APRECIAÇÃO CONJUNTA DOS SETORES DA PERSONALIDADE

APRECIAÇÃO CONJUNTA DOS SETORES DA PERSONALIDADE¹

Para Comte, personalidade corresponde a um conjunto de fatores subjetivos precisos do indivíduo. A cada função corresponde um órgão independente, trabalhando todos em harmonia, formando o conjunto do Sistema Nervoso Central e o conjunto do Sistema Psíquico. Cada função não pode ser separada, assim, dos órgãos. Não há um limite entre um órgão e outro, nítido, diferente do que o que ocorre no resto do organismo. Leva-se em conta que não somente as funções são localizáveis em órgãos, mas também que eles constituem um sistema neurofisiologicamente verificado. Estes dois fatores são fundamentais.
Nos distúrbios atribuíveis a um órgão, único, podemos isolar o órgão a partir da função alterada, mas para isto precisamos conhecer essas funções. As críticas à teoria de Comte são de que ela seria estática, porque mencionamos as várias funções que compõem o sistema psíquico de uma maneira estática, mas se temos que fazer uma representação gráfica, o critério tem que ser estático. O mínimo que se pode dar é o critério tridimensional.
O segundo aspecto é que Comte definiu as funções de modo preciso e exato, mas utilizou a mesma terminologia usada na psicologia da época, bem como na linguagem comum. Comte preservou os termos usados e redefiniu-os. Exemplo: a bondade, seria uma função específica de um órgão e não a resultante de um comportamento do indivíduo.
Para Comte, inteligência é o conjunto das funções subjetivas que permitem o contato com o mundo exterior de maneira aferente e eferente. Para outros autores, a inteligência é a capacidade de se adaptar às situações novas, sendo, pois, apenas uma reação do indivíduo.
A afetividade seria o conjunto de funções subjetivas do qual decorre a manutenção do indivíduo e o contato afetivo com o mundo exterior.
As três esferas em conjunto existem ao nascer. São compostas de funções. Estas decorrem do trabalho de órgãos individualizáveis localizados no cérebro que surgem durante o desenvolvimento embrionário fetal. A esfera fundamental é a afetividade. Dela decorre a atividade psíquica. A afetividade estimula diretamente a inteligência ou indiretamente através da atividade. A via direta seria o interesse, o contato com o mundo exterior do ponto de vista afetivo que é o imperativo de qualquer contato com o mundo exterior. A atividade é o que permite a aplicação da inteligência e, portanto, é necessário que o indivíduo ao nascer já tenha as três esferas. A afetividade corresponde a um conjunto de funções, e só se torna consciente quando atinge um certo grau de intensidade determinando uma ação.
A atividade é um aspecto subjetivo e não a ação no mundo exterior, não são os atos nem os gestos que constituem a atividade. Ela é a parte subjetiva que torna possível a transposição das nossas disposições para o mundo exterior ou colhermos o material que vem de fora. Essa distinção é fundamental pois frequentemente os autores se referem aos comportamentos instintivos como se fossem instintos ou a atividade como se fosse exercício muscular.
A afetividade compreende um grupo fundamentalmente ligado aos instintos pessoais (individualidade) e à sociabilidade. Nem todos são instintos. Há atividades reconhecidas por todos os autores como instintos, mas há outros como necessidade de domínio ou de aprovação que não são instintos, mas apenas manifestações subjetivas, intermediárias entre o grupo dos instintos e a sociabilidade.
No plano da conação temos o aspecto geral, firmeza ou manutenção do estado anterior da situação psicológica objetiva, e os dois aspectos que correspondem à atividade, ou num sentido estrito, um processo de estímulo e um processo de inibição.
No grupo dos instintos temos uma parte básica que é a conservação. Outro aspecto complexo que é o aperfeiçoamento e um aspecto de ligação com a sociabilidade que é a ambição.
Na conservação da espécie temos o instinto sexual. Num ser rudimentar a propagação se faz por cissiparidade, portanto não há necessidade de centralização de atividade em certo órgão, em todo o protoplasma se faz a cissiparidade. Só aos seres diferenciados aplica-se o instinto sexual. Nos vegetais já há divisão sexuada. Nas espécies mais diferenciadas o instinto sexual não basta: há necessidade de se proteger a prole que corresponde ao instinto de posse, que Comte chamou materno. O aperfeiçoamento abrange duas maneiras de ser e a cada uma corresponde uma função, com o seu órgão correspondente. Temos o aperfeiçoamento pela destruição e pela construção.
A própria estrutura celular é compreendida como um processo de construção e destruição (para Blainville a vida é um processo contínuo de assimilação e desassimilação), mas a desassimilação é apenas um aspecto instintivo da destruição, e a assimilação é apenas um aspecto de construção.
A ambição abrange dois tipos diversos: a necessidade de domínio, orgulho para Comte, e a necessidade de aprovação que Comte chama de vaidade. Para essa atividade de domínio e de aprovação é necessário o ambiente. Em grande parte, Comte tomou a denominação que Gall usou, mas definiu de modo diverso e com acepções diferentes.
No grupo das manifestações instintivas, há cinco atividades instintivas e duas outras condições que correspondem a necessidade de ligação do indivíduo com o exterior. A sociabilidade se resume em três sentimentos, é uma manifestação subjetiva num plano mais diferenciado, socialmente falando. São mais diferenciadas que os instintos. Estes sentimentos são: apego, veneração e bondade.
Em relação à atividade, temos dois níveis diversos de inibição e de estímulo e ao lado o de firmeza como elemento constante que mantém o trabalho mental. Sem essa cooperação não haveria atividade coordenada. Na fase inicial, o indivíduo tem uma atividade incongruente, pois prevalecem as várias necessidades instintivas e, ao mesmo tempo, apresentam-se umas e outras. À medida que o indivíduo amadurece ele passa do plano da individualidade para o da sociabilidade. A criança através da amamentação percebe um estímulo exterior. Ela associa a imagem da pessoa que a está alimentando com a sua saciedade.
Essa função de imagens e de sensações constitui a base do condicionamento que permite o aprendizado do indivíduo. Ele vai se tornando cada vez mais sociável e vai associando as imagens intelectuais com as que lhe dão um certo prazer. A inteligência só funciona quando os dois aspectos básicos são coordenados e suficientemente livres, para que possam permitir uma atividade de contato com o mundo exterior.
Os aspectos básicos da esfera intelectual são: observação, elaboração e expressão. A observação pode ser concreta ou abstrata; a elaboração pode ser indutiva ou dedutiva e a expressão mímica, verbal e gráfica.
Para que se processe um trabalho intelectual é indispensável que o estímulo afetivo e a conação estejam disponíveis para este trabalho, além disso, é necessário a calma, a sensação de bem-estar e de equilíbrio para poder dirigir a conação. Assim, o indivíduo não produz de acordo com a sua capacidade mental quando está sob ação de emoções fortes. Isso é bem-visto no teste de Rorschach. No indivíduo temos como coisas diferentes o nível intrínseco e a execução, que é aplicação daquele nível no contato com o mundo exterior.
A emoção não é uma função, mas uma resultante, o resultado de uma noção, isto é, o modo de exprimir um trabalho mental, quer seja real ou imaginário, sobre a afetividade. Essa é a base do aprendizado. Sem emoção não há conhecimento, pois esse está ligado ao estímulo afetivo, à espontaneidade do indivíduo, à ligação desse estado subjetivo com o mundo exterior e a apreensão dos dados do mundo exterior para uso subjetivo, daí resulta o conhecimento.
O nosso mundo vegetativo visceral apresenta uma ligação funcional com a atividade instintiva básica, o instinto de nutrição, enquanto a sociabilidade está ligada a um plano mais diferenciado com o mundo exterior.
O elemento de ligação do mundo interno com o mundo exterior se faz através das funções intelectuais. Isso quer dizer que não há uma relação direta da afetividade com o mundo externo. Essa relação só se faz através da sociabilidade que se manifesta pela atividade e pela inteligência.
O mundo interno se comunica diretamente com o visceral através da rede nervosa visceral. A inteligência contactua com o mundo exterior através dos sentidos, mas a seleção que se faz dos estímulos e as impressões sobre nossos órgãos, já são dinamismos psíquicos.
Na atividade o elemento que promove a relação com o mundo exterior é a coragem, ela transforma o estado subjetivo em ação explícita através da regência motora. Comte fez um quadro ao qual chamou de alma humana, isto é, as funções interiores do cérebro, que correspondem a funções psíquicas em relação entre si.
O amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim: amar, pensar e agir. Como fundamental nas disposições afetivas temos sete funções pessoais e três sociais. Comte colocou a seguir o aspecto pelo qual o indivíduo entra em contato com o mundo exterior que é, por um lado, a concepção, isto é, a observação concreta, (sincrética) e abstrata (analítica), a elaboração indutiva e dedutiva (sistematização) e, a seguir, a comunicação como expressão desse conjunto.
Em seguida, o resultado disto – que é a ação no mundo exterior -, depende da coragem que estimula, da prudência que inibe e da perseverança que é fundamental.
O instinto de nutrição não depende de nenhum outro.

 ¹Aula de Aníbal Silveira realizada em 20/03/1970, sem referência a data e local da aula nem de quem a compilou. Revisto em 25/01/22 por integrantes da Comissão de Revisão do CEPAS: Flavio Vivacqua, Francisco Drumond de Moura, Paulo Palladini e Roberto Fasano.