ATIVIDADE – FUNÇÕES CONATIVAS

ATIVIDADE – FUNÇÕES CONATIVAS¹

Um dos setores que mais polêmica tem despertado nos diferentes autores é o que se refere ao da conação. Em geral, quando se fala em conação, se usa a terminologia de MacDougall, o qual tratou de exprimir com esse termo a atividade que o indivíduo exerce no mundo exterior, vista pelo lado subjetivo e não pelo resultado objetivo.

Conação (do latim, connatus) quer dizer aquilo que é efetuado ou realizado a partir de uma finalidade do indivíduo e que produz uma ação. Algo realizado com intenção, chamando, portanto, conação a esse aspecto da personalidade que o origina e correspondendo à parte subjetiva do indivíduo que o leva a realizá-lo.

Na concepção de McDougall, tudo decorre de uma intenção, discordando assim de outros autores que seguem a escola de Watson, o qual só levava em conta o comportamento, como se o indivíduo fosse um autômato. Depois, Skinner apresentou uma interpretação que é intermediária entre a anterior, um meio termo entre os dois aspectos. Diz: “é preciso que o indivíduo realize uma coisa para que o ato se processe, mas só podemos estudar o indivíduo pelos atos e não pela intenção, que é subjetiva e difícil de compreender”. Uma maneira consiste em harmonizar a teoria comportamental com esta que é a da intencionalidade de McDougall, chamada por esse motivo de Hórmica (que leva o indivíduo a fazer uma coisa). 

Na sistemática de McDougall, todos os elementos que compõem a ação, decorrem da intencionalidade de fazer uma coisa. Os instintos são os que levam a essa intenção de execução e a conação é que permite transformar a intenção em atos.

É fundamental frisar que conação subentende o aspecto subjetivo da personalidade: a ação e o trabalho intelectual constituem, portanto, o resultado do funcionamento do conjunto de funções subjetivas conativas.

Em síntese, a inteligência e a afetividade (aspectos subjetivos), em diferentes instâncias, decorrem todas elas de funções subjetivas que se distinguem do comportamento exterior e cujos entrosamentos são indispensáveis para que se realize o trabalho mental ou então a ação. A afetividade se traduz somente indiretamente nas diversas ações.

Portanto, temos que entre a afetividade e a atividade existem correlações muito íntimas, traduzindo-se a segunda, só quando há um impulso da primeira (todo ato, portanto, segundo MacDougall, traduz intenção). 

MacDougall não distinguiu essa porção subjetiva da atividade da outra que é a afetividade, o que permitiria diferenciar claramente instinto e conação. Segundo MacDougall, a conação é igual a energia liberada, investida na própria tendência para atuar. Por outro lado, segundo Comte, afetividade é um conjunto de funções autônomas em relação à atividade e essa por sua vez é constituída por um conjunto de funções. 

Segundo Comte há três aspectos que correspondem à atividade, funções bem precisas às quais chamou: uma básica que é a firmeza, ou perseverança, cujo traço mais característico é a manutenção da ação ou do trabalho mental e duas outras que correspondem à atividade propriamente. Temos o estímulo que desencadeia a ação ou que permite o trabalho mental que é a coragem e o que a inibe ou retém que é a prudência. 

As três funções, firmeza, coragem e prudência, constituem a atividade que também Comte denominava de caráter. Assim, caráter é uma manifestação que envolve a esfera afetiva e conativa da personalidade. Portanto, traços de caráter correspondem a traços de manifestações conativas e afetivas. Caracterizam no indivíduo os atos que realiza e que traduzem sua maneira de reagir seja egoística ou altruisticamente e como isso condiciona a forma de agir. Essa correlação íntima traduz a parte básica do comportamento, que para MacDougall é interpretado como conação.

Nas ações temos que considerar o aspecto subjetivo da personalidade intrínseca que corresponde às funções psíquicas, ou seja, a estrutura da personalidade. Do ponto de vista de Comte entendemos a estrutura da personalidade (afetividade, atividade e inteligência) constituída por uma série de funções individuais, configurando sistemas psíquicos que atuam em conjunto, formando um todo harmônico.

Devemos distinguir duas modalidades de funções, as subjetivas e as de ligação, objetivas. As funções intrínsecas, subjetivas (os vários instintos, sentimentos, coragem etc.) e as funções de ligação objetivas que medeiam entre o aspecto subjetivo das funções e a exteriorização delas (exemplo: a motilidade, a sensibilidade).

Essas funções se caracterizam como traços que por sua vez caracterizam o tipo de personalidade (Eysenck definiu personalidade como uma série de traços). Não se deve confundir traços com funções de ligação. Exemplo de traço: volubilidade etc. O conjunto de traços nos dá como resultado um comportamento, logo comportamento não deve ser confundido com traços. Há que se diferenciar também o comportamento subjetivo do comportamento explícito, sendo que este último reflete os traços. 

O comportamento explícito traduz de alguma maneira as relações entre o indivíduo e o mundo exterior; o comportamento subjetivo, não explícito diretamente, pode se traduzir, conforme o caso, pela maneira de reagir intelectualmente. Por exemplo: um indivíduo perseverante reage conforme este traço de um modo irregular. 

O que os autores chamam de caráter, são aspectos que envolvem as esferas, as funções subjetivas entre si, a maneira como se traduzem ao exterior e, por conseguinte, os traços da personalidade e o caráter.

Em síntese, na ação explícita (ato exteriorizado) há uma série de funções que se revelam como um comportamento exteriorizado, portanto identificado por todos. Sempre temos que considerar dois aspectos, um extrínseco que é a execução e o outro intrínseco que é o aspecto da disposição subjetiva.

A execução decorre das funções de ligação, temos então que: o indivíduo recebe um estímulo, o elabora e reage em função da sua estrutura de personalidade. Temos então dois aspectos que resumem nossa atitude que são: a locomoção e a apreensão da realidade (a coordenação dos atos será tanto melhor quanto melhor for a capacidade de apreensão).

Na disposição subjetiva temos dois aspectos a considerar: os móveis ou motivação das ações (o sentido de fatores afetivos que levam à ação) e a atividade, na acepção de Comte (com três funções, perseverança, coragem e prudência) que permitem a manutenção da ação, o estímulo para realizá-los e o refreamento (seleção) para os elementos que não sejam de interesse para formar um juízo. 

No caráter devemos, pois, considerar esses três aspectos, sendo a firmeza fundamental e que sem ela não se exterioriza nem a ação e nem o trabalho mental. A atividade, segundo Comte, representa esses dois níveis, o da coragem que corresponde ao empreendimento e estímulo e o da prudência que corresponde ao refreamento ou inibição.

Esses níveis podem ser relacionados com distintas partes do sistema nervoso central e podem ser acompanhados de dinamismos neurofisiológicos, tal como foram demonstrados através de diversos experimentos em ratos.

Nos atos devemos considerar vários aspectos, um deles está relacionado com a parte de execução, subordinada no plano subjetivo, às funções da atividade. Se tivermos uma configuração individual, de tal forma que predomine outro nível da personalidade, o comportamento pode se tornar antissocial porque predomina esse aspecto de incapacidade de adaptação às normas peculiares ao grupo a que pertence: esse comportamento explícito, portanto, decorre mais dos aspectos afetivos do que da atividade. Se temos um indivíduo que tenha a mesma capacidade subjetiva, e influirmos sobre esse aspecto da atividade, podemos bloquear e tornar impossível essa exteriorização das intenções. Por exemplo, no caso patológico, com bloqueio da atividade (pacientes acinéticos), o sujeito traduz no comportamento a intenção de reagir, estando motivado, têm o interesse de reagir, mas não executa esta capacidade que tem de reagir devido ao seu estado patológico que inibe a partir dessa zona da personalidade e não da zona subjetiva mais profunda (afetividade). O mesmo ocorre experimentalmente em ratos. 

Também se fizeram experimentos em indivíduo, estimulando uma zona motora (por exemplo, do braço), obtendo-se resposta sem que interviesse a vontade, através de mecanismo neurofisiológico. O que demonstra que é uma resposta de um processo fisiológico de inibição ou estimulação que não corresponde a um motivo real, esse mesmo resultado podemos obter através da hipnose, no qual um indivíduo pode realizar um ato sugerido. 

Há experimento que demonstrou que a estimulação da zona inibitória num macaco revelou uma ativação no núcleo caudado e no tálamo estriado a inibição. Se cortarmos uma ligação entre a 4 e 4s, não produz nenhum efeito, se realizarmos um corte paralelo à corticalidade, que impede a chegada dos estímulos talâmicos à corticalidade, então, desaparece o estímulo, o que demonstra que o estímulo não é córtico-cortical direto, mas córtico-subcórtico-cortical.

Experimentos realizados, em chimpanzé, demonstram como o estímulo parte do cerebelo, chega à zona hipotalâmica e daí se difunde para a zona orbitária, apanha o cíngulo e passa para a corticalidade (toda esta zona se projeta na zona paracentral). 

Também fizeram experimentos no gato, estimulando a zona sílvica auditiva, com estricnina, obtendo igual resultado, registrado em EEG. Tudo isto demonstrou que pelo menos as vias neurofisiológicas são as mesmas que traduzem a reação psíquica. Quando se fala em núcleos talâmicos que regem a nutrição, não são autônomos, mas constituem um grupo ligado a via paleocerebelar que vai à zona paleocortical, portanto, à zona orbitária do cérebro e daí se difundem à corticalidade. Isto o verificamos por exemplo num estado de coma ou perda de consciência. Essas zonas correspondem a núcleos com funções específicas diversas. 

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ADENDO

FUNÇÕES DA ATIVIDADE; CARÁTER; DISTÚRBIOS CONATIVOS²

  1. Concepção de funções conativas – Decorre das funções que presidem o comportamento explícito e ao mesmo tempo estabilizam a atenção permitindo o trabalho mental; conjunto de funções que abrange os dinamismos subjetivos que antecedem e possibilitam a transposição de nossas disposições afetivas e das elaborações intelectuais para o ambiente externo; assim, o setor conativo é intermediário entre a afetividade que estimula a ação (motivação) e o trabalho intelectual que a orienta.

Andras Angyal – “O processo conativo não corresponde à transposição de estados psicofisiologicamente neutros (inconscientes) a processos psicológicos elaborados (conscientes), mas tais processos também se caracterizam pela tendência em exteriorizar estes impulsos subjetivos em atividades corporais. Corresponde ao aspecto subjetivo da ação motora e intelectual, e não ao comportamento explícito”; não são os atos nem os gestos que representam a conação, mas a função subjetiva que permite a transposição no mundo externo de nossas tendências, e, ao mesmo tempo, que nos permite captar os dados ambientais, auxiliando a função intelectual da observação (atenção).

O termo “Conação” utilizado por McDougall vem de “conatus”, isto é, “executo”; fator subjetivo que leva a atingir algum propósito; McDougall distingue a exteriorização da ação no meio externo dos motivos que o levam a agir (energia liberada), porém não considera a participação da conação no trabalho mental, como o faz Comte.

  1. Direções das funções conativas – mediação da atividade no dinamismo psíquico é feita segundo as seguintes direções:
  1. Transformação dos impulsos afetivos em atos.
  2. Efetuação do trabalho intelectual.
  3. Derivação da atividade explícita para o plano intelectual: seja na vigília (fantasia, contemplação), seja no sono (sonhos).
  4. Funções conativas – toda atividade deve ser dotada de coragem para realizar-se, de prudência para executar e de firmeza para manter-se; todos nossos movimentos podem ser considerados em termos de excitação, de retenção e de manutenção; a função conativa é cega, tanto serve às finalidades mais elevadas, quanto aos impulsos mais grosseiros da individualidade.
  1. Coragem – estimula toda ação explícita e todo trabalho mental; mais ligada ao sistema vegetativo e depende de fatores extrínsecos, tais como a fase de amadurecimento cerebral e de desenvolvimento interpessoal e das condições do ambiente.
  2. Perseverança – função intermediária entre as duas funções propriamente ativas; sua ação contínua que as demais e atua sobre todos os órgãos cerebrais. Para que uma ação seja suficiente, não basta que um movimento seja produzido, mas é preciso que ele seja mantido. Ela estimula não apenas as funções conativas, mas também ela mantém os móveis afetivos.
  3. Prudência – modera, refreia e mesmo inibe a ação; está mais ligada à construção e à adaptação indutiva ao meio externo.

Todas as funções conativas acham-se associadas à uma contração muscular; quando ela estimula, quando ela retém ou quando ela mantém. Graças a esta contração, o homem produz ou controla seus movimentos (Laffitte); existe ligação entre a sensibilidade da musculação e o processo da memória e participação das funções conativas neste processo.

  1. Harmonia conativa – para que haja continuidade de ação, e a atividade não se transforme em agitação incoerente, é indispensável que as duas funções – coragem e prudência, estimuladora e inibidora, se desenvolvam sob o ascendente da perseverança; e, como toda ação implica em uma motivação, estas funções seriam desordenadas se um sentimento preponderante (geralmente fundamentado no instinto de conservação) não interviesse para estimular a atividade; além disso, intervém o ato da “vontade” – que representa para Comte o último estágio do desejo, isto é, após a reflexão mental que informa sobre a conveniência ou não da exteriorização de um desejo.

Caráter – o concurso das três funções é indispensável a todo comportamento; porém, durante o processo de desenvolvimento das relações interpessoais (social) e de amadurecimento mental (biológico e constitucional) uma destas funções torna-se preponderante sobre as outras, definindo o caráter de cada indivíduo. 

Exemplo: o caráter expansivo, empreendedor, com disposição para agir, e às vezes precipitado e impulsivo em suas reações. Geralmente são indivíduos alegres e sociáveis (reações afetivas) poderão desenvolver um caráter expansivo, fazendo predominar a coragem. 

Exemplo: o caráter retraído, evitam intervir nas relações interpessoais, por excesso de veneração e podem tornar-se tímidos, apáticos ou mesmo tristes; como no exemplo anterior, pode ocorrer a direção inversa. 

A perseverança pode associar-se tanto à coragem, resultando nos traços de personalidade: teimosia, tenacidade, agressividade, paixão, como pode associar-se à prudência: astenia, indecisão, fuga de responsabilidade.

  1. Sistemas psíquicos: correlação entre Afetividade-Conação

Abaixo reproduzimos esquemas representativos de sistemas psíquicos.

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Nota: a prudência poderá também prevalecer em casos de indivíduos onde esta função conativa predomina, em situações que envolvam o instinto de conservação (cautela, paralisação de ação).

  1. Sistemas psíquicos: correlação conação-inteligência
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  1. Exemplos de dificuldades intelectuais decorrentes de problema conativo: instabilidade da atenção ou dificuldades de coordenação motora ou, falta de interesse (afetividade) suficiente para mobilizar as funções conativas.
  2. Nível da elaboração: prudência inibe os fatos inadequados ao raciocínio; coragem desenvolve o trabalho dedutivo; perseverança permite a continuidade do raciocínio.
  3. Nível de observação: concentração da atenção – ligação direta com a motilidade; reação subjetiva: seleção e contração da imagem (atenção dirigida e mantida em relação aos móveis afetivos).

Conação – estimulando o trabalho intelectual que permite a formação da noção sobre a realidade exterior; ação inversa: conação sendo esclarecida pela inteligência, resultando na harmonia conativa; quanto mais complexa for a ação pretendida, ou a ação considerada, maior será a intervenção da inteligência na conação; exemplo: processo da memória.

  1. Exemplos de reação imprevisível, em indivíduos normais, dada a intervenção predominante de uma função conativa.

Ex. 1 – indivíduo estoico em sua vida cotidiana. Coragem e perseverança (caráter) diante de um perigo imediato e imprevisível. Prudência.

Ex. 2 – Indivíduo tímido, hipersensível à dor. Prudência e Perseverança (caráter) diante de uma ameaça eminente. Coragem

¹Aula de Aníbal Silveira proferida em 22 de maio de 1969, compilada pela Dr.ª Dora Martinic Morales e traduzida do espanhol por Roberto Fasano, sem referência a local da aula (provavelmente Campinas). Revisto em 12/04/22 por integrantes da Comissão de Revisão do CEPAS: Flavio Vivacqua, Francisco Drumond de Moura, Paulo Palladini e Roberto Fasano.
²Texto de Lúcia Coelho, baseado em Aníbal Silveira, utilizado no Curso de Especialização em Psicodiagnóstico de Rorschach, da Sociedade Rorschach São Paulo- SRSP.