classificação (29,34, 41).
8) Terapêutica Psiquiátrica ( 17, 20, 21, 24).
9) Organização de Serviços ( 7, 8, 9, 10).

Para Silveira, a teoria da personalidade é o eixo em torno do qual se articula todo o saber e toda a prática em saúde mental. Sua teoria é sistêmica.

A personalidade consiste num conjunto de funções psíquicas agrupadas em três esferas, que mantêm entre si relações específicas e hierarquizadas. As ligações de duas ou mais funções simples formam sistemas. No plano cerebral estas esferas e sistemas psíquicos correspondem a regiões e sistemas cerebrais, estes constituídos por dois ou mais órgãos interligados. A cada função, sistema e esfera psíquica correspondem, respectivamente, um órgão, um sistema e uma região cerebral determinada. As funções mais básicas são as mais enérgicas e independentes, o que proporciona uma hierarquia entre as esferas e os sistemas. As funções mais diferenciadas são menos enérgicas, mais dependentes e regem as mais básicas. Todo o conjunto funciona harmônica e continuamente, sendo responsável pela adaptação do organismo ao ambiente físico e social (2,39). Segundo Silveira os órgãos correlatos às funções são duplos e distribuídos em ambos os hemisférios cerebrais, o que permite tanto a alternância funcional como a suplência em caso de lesão. São três as esferas que compõem a personalidade: Afetividade, Conação e Inteligência. A primeira, mais básica, abrange dois grupos de funções: individualidade e sociabilidade. A esfera conativa responde pelo estímulo, inibição e manutenção da ação e do trabalho intelectual. A esfera intelectual é a mais dependente e menos enérgica em relação às duas anteriores. Ela preside a captação dos estímulos ( a partir dos órgãos sensoriais), sua elaboração e comunicação através da linguagem. Além disso, regula a esfera conativa, orientando a ação no ambiente externo, e estabelece conexão com a esfera afetiva, da qual recebe estímulo. É a circularidade estímulo afetivo-repercussão intelectual, o que configura o processo emocional (39).

As relações entre as esferas são dinâmicas, específicas e hierarquizadas. Ao influxo afetivo sobre a esfera conativa Silveira denomina motivação, e sobre a inteligência interesse. Ao influxo conativo incidindo na esfera intelectual atenção, e ao influxo intelectual sobre a conação orientação (2,3). Consciência é, para ele, o resultado do funcionamento conjunto afetivo-intelectual, e espontaneidade do conjunto afetivo-conativo (27).

Os sintomas psíquicos são expressão de alterações dos sistemas psíquicos, os quadros clínicos são das esferas psíquicas. No plano cerebral correspondem aos sistemas e regiões cerebrais. Esse é o critério patogenético: os sintomas e quadros clínicos estão filiados a sistemas e esferas, que lhe são correspondentes. Com esse critério Silveira estudou a psicopatologia e a patologia cerebral (1, 6, 35). Aprofundou o entendimento dos casos de lesão cerebral, trabalhando com os conceitos de suplência e repercussão. Distinguiu, na síndrome do lobo frontal, quais os sintomas locais e quais os sintomas de repercussão de lesões de outras regiões encefálicas ( parieto-temporais e parieto-occipitais) (11). Em 1937 publicou um artigo (19) onde apresenta um caso de deficiência mental, que a anatomia patológica mostrou grave atrofia cerebelar com integridade dos lobos frontais. Interpretou o fato como suplência por parte da região frontal das funções cerebelares deficitárias.

Os fenômenos psíquicos, afirmava, têm expressão própria e não podem ser reduzidos aos fenômenos cerebrais, mas deles dependem. A personalidade emerge da interação de fatores biológicos (cerebrais) com fatores do ambiente (sociais). Para ele não há dicotomia cérebro-mente, os sistemas comportam vários níveis de expressão (39).

No campo da semiologia fez importantes contribuições à prova de Rorschach e difundiu o método. Foi o fundador da Sociedade Rorschach de São Paulo (25, 32, 36, 37, 38, 40).

Anibal, 10 anos são passados desde a sua morte, No verso de Maiakovsk” você partiu, como se diz, para o outro mundo”. Houve a diáspora. Hoje, Professor Anibal Silveira, você é MEMÓRIA.

BIBLIOGRAFIA

  1. Barros JS: Automatismo Mental de Clèrambault. Patogênese e Clínica. Tese de doutoramento, Faculdade de Medicina de Jundiaí, 1976.
  2. Coelho LMS: Epilepsia e Personalidade. Sao Paulo, Editora Ática, 1980.
  3. Coelho LMS: Fundamentos Epistemológicos de uma Psicologia Positiva. Sao Paulo, Editora Ática, 1982.
  4. Fernandes B: Filosofia e Psiquiatria. Coimbra, Biblioteca Filosófica, 1966.
  5. Grunspun H: Trem para o Hospício. Sao Paulo, Livraria Cultura Editora, 1980.
  6. Martinic Morales DL: Esquizofrenia pelo ângulo da patogênese. Tese de doutoramento, Faculdade de Medicina de Jundiaí, 1976.
  7. Silveira A: Da Clínica Psiquiátrica e do Ambulatório de Higiene Mental. Tese inaugural, Faculdade de Medicina de São Paulo, 1930.

8) Silveira A: Do Ambulatório de Higiene Mental. Boletim de Higiene Mental 23: 2-5, 1930.

9) Silveira A: Assistência Geral aos Psicopatas. Boletim de Higiene Mental 25: 1, 1931.

  1. Silveira A: Reeducação de Doentes Mentais. Boletim de Higiene Mental 25:2, 1931.
  2. Silveira A: Síndrome do Lobo Frontal. São Paulo Médico 7(I): 167-193, 1934.
  3. Silveira A: As Funções do Lobo Frontal. Rev de Neurol. e Psiquiatria de São Paulo 1: 196-228, 1935.
  4. Silveira A: Síndrome de Automatismo Mental de Clèrambault. Rev de Neurol. e Psiquiatria de São Paulo 1: 374-382, 1935.
  5. Silveira A: Síndrome de Automatismo Mental de Clèrambault. Observações Clínicas e Comentários. Rev de Neurol. e Psiquiatria de São Paulo 2: 1-31, 1936.
  6. Silveira A: Valor Semiológico do Automatismo Mental de Clérambault. São Paulo Médico 9(II): 67-80, 1936.
  7. Silveira A: Campos Arquitetônicos do Lobo Frontal e Funções da Inteligência. Rev de Neurol. e Psiquiatria de São Paulo 3: 131-161, 1937.
  8. Silveira A: Contribuição para o Tratamento Convulsivante nos Esquizofrênicos. Arq Assist a Psicopatas de São Paulo 2: 391-450, 1937.
  9. Silveira A: Das leis estáticas e Dinâmicas da Inteligência. Aplicação à Patologia Mental. Arq Assist a Psicopatas de São Paulo 2: 571-582, 1937.
  10. Silveira A: Lesões Casuais e Lesões Sistemáticas do Cérebro nas Doenças Mentais. Arq Assist a Psicopatas de São Paulo 2: 191-217, 1937.
  11. Silveira A: Diretrizes para a escolha entre o Coma Insulínico e o Choque Convulsivante no Tratamento dos esquizofrênicos. Arq Assist a Psicopatas de São Paulo 3: 53-65, 1938.
  12. Silveira A: Tratamentos Modernos nos Esquizofrênicos em comparação com os Métodos de Rotina, Neurobiologia 1: 327-342, 1938.
  13. Silveira A: Alterações não Metaluéticas do Líquido Cefalorraquidiano em Doentes Mentais. Brasil Médico 53 (15,16,17), 1939
  14. Silveira A: Memorial. São Paulo, 1941.
  15. Silveira A: O Método de Meduna em esquizofrênicos Crônicos. Arq Assist a Psicopatas de São Paulo, 1941. Separata.
  16. Silveira A: Contribuição para os Símbolos e o Protocolo no Método de Rorschach. Rev de Neurol e Psiquiatria de São Paulo 10: 158, 1943.
  17. Silveira A: Contribuição para a Semiologia Psiquiátrica- a Pneumoencefalografia. Arq Assist a Psicopatas de São Paulo 12:1-101, 1947.
  18. Silveira A: Acepção de Semiologia no Domínio das Doenças Mentais. Arq Assist a Psicopatas de São Paulo 15: 5-21, 1950.
  19. Silveira A: Genetics of Psychoses. Eugenical News 26: 27-29, 1951.
  20. Silveira A: A Human Genetics as an Approach to the Classification of Mental Diseases. Arq Neurol Psiquiatr 10: 41-46, 1952.
  21. Silveira A: Aplicação da Genética Humana à Higiene Mental. Arq Neuro Psiquiatr 14: 117-135, 1956.
  22. Silveira A: Problems Common to Children and Parents as detected in a Health Clinic. Acta Psychotherapeutic Psychosomatique et Orthopaedagógica. Basel 4(2): 119-125, 1956.
  23. Silveira A: Conative Index: an Empirical Evaluation of Affective-Emotional Level of Overt Behavior. IV Rorschach International Congress. Bruxelas, 1958.
  24. Silveira A: Caracterização da Patologia Cerebral, da Psicopatologia e da Heredologia Psiquiátrica na Doutrina de Kleist, Arq Neuro-Psiquiatr 17:100-142, 1959.
  25. Silveira A: Esquizofrenia e Psicoses Degenerativas de Kleist. Arq Neuro-Psiquiatr 17: 143-162, 1959.
  26. Silveira A: Cerebral Systems in the Pathogenesis of Endogenous Psychoses. Arq Neuro-Psiquiatr 20: 263-278, 1962.
  27. Silveira A: Método de Rorschach- Terminologia e Critérios. Arq Assist Psicopatas de São Paulo 27: 5-57, 1963.
  28. Silveira A: Método de Rorschach. Elaboração do Psicograma. São Paulo, Edanele, 1964.
  29. Silveira A: Un index pour la relation Intellectuelle avec le Monde Exterieur. VI Congrès International Rorschach. Paris, 1966.
  30. Silveira A: Psicologia Fisiológica. Maternidade e Infância 15 (1), 1966.
  31. Silveira A: Impulsiveness and Ways of Mastering it. Rorschach data with 100 adults. Rorschach International Congress, London, 1968.
  32. Silveira A: Conceituação de esquizofrenia. Psiq Atual, 48-51, 1970.
  33. Silveira A: Dynamics of Mental Developments as attended by Brain Structures Maturation. International Meeting on a Multidisciplinary Approach to Brain Development, Brindisi, 1979.
  34. Weniger N Brandi AJ: Alterações das células de Purkinje em Camundongos de Linhagem cancerosa. Rev Paul de Medicina 64: 65-66, 1964.