AS FUNÇÕES DO LOBO FRONTAL

AS FUNÇÕES DO LOBO FRONTAL¹

A questão multissecular da dependência do intelecto humano para com o cérebro tem recebido em diferentes épocas soluções díspares e mesmo contraditórias, o que de per si revela que nenhuma concorda inteiramente com os dados objetivos correspondentes. Bem analisados os fatos, na mor parte verídicos, ressalta que para a diversidade das concepções sobre eles arquitetadas não contribuiu apenas o aperfeiçoamento da técnica na pesquisa objetiva. Ele se acentuou de modo rápido e crescente, é certo, de preferência no domínio anatômico; porém mesmo entre os contemporâneos as indagações têm conduzido a resultados muito variáveis, sem embargo da competência técnica e do rigor de verificação com que se armam os respectivos autores. Por outro lado, a comparação dos fatos objetivos coligidos nos vários períodos cronológicos, considerados em si e não segundo a significação teórica a eles emprestada, autoriza-nos a salientar como fator primacial dessa discordância a falta de sólida doutrina prévia. 

¹ Comunicação em resumo com apresentação de doentes, em reunião neuropsiquiátrica do Hospital de Juquery, São Paulo, em novembro de 1933. Publicado posteriormente na Revista de Neurologia e Psiquiatria de São Paulo (I, págs. 196-228, 1935).

Assim, a despeito da grande cópia de publicações que têm focalizado o assunto, ainda há margem e oportunidade para algumas considerações a respeito. 

Sem remontarmos ao conceito hipocrático, em que o genial antecessor de Aristóteles interpreta filosoficamente as diferentes funções intelectuais (70) (107) e as coloca no cérebro, sem nos determos na concepção segundo a qual, já no século II, Galeno expõe as atribuições da alma (33) e lhes dá como sede “todo o corpo do cérebro” (106), diremos que é na era moderna, ou seja, a partir do século XV, que a preocupação de comparar o cérebro humano e dos animais se precisou, com os trabalhos de Haller (1708-1777), de Vicq d’Azyr (1748-1794). Aquele grande anatomista atribuía à necessidade de aumento da superfície cortical a abundância de circunvoluções que notava dos animais inferiores para o homem: e, neste particular precedido por La Peyronie (1678-1747), preconizava ainda com toda clareza o método anátomo-clínico segundo a transcrição de Jules Soury (106): “O único meio de atingir ao conhecimento científico das partes do encéfalo, Haller o indica em termos muito precisos: dissecar grande número de cérebros de alienados cujas observações clínicas se possuam, e comparar com o cérebro do homem e de animais cujas faculdade mentais conhecemos bem” (pag. 460).

Uma e outra dessas modalidades assumidas pelo método chamado anátomo-clínico, que rapidamente entraram em voga no século passado, enveredaram, entretanto, por falsos trilhos, como logo diremos. Assim, a correlação entre a inteligência e o peso do cérebro, ou seu valor em superfície ou ainda o número, a forma e o desenvolvimento relativo das circunvoluções, ou ainda mesmo o volume total, não poderiam conduzir senão a conclusões ilusórias. Referindo-se a uma longa memória lida por Broca; perante a Sociedade de Antropologia de Paris (21-3-1861), Souques afirma: “Na primeira parte ele admite uma relação aproximativa entre a massa do cérebro e a capacidade intelectual: em apoio cita os cérebros de Byron, de Cromwell e de Cuvier, os mais pesados que até então se conheciam” (105) Anthony (6) estabelece paralelismo entre o desenvolvimento em superfície cortical e o peso do cérebro na escala dos mamíferos, mostrando que os valores crescem gradativamente. Já, entretanto o peso relativo desse aparelho fornece dados menos expressivos: “Segundo Leuret, com efeito, o peso do cérebro está para o corpo, no peixe na relação 1:5668; nos répteis esta relação é de 1:1321; nas aves, de 1:212; nos mamíferos, de 1:186. Desta classe, o animal mais favorecido, depois do homem, pode atingir com relação ao cérebro o peso absoluto de 1800g, o que dá o peso proporcional de 1:66. No homem, sendo o peso médio do cérebro 1300g aproximadamente, e o peso médio do corpo 62Kg, o primeiro está para o segundo como 1 para 47. Esta superioridade, relativamente fraca, sobre o cetáceo, seria talvez deprimente para o nosso amor-próprio se estivesse estabelecido que o peso do cérebro dá por si só a medida da inteligência”. São palavras de Adam (2). Não é mais fértil o estudo da complexidade morfológica apresentada pelo conjunto do córtex ou uma qualquer das suas regiões. É verdade que S. Sergi, no trabalho sobre “Superfície metopica de cérebros de indianos e de japoneses” (apud. Bianchi [18]) conclui, baseado em observações desta ordem, que “o lobo frontal dos japoneses é mais evoluído que o dos indianos”. Mas outros autores, que têm analisado a morfologia cortical de homens eminentes, chegaram a conclusões perfeitamente estéreis: Rudinger, segundo testemunho de Mingazzini (71), “fala de um desenvolvimento certamente exagerado do gyro frontal ínfimo esquerdo, porém não lembra maior riqueza em flexuosidade de todos os outros giros frontais. Sobre Bertillon, Assaline, Gambeta, Siebold, há antes referência categórica de que ao passo que só o giro frontal inferior era muito desenvolvido em ambos os lados e especialmente à esquerda, os giros frontais superior e médio nenhuma particularidade apresentavam. Só em referência a Gauss, Morgan e Hermann o desenvolvimento de todos os giros frontais era indubitavelmente maior que nos cérebros ordinários”. 

Mais aproveitável para se inferir da correlação entre as funções intelectuais e o cérebro é o estudo do desenvolvimento quer absoluto quer proporcional, que esse aparelho apresenta em toda a escala zoológica. Tal investigação comparada revela que, à medida que a ordem, a classe ou a espécie, ganha em aperfeiçoamento subjetivo e particularmente em plenitude intelectual, também aumenta a importância anatômica do conjunto cerebral considerado isoladamente ou em confronto com o vulto somático; e semelhante ascensão se traduz também – de uma forma e outra – de preferência nos lobos frontais. 

“A evolução da parte anterior do cérebro situada adiante da região da motricidade voluntária é muito reduzida nos não primatas; o estudo delas é interessante principalmente nos primatas por causa da especialização que eles denotam no sentido da intelectualidade.”

“Nos lémures, inferiores entre todos os primatas no domínio intelectual, o lobo frontal é baixo; ademais, em seção horizontal, apresenta nitidamente a forma de cunha”.

“Nos símios cinomorfos a altura dele já é maior. Torna-se esta considerável nos antropoides e mais ainda no homem”.

“De mais a mais, do macaco para o homem, o lobo frontal aumenta no sentido transversal”. (Anthony [6]).

Esse desenvolvimento do lobo frontal preponderante sobre os demais lobos foi verificado por Mingazzini, o qual chegou a estabelecer que durante a evolução do espécimen se processa o mesmo fenômeno que em relação à espécie. Hamy assinala a esse propósito, que em espécimes jovens de macaco, de Cynocephalo papyo e de chimpanzé encontrou os seguintes valores do lobo frontal, em projeção horizontal comparada ao comprimento horizontal do hemisfério: 45%, 47% e 50% respectivamente; nos espécimes adultos obteve, ainda na mesma ordem de discriminação: 47%, 54% e 60%. Naqueles mesmos exemplares a projeção dos lobos parietais correspondia no indivíduo jovem a 24%, 29% e 28% ao passo que no adulto equivalia a 23%, 25% e 24%, sempre segundo a mesma ordem de enumeração. (Cfr. (72)). E Mingazzini, para refutar as conclusões de Cunningham contrárias às suas supracitadas, refez os cálculos desse investigador com os dados em que se baseavam. Obteve assim com os dois índices apresentados por aquele autor, um terceiro, que representa o desenvolvimento relativo do lobo frontal. É essa média, extraída da tabela Cunningham-Mingazzini (op. Cit., pag. 759), que apresentamos a seguir: 

IndivíduoDesenvolvimento relativo do lobo frontal
Feto humano de 5 ½ – 6 ½ meses47,2
Feto humano de 6 ½ – 7 ½ meses49,9
Homem adulto48,3
Troglodytas47,6
S. Satyrus47,3
Cynocephalus hamadyas46,0
Macacus45,1
Cebus45,0
Baboon44,0
Mangaby43,2
Cercopithecus43,0

Ainda o valor relativo do lobo frontal em superfície, filogeneticamente comparado foi avaliado por Boule e Anthony (23) em 32,2% do córtex no antropoide, em 36,75% no homem de La Chapelle aux Saints, em 41% no australiano e em 45% no alemão do centro.

Com elementos muito mais precisos de verificação, por isso que à luz da citoarquitetonia, Brodmann representou na seguinte seriação a extensão do córtex propriamente frontal (régio frontalis), comparada à superfície dos hemisférios, em mamíferos: “no ouriço cacheiro: 0%, no coelho 2,2%, no morcego 2,3%, no gato 3,4%, no cão 6,9%, no maki 8,3%, no macaco 9,2%, no hylobata 11,3%, no chimpanzé 16,9%, no homem 29%” (41). Segundo o mesmo anatomista ainda, essa região, avaliada agora em números absolutos revela o mesmo aumento progressivo. Em mm2 importa ela “em 152 no gato, em 337 no lêmure maki, em 1839 no hylobata, em 6719 no chimpanzé e em 39287 no homem” (92).

Importantíssimos estudos devidos a Maximilian Rose levam muito além a importância da diferenciação que através da escala zoológica exibe o lobo frontal, considerado não só em superfície relativa e absoluta, porém mesmo pelo aspecto da complexidade citoarquitetônica assim qualitativa como quantitativa. “A região pré-central – afirma este investigador – não difere, quanto à situação e à estrutura, da do homem, porém denota maior extensão relativa, por isso que compreende quase a metade do lobo frontal, ao passo que no homem perfaz aproximadamente 1,10 do córtex respectivo”. (92) (São nossos os grifos). Nos arctopithecos, “toma seguramente 3/5 do córtex frontal”, nos pró-símios (Halbaffen), 2/3 mais ou menos dessa zona, e nos lumurianos 1/3 (M. Rose). Verifica-se assim que não basta comparar a região frontal grosso-modo, nas diferentes espécies. Dentro da própria região a zona chamada motora cresce do homem para os termos biotaxicamente inferiores; e cresce à custa da zona frontal não motora. Esta última, considerada na escala zoológica em ordem descendente, vai ao mesmo tempo assumindo estrutura mais simples e menor número dos chamados campos arquitetônicos. Ainda granular no macaco, abrange, porém, nele “apenas da ½ córtex respectivo, e seguramente 1/10 – 1/6 do conjunto cortical”, quando no homem atinge “sem dúvida 4/5 do lobo frontal e 1/3 do córtex total”. (Rose). Diferencia-se no homem em 8 áreas, no macaco em 5, no cercopitheco em 4, no lemuriano em 3 (Rose).

Já no urso a região frontal, pequena, “recobre o polo frontal como uma cápsula. Deve ser seguramente a metade da região pré-central e não se divide em subcampos” (Rose). “Comparando-se os insetívoros e os mamíferos superiores, vê-se que falta neles como nos roedores, inteiramente a região frontal granular. Além disso, observa-se neles a ausência de bipartição da região pré-central, e o que – desde o homem até os roedores – é comum a todos os mamíferos”. Posto em confronto “o polo frontal dos repteis com o dos pássaros, vemos que nos primeiros compreende ele principalmente o semi-córtex olfativo, e nos últimos ao contrário quase exclusivamente o corpo estriado” (92).

Avaliando-se o ângulo de fuga do lobo frontal no homem branco, negro de Tumbuctu, Papua, chega Anthony (loc.cit.) à média de 48°. O mesmo valor médio nos antropoides é de 40°. Entre uma série à outra aparece o ângulo no neanderthaliano com os valores de 40° e 41°, respectivamente no homem de La Chapelle aux Saints e de La Quina. A relação entre a altura da bregma e o diâmetro anteroposterior máximo exprime essa mesma seriação: o valor médio é de 30,3 nos antropoides, 32,5 no homem de Neanderthal (29,7 a 28,8 respectivamente no de La Chapelle aux Saints e no de La Quina), 36,15 no homem contemporâneo (Anthony). 

Entretanto, à medida que nos aproximamos do tipo humano, verificamos que o problema se torna mais complexo, pois que não é exclusivamente o lobo frontal que adquire pleno desenvolvimento. E é justamente este fato o que tem induzido em erro alguns pesquisadores eminentes, fazendo ora com que atribuam funções intelectuais a outras regiões encefálicas, ora que neguem ao lobo frontal o papel de sede daquilo a que chamamos inteligência.

Eis como se exprime Economo: “O estudo dos modelos da cavidade craniana de nossos ancestrais humanos pré-diluvianos e diluvianos (pitecantropo de Java ao Euantropo, e do homem de Rhodes ao de Neanderthal e de Aurignac) tanto quanto possamos seguir a série até a época pós-diluviana, nos ensina que, na espécie humana, o desenvolvimento mais elevado do cérebro se acompanha ao mesmo tempo, de aumento progressivo, sobretudo do lobo frontal anterior e da zona parieto-temporal. Aqui também é, pois, principalmente em proveito das duas mesmas séries de territórios que se faz o desenvolvimento e em particular, em proveito daqueles que os nossos conhecimentos indicam como sendo a expressão do funcionamento intelectual mais elevado” (37). 

Nessa mesma conferência, após enunciar trabalhos de L. E. Smith, de Filney, de Kaatsch, que comprovam os característicos desse desenvolvimento, afirma o notável anatomista: “Observamos assim da mesma forma no homem, nesta série ancestral que vai do pithecantropus ao Euanthropo, ao homem de Rhodes, ou do de Neanderthal ao de Aurignac, não um aumento simples da massa total do cérebro, mas aqui também um aumento progressivo de certos territórios e de sua diferenciação específica, o que implica pois em aquisição de novos centros cerebrais, e, por essa forma, de novas qualidades e funções”.

É semelhante conclusão perfeitamente legítima, conforme o atesta a grande cópia de dados concretos fornecidos pelo exame comparado, não só das mensurações com também da morfologia, da anatomia macroscópica e histológica e principalmente da citoarquitetonia cerebral, a que fizemos rápida alusão. Dá-lhe valor, antes de tudo a indagação em massa. Entretanto é só o que é lícito concluir da investigação objetiva. Para distinguir quais são realmente essas “novas funções” e que porções do encéfalo as desempenham esse método é insuficiente. E é ilusório quando, ao invés de se aplicar a conjunto de seres, se exerce sobre organizações individuais. Exemplificamo-lo com as observações de Mingazzini:

“Nos crânios de Kant e de Dirichlet revelou-se de fato enorme desenvolvimento das regiões parietais. O crânio de S. Bach e o de Beethoven (estudados por Hiss e Flechsig) apresentavam ao lado de notável desenvolvimento das regiões cerebrais posteriores (parieto-occipito-temporais) e das regiões rolândicas, dimensões relativamente medíocres dos lobos pré-frontais. O crânio de Raphael, cujo fidelíssimo molde em gesso tive ocasião de examinar em Urbino, mostra também uma espécie de contraste entre a modesta altura da fronte e a expansão verdadeiramente extraordinária do occipício e dos parietais” (72).

Esses dados objetivos, portanto, irrefutáveis comprovam da maneira mais categórica o que de início dizíamos: malgrado a inconteste autoridade do emérito professor italiano, os fatos nesse trecho apresentados não invalidam a doutrina que situa no lobo frontal os órgãos da inteligência. Mesmo sem levar em conta que o grau de aperfeiçoamento da função cerebral em apreço está em relação antes com o arranjo estrutural e o valor fisiológico da substância cinzenta do que com disposições grosseiras como peso, extensão, configuração. Antes de tudo força é não confundir com o gênio propriamente intelectual o gênio estético; se bem que nas composições artísticas eminentes o trabalho de elaboração mental seja considerável, os vários gêneros de produção apelam em grau diverso para a inteligência, e mesmo, de modo geral, aptidões estéticas excepcionais não são incompatíveis com a organização medíocre no domínio estritamente mental. 

É evidente que tal distinção pode ser plenamente evidenciada pelo conhecimento preciso, científico dos sentimentos, das qualidades práticas e das funções intelectuais, cujo conjunto constitui a natureza moral humana. Ora, semelhante conhecimento não poderia resultar, organizado em corpo doutrinário, diretamente da investigação objetiva a que vimos aludindo, por mais ampla e minuciosa que ela fosse. Realmente, ele só atingiu a maturidade após vários séculos de penosa evolução empeçada e distraída por óbices numerosos e através de consecutivos esboços, não poucas vezes substituídos ou renovados em toda a estrutura.

Não vamos resumir aqui essa evolução nem o termo definitivo a que impeliu; será isso objeto de outro escrito². Mas é indispensável indicar as diferentes fases do problema, principalmente no que entende com as funções intelectuais, antes de discutirmos a sede que a elas é permitido assinalar sem infringir os preceitos definitivamente incorporados à ciência. 

²Das funções cerebrais.

Em plena era teológica, durante a fase grega, já os grandes pensadores conduziam o problema da alma para a solução perfeitamente científica. Assim, ao mesmo tempo em que se preparava a transição das concepções politéicas para a interpretação monoteísta, vemos que Hipócrates preceituava a dependência do intelecto – explicitamente situado no cérebro – para com o mundo exterior (52), (70), dependência essa que quase um século mais tarde era estabelecida em fórmula precisa pelo assombroso gênio de Aristóteles. A noção teológica de alma, entidade divina para permitir ao homem a existência terrestre, persistiu, entretanto, inalterado durante o politeísmo romano e o monoteísmo medieval, influindo nas doutrinas dos investigadores, mesmo eminentes. 

Com a extensão crescente da ciência positiva, pela descoberta de leis naturais a reger fenômenos cada vez mais complexos, a interferência da ordem sobrenatural passou a ser admitida como possível apenas no domínio moral. Por outro lado, a extrema complexidade desse domínio para cujo estudo final era necessária a solução de intrincados problemas de preferência biológicos e sociais, explica por que pode nele imperar tanto tempo a orientação teológica, e por que grandes vultos da ciência moderna aceitavam a esta sem constrangimento. 

Entretanto, mesmo antes do século IV, em que o catolicismo adquiriu o governo do mundo, a tendência para a positividade orientava – como na Grécia – o estudo da alma para o terreno das localizações: Galeno (131-200) e os da sua escola, Nemesio (sec. IV), dão aos ventrículos como sede das operações da inteligência. Depois, entre outros, Avicena (980-1037) adota as mesmas sedes; Guilherme de Conches (1080-1150) também as aceita e estabelece mais, para o sensus comunis e o spiritus cerebris, respectivamente os nervos sensitivos e os nervos motores (Jules Soury (106)). Convém salientarmos, entretanto, que eram tentativas sobremodo prematuras, pois se tratava de entidades fictícias, como aliás continuou a suceder até o século XIV, e ainda posteriormente, a Varoli (1543-1575), ao grande Descartes (1596-1650), a Willis (1622-1675), a Malpighi (1628-1694), a Vieussens (1641-1716), a Boerhaave (1668-1738), a La Peyronie (1678-1747), ainda a Haller (1708-1777) e a Proschaska (1749-1820). 

Percebe-se assim nessa série de esforços sucessivos uma afinidade geral: a tendência metafísica para emprestar existência concreta a conceitos abstratos. Faltava a todos esses autores o conhecimento real da natureza humana, principalmente porque careciam de método adequado para estudá-la.

Podemos dizer, de maneira esquemática, que no século XVIII, durante o movimento enciclopédico, a corrente de reação metafísica se resolveu, com relação às funções cerebrais, em duas escolas diversas, prolongadas até os nossos dias. Evidenciar esse fato seria aqui digressão, e por isso o reservamos para outra oportunidade; recordamos apenas que ambas devido a essa origem comum conservam na essência os mesmos princípios, embora se considerem mutuamente antagônicas. São elas, a escola chamada psicológica e a anatômica, ou melhormente, objetivista. A primeira, representada entre os contemporâneos por Janet, por Grasset, pelos psicólogos e pelos psiquiatras em geral e ainda por Freud e seus discípulos, apresenta assim lacunas tão importantes quanto as da segunda, a que se filiam todos os experimentadores clássicos do sistema nervoso e grande número de fisiologistas, de neurologistas e psiquiatras contemporâneos. 

Ao contrário, distinguindo-se nitidamente de ambas, deriva em linha reta do movimento enciclopedista na sua fase construtora a escola positiva. Dessa forma para só lembrarmos os marcos principais, Hume (1711-1776) (53) evidencia nos animais não só a inteligência, mas ainda o altruísmo e a educabilidade quanto aso próprios instintos deles, o que alguns anos depois seria focalizado de maneira particular por G. Leroy (1723-1789) (66). Tornada assim improcedente a distinção absolutista entre o homem e a animalidade, outros dois grandes progressos foram realizados: Cabanis (1757-1808) (28), demonstra que o conjunto denominado alma está em estrita dependência para com o próprio corpo, pelo qual é constantemente influenciado tanto nas variações fisiológicas quanto no desvio patológico; e Bichat (1771-1802) (19) imprime aos conhecimentos respectivos o caráter necessário para estabelecer como ciência a biologia. Entretanto ainda estes dois grandes pensadores aceitam a opinião corrente até a época, de que os sentimentos têm por sede diversas vísceras. Portanto, mesmo levando em conta a obra desses grandes luminares do pensamento, podem-se resumir a conhecimentos até então adquiridos sobre as funções cerebrais, como o faz o Prof. Agliberto Xavier (114), nos seguintes grupos:

“1.º – Que as funções intelectuais residem no cérebro, mas os motores afetivos estão situados nas vísceras, no coração e no diafragma.

2.º – Que as funções intelectuais residem no cérebro, mas as qualidades morais são atributos dos plexos nervosos, dos gânglios do peito e do ventre, em resumo, do sistema nervoso do grão simpático.

3.º – Que as faculdades intelectuais, bem como os atributos morais são funções dos sentidos”.

Foi, portanto, um passo gigantesco o que a ciência do homem realizou com as geniais concepções de Gall (1758-1828) principalmente condensadas no tratado “sobre as funções do cérebro” (43). Aliando as qualidades de pensador às de anatomista emérito, pode ele confrontar as variações psíquicas individuais e as do cérebro e inferir daí conclusões capitais, que enunciaremos rapidamente: a) o que se designa pelo termo de alma, inclusive os sentimentos afetivos, resulta do funcionamento do cérebro (e do cerebelo); b) o encéfalo endocraniano representa assim um complexo de órgãos; c) cada um desses órgãos realiza uma função distinta; d) tais funções são, portanto, inatas. Baseado na comparação dos tipos individuais, estabelece primeiramente as funções da alma e depois a sede de cada órgão respectivo. Mais do isso não seria realizável com os recursos científicos e filosóficos de que a época dispunha. 

Quase meio século depois, Augusto Comte (1798-1857) retomava esse problema básico da moral, que levaria à solução definitiva. Só o conseguiu após haver fundado a sociologia, descobrindo as leis que regem a evolução da coletividade humana. Com efeito, somente o método da filiação histórica lhe permitiria emprestar toda a plenitude ao método subjetivo, utilizado por Gall, que foi precedido em parte, sob este aspecto, por Proschaska. Analisando com visão genial as produções humanas através dos tempos, chegou – ao final de cinco anos de meditações – a decompor a alma humana em suas funções realmente irredutíveis. Retificou assim o quadro geral das categorias funcionais estabelecido pelo pensador germânico. Mostrou o grande filósofo que, destrinçadas muitas das funções compostas e das operações complexas, as quais Gall considerara como simples, o total passou a ser de 18 ao invés de 30. Mesmo dentre os atributos irredutíveis, alguns são desempenhados pelos órgãos propriamente corticais e outros competem aos núcleos cinzentos da base do encéfalo. Adotou ainda para designar o conjunto dessas funções o termo de alma, consagrado já pelo uso multissecular e agora despido de qualquer significação mística. Apoiado na perscrutação genial da evolução humana através dos tempos, das produções sucessivas da espécie, e por outro lado no aperfeiçoamento subjetivo no decorrer da escala zoológica, demonstrou que a alma humana compreende atributos morais (sentimentos), qualidades práticas (caráter) e funções intelectuais (inteligência). 

Como o apanhado geral dessas funções, o qual exige mais espaço, será objeto de outra publicação já referida, apenas nos deteremos nas de ordem intelectual, tanto ao enumerar a categoria como a sede respectiva. O grupo dos sentimentos divide-se fundamentalmente em egoístas e altruístas; entre os primeiros, instintos propriamente, e seguindo a ordem de atenuação de intensidade na espécie, há o de nutrição e o sexual, ambos destinados à conservação; o materno (ou em geral de posse do produto), o da destruição e o da construção concorrem para o aperfeiçoamento individual ou coletivo; finalmente o orgulho e a vaidade, os quais impelem respectivamente ao mando e à aprovação de outrem; os móveis mais elevados, que propelem à solidariedade social, e constituem o altruísmo, distinguem-se em apego (amor aos iguais), veneração (amor aos superiores) e bondade (aos inferiores). Como manifestações simples da atividade compreendem-se a coragem (que impulsiona à ação), a prudência (que retém os impulsos) e a perseverança (que os mantém). Finalmente, no domínio intelectual são cinco as funções corticais: quatro destinadas à elaboração, e a da expressão; a primeira dessas operações adquire duas modalidades – a contemplação e a meditação propriamente dita. Aquela representa a forma passiva, destinada apenas a receber as impressões do ambiente, do que se origina a ideias; esta pelo contrário assume a forma essencialmente ativa, e se destina a elaborar o pensamento. Ambas ainda se bipartem, necessariamente: a contemplação se exerce de maneira sintética, como apreciação dos seres, e, portanto, como observação concreta, ou, então analiticamente de modo a inquerir os fenômenos, e dessa forma consiste em observação abstrata, adequada a generalizar. A seu turno a meditação se exerce por dois processos: o comparativo, com o qual se estabelecem princípios, de onde consistir em indução, e o de coordenação, mediante a qual se concluem consequências, e que representa assim a dedução. Finalmente a comunicação, que é influenciada pelas funções há pouco referidas e que também sobre elas reage, pode externar-se por meio de sinais executados (mímica), ou articulados (verbal), ou traçados (gráfica).

Essas diferentes funções, reciprocamente dependentes, quer pelo aspecto dinâmico, quer pelas conexões anatômicas dos órgãos correspondentes, sofrem análoga influência por parte das qualidades ativas e dos sentimentos, o que aliás representa condição necessária à harmonia da natureza humana. Além disso, mantêm elas íntimas ligações com os núcleos da base, mormente aqueles que se destinam a receber as impressões transmitidas pelos órgãos sensoriais periféricos. 

Esta distinção entre atribuições de órgãos corticais e sub-corticais, estabelecida pelo gênio de Montpellier e depois sistematizada pelo seu eminente discípulo G. Audiffrent (1823-1908) encontra a mais cabal comprovação nos estudos contemporâneos, conforme oportunamente faremos ver³.

³Os núcleos cinzentos da base. Sua contribuição para as funções corticais.

Tais funções são passíveis de localização por isso que representam cada uma, atividade elementar. Augusto Comte as distribui por órgãos ímpares e medianos e pares e laterais, homóloga e simetricamente situados em ambos os hemisférios. Consoante a complexidade e a dependência da respectiva função, tais órgãos se dispõem a partir do polo frontal para o bordo pré-rolândico da região, na ordem seguinte: da observação concreta (lateral), da abstrata (mediano), da indução (mediano) e da dedução (lateral). O da linguagem se assesta na área lateral restante do lobo pré-frontal, e tem como ponto central o pé da 3.ª circunvolução frontal. Tal situação não corresponde ao “órgão da linguagem” de Gall (90), porém à zona que se tornou clássica como “centro mnemônico da palavra articulada”. Ainda a este propósito, diremos que o conhecimento da doutrina das funções cerebrais nos permite refazer a crítica sobre a afasia, do Prof. Pierre Marie, o que ficará para outra vez*. Outros atributos complexos, exigem o concurso de dois órgãos ou mais, ou mesmo consistem em operações intelectuais, portanto não localizáveis. Está no primeiro caso, por exemplo, a memória, para a qual concorrem órgãos subcorticais diversos (conforme a variedade de sensação), alguns da inteligência e particularmente os destinados à observação, além de outros afetos à afetividade – e de que promana o interesse. O mesmo se passa com a imaginação. Já a atenção exprime o exercício combinado de várias funções, determinado pelo interesse e regulado por atributos da atividade. A consciência, na acepção dos psicólogos, ou orientação psíquica, resulta da integridade funcional, em harmonia, desses órgãos intelectuais e sensoriais a que nos referimos. São, portanto, meras modalidades de expressão e não funções no sentido verdadeiro. 

 *A questão das afasias.

Para finalizar essa rápida descriminação salientamos que a solidariedade entre ambos os hemisférios e entre os diversos segmentos dentro de cada um se assegura através das fibras do corpo caloso e das conexões transcorticais e extracorticais; é o que explica a suplência de funções quando um órgão foi afetado patologicamente, e a repercussão da lesão de uma sobre a função exercida por outras áreas. Todos esses fatos o grande filósofo estabeleceu guiado pelo método subjetivo; e as pesquisas anátomo-clínicas bem conduzidas, conforme dentro em pouco mostraremos, não têm feito mais do que confirmá-los. Entretanto, não somente ficou no olvido essa grande construção do pensamento humano, senão antes foi ocultada rigorosamente e falseada de todos os modos pela crítica adversa. Foi também o que sucedera a Gall, que teve contra si, irmanados em uma campanha sem tréguas, os elementos do clero, o então Imperador da França – Napoleão Bonaparte, e as corporações científicas representadas pela Academia de Ciências. Em vão revidou ele, de maneira vigorosa e superior. O apodo de cranioscopista persistiu. Não lhe quiseram ver nessa elaboração imensa, senão os erros, inevitáveis na época. E até hoje encontramos em autores, sem embargo probos e de notória competência, o eco dessa luta. É, por exemplo, o caso de Economo (36), o de Henry Marcus (69), professor de neurologia em Estocolmo. Brugia, professor na Universidade de Bologna, refere-se a Gall para dizer que este “inventou”, imaginou faculdades e tendências distintas (26), e para imputar-lhe “uma união híbrida de anatomia e metafísica”. Referimo-nos ao livro em que faz a crítica das localizações cerebrais e onde aliás não figura nenhuma obra de Gall na bibliografia. O próprio Pierre Marie, ao prefaciá-lo, atribui a Charcot, por volta de 1870, a fundação da doutrina das localizações cerebrais. Jules Soury (106) classifica como arbitrária, insensata e fictícia a doutrina do pensador de Baden. 

Salta aos olhos que todos esses autores pertencem à escola objetivista, isto é, que pretende conhecer as funções psicológicas pelo exame dos órgãos respectivos. Essa tentativa é ilusória, pois sem uma teoria prévia, mormente em biologia, a indagação científica não pode produzir resultados úteis. De mais, supondo-se em terreno estritamente científico, os autores em apreço é que seguem a decrépita orientação metafísica. Ao contrário, o método seguido por Gall e mais tarde sistematizado e aperfeiçoado por Augusto Comte consiste em distinguir as partes pela análise do todo, e em determinar o órgão pelo estudo da função respectiva. Representa o meio investigatório próprio da moral, como o método objetivo em suas distintas modalidades o é para com as ciências inferiores. Proschaska o aplicara ao concluir que os órgãos intelectuais devem ser múltiplos porque a inteligência consta de múltiplas funções, e que o órgão da imaginação deve estar afastado do das percepções (106). Aplicaram-no igualmente todos os fisiologistas e o aplicam ainda, constantemente, os que seguem a escola anátomo-clínica; é simples a demonstração deste asserto. 

O conceito errôneo que fazem os cientistas da escola anatômica sobre metafísica, rotulando como tal toda a cogitação que emane diretamente da investigação material, levou-os a confundir o método subjetivo com os processos ontológicos adotados em geral pelos psicologistas. E não lhes permite verificar que dos seus próprios processos investigatórios os mais eficazes são justamente aqueles em que o método subjetivo toma lugar mais saliente. Realmente, constituem eles dois grupos: o experimental e o anátomo-clínico. O primeiro recorre à pesquisa da excitabilidade elétrica do córtex ou à mutilação do aparelho encefálico em proporções variáveis (da parte do hemisfério, do córtex total, do cerebelo, etc.). O emprego da excitação elétrica, estabelecido por Hitzig e Fritsch em 1870, obteve larga aplicação daí por diante, nos animais e ocasionalmente no homem; e foi recentemente utilizado em maior escala no córtex humano, por Krause, e ainda por Foerster e Penfield (42), que utilizaram para isso a topografia areal assignada por Vogt. É de notar-se que tanto os primeiros pesquisadores quanto Foerster e Penfield, apenas puderam observar fenômenos motores, sensitivos e sensoriais. O recurso às mutilações sistemáticas só era praticável nas condições em que o utilizaram os primeiros contendores de Gall, isto é, nos graus inferiores da escala zoológica; esclareceu certamente a questão das correlações anatômicas dos vários territórios encefálicos, porém não mais do que isso. De como a indagação objetiva nesses casos é limitada diz eloquentemente a série de controvérsias que ela suscitou sobre o valor intelectual dos lobos frontais ou do córtex em gral. E ainda mais, o exame dos dados objetivos assim conseguidos – que adiante falaremos – evidencia o quanto necessita ele de teoria prévia. Incontestavelmente superior aos dois processos de pesquisas, o anátomo-clínico é também o que mais apela para o método subjetivo. Efetivamente, quando a verificação necroscópica ou operatória se produz, já as manifestações psíquicas do indivíduo humano ou animal haviam sido analisadas. O mesmo acontece com as verdadeiras experiências de mutilação cerebral humana que a catástrofe mundial de 1914 operou em larga escala. Logo o veremos.

Desta forma, podemos asseverar sem fugir ao domínio dos fatos, que o processo experimental apenas produziu duas ordens de frutos: no terreno teórico a concepção de que o córtex cerebral contém “centros” intelectuais, sensitivos e motores, localizáveis; pelo aspecto prático, o conhecimento das síndromes neurológicas ligadas à alteração anatômica ou funcional desses centros. Entretanto, a própria experimentação, reforçada depois pelos dados anátomo-clínicos, veio por abaixo a noção de “centros”, a qual não corresponde à realidade, e mostrar mesmo a inanidade desses esforços para deduzir diretamente as localizações. 

Mesmo quanto à localização dos chamados “centros da motricidade voluntária” nem sempre a teoria era confirmada pelos fatos. Assim quando a reputação da doutrina fez com que neurologistas e cirurgiões a adotassem na clínica não poucos casos vieram mostrar a insuficiência dela. Em Paris G. Dieulafoy (34) apresentava à Academia de Medicina, em sessão de 22 de outubro de 1901, a observação de um doente com ataques de epilepsia jacksoniana, que não fora trepanado porque a causa etiológica se concluía ser goma ou lesão gomatosa. “Segundo as noções correntes, diz o grande clínico, a lesão devia atingir as circunvoluções frontal e parietal ascendentes, e como a perna era apanhada apenas depois do braço era provável que tal lesão estivesse localizada no território médio dessas, ficando indenes o inferior e o lóbulo paracentral.” Entretanto, alguns dias mais tarde a necropsia revelou existência de uma goma sifilítica no lobo frontal esquerdo; a região rolândica como todas as demais zonas corticais estavam completamente indenes.

E, para mostrar que não se tratava de caso isolado, analisa a seguir uma série de fatos análogos. Em dois casos de Lépine (1895), havia convulsões jacksonianas – respectivamente braquio-crurais, à esquerda, e de ambos os braços simultaneamente – de forma a permitir localizar precisamente a sede encefálica. As necropsias, porém, revelaram integridade da zona rolândica: no 1.º, pequeno abcesso encistado na primeira frontal direita, face anterior; no 2.º, duas gomas simetricamente situadas na 1.ª circunvolução de ambos os lobos frontais. Outra jacksoniana, observada por Faguet e Lowitz, não apresentava – à trepanação – alterações na região pré-central; à necropsia, completamente sã esta zona; pequena goma na 2.ª circunvolução frontal direita, adiante da dobra de passagem, respeitada. Novos enganos de localização verificados à intervenção cirúrgica: um doente de Chipault (1893), com pequeno glioma da 2.ª frontal direita; outro de Crouzon, com placa de meningite crônica na ponta do lobo temporal direito; outro ainda de Lucas-Championnière, com glioma pequeno localizado no lobo frontal direito. 

Apesar de que a sintomatologia mental nessas observações foi investigada acidentalmente, a súmula de algumas delas assinala a existência de perturbações: o doente de Dieulafoy não podia dar informes precisos; as palavras vinham-lhe com dificuldade; fazia esforço para compreender; mostrava-se abatido; o do caso II de Lépine, segundo as palavras textuais de Dieulafoy, era “antigo sifilítico, com sintomas cerebrais, ideias ambiciosas, amnesia, e esquisitices de caráter”; do de Chipault apenas sabemos que “já tinha alguns sintomas cerebrais” o de Crouzon achava-se em estado de coma. Somente Faguet e Lowitz assinalavam integridade mental.

Nesses casos não houvera, como é de ver-se, observação psíquica minuciosa, com o estudo da evolução mórbida quanto aos diferentes sintomas intelectuais em apreço. 

Uma das principais causas determinantes deste fato, isto é, o de ser procedido o exame psico-neurológico em indivíduos cujo estado mental precedente se desconhecia, tentou-se afastar o emprego do método experimental. De fato, ele substitui a incidência fortuita da lesão pelo seu emprego sistemático em focos predeterminados, e permite comparar a desordem assim conseguida à plenitude funcional anteriormente verificada. De como deve ser interpretado o valor de semelhante processo investigatório, adiante diremos. 

Nas mãos de Bianchi a experimentação produziu resultados sem dúvida muito interessantes, dos quais depreendeu as concepções que aí por diante fundamentou e desenvolveu em não poucas publicações. Baseado nesses estudos e nos de patologia humana, analisou “a psicotopografia” e a teoria de Flechsig” (15). “Em alguns casos de minha observação – escreve – em pessoas que haviam recebido grave trauma do lobo frontal (entre eles o de um jovem em que uma bala de revólver havia atravessado da região pré-temporal direita para a frontal esquerda pelo lobo anterior) consistia o fenômeno principal em amnésia e incapacidade de raciocinar quando para isso eram necessários muitos componentes sensoriais. O doente era capaz de reconhecer os objetos e de enumerá-los, porém não podia pensar voluntariamente, nem evocar pelo que se fazia impossível o processo mental para raciocínios e conclusões mais complexos”. Em trabalho posterior, ainda sobre a teoria flechsigiana afirma: “Na microcefalia pode encontrar-se a zona occipito-parieto-temporal muito desenvolvida com relação às outras partes do cérebro, em indivíduos que durante a vida tinham revelado ausência completa de associação de imagens, com a idiotia mais grave e mais profunda”. Existe uma única zona cujas lesões nunca produzem perturbações sensitivas ou motoras, e provocam pelo contrário a perda das faculdades mentais superiores; é a dos lobos frontais. Esta zona está em relação com todas as outras: reúne os produtos de todas elas e excita-lhes a atividade. Não tem fibras de projeção. As experiências, a doenças desta zona e a anatomia embriológica concorrem para demonstrar que a zona frontal é a sede da síntese intelectual e emotiva da personalidade. É a única conclusão legítima” (16). Quase 20 anos após, em um livro notável (17), retoma os mesmos fatos de anatomia comparada, anátomo-clínicos e experimentais, assomando a conclusões idênticas. E no seu tratado de psiquiatria (18), depois de resumir o próprio conceito sobre o lobo frontal, acrescenta: “É além disso órgão evocativo, e exerce poder fixador no ponto focal da consciência do tema em torno do qual se desenvolvem logicamente séries de pensamento, e poder seletivo sobre as representações mentais”. “Os lobos frontais são o campo de produção dos conceitos abstratos”.

Em duas interessantes memórias publicadas em 1902 (83) e 1906 (84), Phelps analisa sucessivamente as desordens mentais devidas a lesões do lobo pré-frontal esquerdo, e as funções do referido lobo. Ainda estas últimas são estudadas por Bolton (22) em 1903. Em 1913 Agostini (4) estuda dois casos de destruição lenta, bilateral, dos lobos frontais por neoplasia. Apresentava o primeiro doente “enfraquecimento de atenção, de ideação, de memória” além de grande excitabilidade, de indiferença afetiva e de abulia progressiva. O segundo, particular irritabilidade, incapacidade de inibição, perversão moral e tendência à criminalidade. 

Alguns anos depois aparecia um acurado trabalho de Richter (90), em que se estuda o caso de uma doente recolhida a um asilo, e cujas manifestações psicopáticas, iniciadas 5 anos após a admissão, e 7 antes da morte, puderam ser bem examinadas. Anteriormente, palradora, passou a apresentar empobrecimento progressivo de palavras. “Interrogada dava, após longa reflexão, respostas mal articuladas e ligadas abreviadamente. Mais tarde, não podia reunir as palavras em uma frase correta. Por fim limitavam-se lhe as respostas a sim e não, ainda assim empregadas às vezes erroneamente, como que embaraçadas. Não podia repetir palavras que lhe ditassem isoladamente. Nos três últimos anos tornou-se completamente muda”. Morte em estado demencial. O exame neurológico e somático, repetidos durante toda a evolução da doença, nada revelaram de particular.

À necropsia verificou-se grave atrofia ao nível dos lobos frontais, mais acentuada no hemisfério esquerdo. “À esquerda, diz Richter, a atrofia se estende muito mais: todos os giros da convexidade e da base são atingidos particularmente a zona de Broca; a parte de F2 que nesta se entronca é mais bem conservada e apresenta a forma triangular. É notável a nítida limitação do processo atrófico com as circunvoluções centrais, que pela sua completa indenidade contrastam vivamente com o lobo frontal atrófico”. “Verifica-se ainda uma atrofia local do córtex, nitidamente circunscrita e extensão pequena, no lóbulo parietal inferior esquerdo, no ponto de transição entre o giro supramarginal e o giro angular”.

Apresenta ainda o autor o resumo da observação de outra paciente do mesmo asilo. Esta, bem observada durante os dez anos de internação, sofria convulsões epileptiformes e não apresentava perturbações mentais propriamente. À necropsia patenteou-se no lobo frontal direito, “um cisto do tamanho de ovo de galinha, que destruía o 3.º giro frontal e em parte o 2.º, na sua porção pré-frontal”, e que em profundidade se prolongava até o ventrículo lateral.

“Não será erro pois, conclui, admitir como consequência da lesão as alterações do caráter retrocitadas, que de acordo com o nosso protocolo se manifestavam particularmente por ocasião dos ataques, e que consistiam em irritabilidade e excitação psíquica anormais. Ao contrário, permaneceram inalteradas as funções mentais no que entendem com a atenção, a memória, o julgamento, tanto quanto as atribuições superiores (aplicação), durante a permanência, por mais de dez anos, de uma lesão no lobo frontal direito”. 

Esta última observação faz lembrar a longa discussão que se tem travado a respeito da hierarquia dos hemisférios cerebrais, e o papel preponderante que nas funções intelectuais se atribui geralmente ao córtex do esquerdo. A precedente pela distribuição topográfica – à primeira vista caprichosa – do processo atrófico, pela acentuação crescente quando comparado no lobo frontal direito, no esquerdo, e no pé da 1.ª circunvolução temporal esquerda, faz-nos pensar que a desordem anatômica tenha começado ao nível deste último. Do mesmo passo a evolução da moléstia, que se iniciou com perturbações da expressão verbal, que decorreu com acentuada carência de espontaneidade e que terminou em demência, permite-nos filiar o apagamento das funções intelectuais ao progredir das lesões do córtex. E o que é capital, confirma não só as localizações cerebrais estabelecidas por Augusto Comte, como ainda a dependência dos órgãos da inteligência para com os do caráter, sob o aspecto dinâmico, seja pelo das conexões anatômicas. 

E não se trata de coincidência, verificada em um caso isolado, como vamos mostrar. É certo que unicamente a pesquisa sistemática efetuada no campo psiquiátrico e a seguir no anátomo-patológico, poderia filiar com legitimidade o quadro clínico ao orgânico. 

A essas condições preencheu admiravelmente Anglade, o qual já em 1890 havia iniciado pesquisas anátomo-clínicas muito sérias, que foi prolongando pelo atual século adentro. Pode assim publicar em 1921 o resultado do labor de 30 anos consecutivos durante os quais teve sob os olhos todos os graus de demência e fez mais de 3000 (três mil) autópsias, quase todas completadas pela análise histológica; reunia ele, como diz, religiosamente, a observação clínica ao lado da ficha de necropsia. Vale comentar o trabalho a que aludimos, digno do autor. Ele estuda aí somente os casos de fenomenologia puramente subjetiva.

“O sintoma capital, e por vezes inicial, da redução intelectual parece-me ser a incapacidade de fixar, e de evocar a reminiscência. Os fatos que o paciente encontra com maior facilidade não são tanto os mais antigos, como os que lhe assinalaram mais profundamente sua impressão no espírito (1.ª comunhão, casamento, morte mesmo recente do pai, da mãe, do cônjuge, de um filho etc.).

“Paralelamente – sem dúvida como consequência – notam-se pobreza do raciocínio, puerilismo, inaptidão para o desempenho de atos habituais”.

A afetividade é nula ou muito diminuída, a iniciativa perdeu-se. A linguagem é uma espécie de papotage em que reaparecem as mesmas frases, as mesmas palavras. No pequeno circuito de ideias e de expressões em que está encerrado, o paciente move-se a princípio com relativa facilidade. Pouco a pouco o círculo se restringe. A ideação e a linguagem se extinguem quase totalmente”. 

Ressalvemos aqui que afetividade e iniciativa não são atributos intelectuais, conforme lembramos atrás. Compreende-se, porém, que lesão frontal extensa deve repercutir seguramente sobre outras regiões cerebrais em razão das conexões anatômicas e fisiológicas. Continuamos.

“Quer se tratasse de demência orgânica, quer de demência paralítica, quer de demência senil, tem-se então a certeza de encontrar na autópsia uma lesão muito importante no lobo pré-frontal esquerdo – neoplasma, foco de amolecimento ou de hemorragia, compressão óssea, esclerose cortical e subcortical. Muito raramente o lobo pré-frontal direito está indene, com suas dimensões normais”. “No caso de decadência intelectual profunda, com perda da linguagem, os dois lobos pré-frontais estão sempre, e mais ou menos igualmente, reduzidos”.

Há casos, como Anglade salienta, em que parece não haver lesão anatômica; entretanto elas existem, “nítidas, mas dessas que só o microscópio pode pôr em plena luz”. “É devido a não se incomodarem com tais lesões microscópicas equivalentes a lesões grosseiramente destrutivas – de amolecimento ou de hemorragia – que os observadores têm desconhecido localizações cerebrais certas. Por lesões microscópicas não entendo só degenerescências fasciculares que se revelam pelas colorações da mielina (meio de investigação ainda muito grosseiro), mas também as de células nervosas ou nevróglicas. Verdadeiramente, a deformação ou a destruição dos elementos nervosos propriamente ditos não têm significação senão quando é, por assim dizer, confirmada, comprovada por concomitante reação proliferativa da neuroglia”.

Com essa orientação científica segura a notável organização mental do A. chegaria por certo a conclusões muito mais vastas e mais precisas se conhecesse a doutrina – a que nos referimos antes – das funções cerebrais. Realmente, faltou-lhe analisar mais a fundo as atribuições intelectuais a fim de isolá-las melhor. Referindo-se à teoria de Pierre Marie sobre afasia motora, diz:

“Bastar-me-á lembrar que ela contribuiu para refazer o bloco intelectual, que se fracionava sem nenhum proveito para o seu estudo ou para a sua localização cerebral.

“Há uma inteligência como há uma motricidade. Para estudar esta não foi preciso dissociá-la. Procedamos da mesma forma para com aquela.

“Ser inteligente quer dizer – ser capaz de formar ideias, de armazená-las no cérebro, de as evocar quando e como queira, de as comparar, de associá-las para formar julgamento, de as exprimir pela palavra, pela escrita, pela mímica etc.; isso significa ser capaz de amar e de odiar” (grifo nosso).

Amar ou odiar entende com a afetividade, não com a inteligência. É de observação quotidiana e dispensa, pois, quaisquer comentários.

E é de notar-se que Anglade confirma da maneira mais completa, sem o saber, a localização de funções cerebrais estabelecida por Augusto Comte, não somente quanto à inteligência, mas também com relação à atividade. Veja-se o que diz dos parafásicos:

“Friso que os parafásicos menos atingidos intelectualmente, os de consulta hospitalar, são sujeitos a alternativas de indiferença e de expansividade. A certos momentos parecem estranhos ao que se passa em torno de si, a outros mostram “loquacidade exagerada, volubilidade espantosa”. Comprazem-se com uma linguagem absurda e sem significação alguma, a tal ponto que não é possível desviar nem mesmo retardar a onda de suas palavras, entre as quais é frequentemente difícil reconhecer ideias. Quando têm consciência da incorreção da própria linguagem, não são capazes de a deter e não sentem por essa incapacidade nenhum pesar profundo” (grifo nosso).

Essa análise, perfeita, evidencia, entretanto, que na parafasia não há somente perturbação da inteligência: há também quanto à atividade, a qual normalmente regula, de maneira contínua, as funções intelectuais. E, o que confirma ainda mais, no campo objetivo, a doutrina do imortal Pensador, nesses casos foi sempre encontrada lesão no ponto exatamente em que Augusto Comte localizara um dos órgãos da atividade.  

“Das observações clínicas e das verificações anatômicas resulta que o saldo (appoint) parafásico e jargonafásico caracteriza uma forma de demência e assinala seu ponto de origem em um território cortical que se irradia em torno do pé da 1.ª circunvolução temporal esquerda. Essa demência parafásica pode ser realizada por uma esquirola óssea, por um coágulo intracerebral ou mesmo extra-cerebral (fiz retirar por trepanação um coágulo subdural que comprimia a zona de que falo), por tumor, por abcesso (o Prof. Moure abriu um sob minhas indicações) por amolecimento, por gliose medular (grifo nosso).

Insistimos nesta citação, porque os fatos aí relatados constituem base para uma conclusão importante do autor.

“Creio ter demonstrado, afirma ele, que existem no cérebro dois territórios intelectuais. Um corresponde ao lobo pré-frontal, outro à região retrotemporal esquerda”.

Foi certamente por não considerar a manifestação intelectual da atividade ou, em outras palavras, por julgar intelectual uma função de iniciativa, que o A. cometeu semelhante erro. A observação anátomo-clínica de paralíticos gerais corrobora esta nossa asserção e justifica – em fato apenas – a dedução do anátomo-patologista:

“Desde já estamos em condições de formular um diagnóstico das principais formas de demência, trate-se de demência orgânica, de demência senil, de demência paralítica. Quanto à paralisia geral verifiquei que as formas demenciais simples, globais, tórpidas, correspondem a atrofias frontais predominantes: que as formas parafásicas e excitomaníacas dão, na necropsia, áreas de meningo-encefalite profunda superponível ao território intelectual posterior”. (grifo nosso).

Outros neurologistas, psiquiatras e anátomo-patologistas embora sem essa respeitável bagagem pessoal, têm focalizado de vários modos a existência de perturbações na esfera intelectual em consequência de lesões nos lobos chamados pré-frontais.

Entre eles, Feuchtwanger teve ocasião de efetuar observações em grande cópia. Relata em livro fartamente documentado (41) as pesquisas a que procedeu sobre 400 ex-combatentes com ferimentos cerebrais, sendo que em 200 as lesões se localizavam no lobo frontal. Organiza então uma estatística em que confronta com a sede genérica (frontal ou extra-frontal) o número relativo e absoluto dos casos que apresentavam perturbações intelectuais. Baseado nesses estudos conclui de certo modo não estar ligada a inteligência ao lobo frontal. É fácil, porém mostrar, com os próprios dados e a própria interpretação do autor, que labora ele em erro.

“A maior parte dos doentes descritos na estatística (sempre com exclusão da afasia) não denota, malgrado notáveis perturbações psíquicas, nenhuma lacuna (Ausfaele) para o lado do intelecto. Ao mesmo juízo conduzem, em regra os casos correspondentes apresentados na literatura sobre ferimentos, tumores e abcessos, no domínio dos lobos frontais” (pag. 65). 

Ora, em primeiro lugar, convém salientar que o autor faz exclusão da afasia, isto é, da desordem de importantíssima função intelectual que é a linguagem; depois seria preciso conhecer em que área frontal se processou a lesão em todos os casos nos quais não se deu perturbação intelectual; além disso o conceito de Feuchtwanger sobre inteligência é um tanto especial, como veremos mais tarde. Finalmente a estatística a que esse trecho se reporta a dos feridos do lobo frontal, apresenta grande porcentagem de transtornos no domínio da inteligência. Para evidenciá-lo aqui transladamos, ordenando-as pela ordem decrescente de frequência, as várias alterações encontradas nos casos de lesão frontal (com exclusão do campo de Broca):

(Sobre 200 doentes)
Irritação e euforia59,5%
Perturbações da atenção58,5%
Perturbações do equilíbrio44,0%
Morosidade e apatia38,0%
Perturbações do aprendizado36,0%
Perturbações da observação30,0%
Depressão27,0%
Acessos epilépticos21,5%
Perturbações psicogênicas21,0%
Perturbações motoras e sensitivas cerebrais19,0%
Fatigabilidade17,5%
Perturbações da linguagem cerebrais11,0%
Perturbações do pensamento10,5%
Bisbilhotice (Witzelsuch)4,5%
Precipitação4,0%
Perturbações sensoriais cerebrais1,0%

Havia, pois, alterações graves e não pouco frequentes, no domínio intelectual. O próprio Feuchtwanger o reconhece, embora apresente as restrições que adiante comentaremos. De tipo especial era a desordem descrita por Pierre Marie e Béhague, nos ferimentos profundos do lobo frontal, e que designam como “síndrome de desorientação no espaço”.

Os casos de neoplasia mesmo quando localizada com precisão no lobo frontal, nem sempre se prestam para demonstrar as funções dessa região por isso que os fenômenos de repercussão podem preceder os primários e mesmo ser mais pronunciados que estes. Ruskisch (98) o evidencia em três casos de tumor, em um de abcesso, e em outro cuja necropsia revelou lesão em ambos os lobos frontais. Como perturbações primárias havia enfraquecimento da atenção ativa, da memória e da compreensão; distração, apraxia ideo-motora, afasia transcortical; eram secundários os sintomas do giro central anterior, das vias cerebelares e desordens da emotividade. Também fenômenos de ambas as categorias se haviam apresentado em um doente no qual um neoplasma do lobo frontal simulava paralisia geral, e que foi estudado por Girot e Baruk (44).

Este último, em sua tese sobre tumores cerebrais (14), afirma que quando estes se apresentam no lobo frontal “as perturbações mentais tomam importância muito diversa, e dominam muito frequentemente todo o quadro clínico. Não somente são precoces, não somente são primeiras amiúde a chamar a atenção, mas ainda se traduzem por desordens mais acusadas de pronto em todo o funcionamento mental. É ainda antes de tudo nos tumores frontais que se apresentam verdadeiros estados de “alienação mental”, simulando paralisia geral, estado demencial grave, ou determinando “perturbações do caráter que necessitam de internação em manicômio”. 

Perturbações mnemônicas foram observadas por Henry Marcus (69) em 6 casos de lesão do lobo frontal. Já no doente cuja observação Rosenfeld relata (94-95) os sintomas mentais eram mais complexos: “Perda particular da espontaneidade, carência de iniciativa, indiferença, dificuldade de atenção refletida, atitude tendente para o autismo, reações “ao lado”, “embotamento afetivo”. O exame necroscópico revelou acentuada atrofia em ambos os lobos frontais, até o giro central anterior; havia também análoga lesão na cabeça dos núcleos caudados e na ponta do lobo temporal esquerdo.

Conclusões análogas às de Donath em 1925 (35) quanto aos lobos frontais com respeito às funções psíquicas superiores, infere Sachs. Na comunicação sobre lesões no lobo frontal estuda estes 25 casos de tumor nessa região encefálica, todos verificados por operação ou necropsia. Dentre todos os sintomas, o mais constante e característico que achou foi a alteração mental: 21 dos pacientes a apresentavam. Em resumo, tal alteração consistia em: indiferença, despreocupação para com o próprio estado e a gravidade da operação; perda de memória, principalmente para fatos recentes; morosidade muito acentuada; risos ou gritos impulsivos; não se notou, senão em um doente manifestação alguma eufórica. Alguns dos enfermos após a intervenção recobravam a normalidade mnésica ou a capacidade profissional, e o interesse pelo ambiente. “Essa perturbação mental, afirma, quando presente e imutável por algum tempo, e associada a ligeira hipotonia facial ou a cefaleia, na ausência de RW positiva, indica lesão do lobo frontal e impõe a observação do paciente. A operação tem revelado então repetidamente, lesão em foco – habitualmente tumor – do lobo frontal”. Não especifica o lado da lesão nos 4 pacientes que não exibiam alteração mental. Sidney Schwab (102) focaliza particularmente a existência de modificação da personalidade em tumores do lobo frontal; aceita e defende, com acerto, a função intelectual dos lobos em apreço. Gordon Holmes (46) salienta, ao discutir essas comunicações o valor dos sintomas intelectuais para efeito de localização. Porém, pondera que o lobo frontal “consiste em várias partes, provavelmente com funções diversas. Seria necessário, para completar semelhante estudo, definir as mutações encontradas, quer mentais, quer somáticas, em relação com a posição do tumor no lobo frontal” (grifo nosso). 

Baseado em um (1) caso clínico, Satta publica um trabalho em que parece não aceitar a sede frontal para as funções intelectuais. Trata-se de um ferido de guerra, com perda de substância no lobo pré-frontal, e que, diz o autor, apresentava ataques epileptiformes: não sofria perturbações mentais. Realmente, as provas psicológicas revelavam integridade mental. É notar-se que o paciente, logo após o ferimento ficara irascível, irritadiço; em segundo tempo, tornou-se antissocial com graves perturbações do caráter; e mais tarde ainda passou a ser vítima de crises maníaco-depressivas. Cumpre dizer, porém que não se conhecia a sede exata das lesões, que atingiam a parte mais alta do lobo frontal: a prova documental da radiografia simples é insuficiente para delimitar o ferimento (100).

Por essa mesma época era observado no Hospital de Juquery um caso de tumor do lobo frontal esquerdo em que o estado mental do paciente apenas permitia verificar impulsos motores periódicos e convulsões epileptiformes (11); e um outro, em que se notavam desorientação no tempo e no espaço, estado demencial, espurcícia a par com síndrome hipotalâmica; à necropsia extenso foco de amolecimento tomando os três giros frontais do lobo direito, em consequência de arterite obliterante (81).

Essas três últimas observações acentuam ainda uma vez a dificuldade em se apreciarem com acerto as funções dos lobos frontais – como as do encéfalo em geral -, através das desordens causadas por lesões orgânicas. Realmente, não basta mesmo levar em conta a idade do paciente, fator importantíssimo como o testemunha o belo estudo de Egas Moniz (77); é preciso considerar ainda a constituição moral do doente. E, mais do que isso, faz-se indispensável conhecer as funções das demais áreas lesadas à distância – pela interrupção das conexões – em consequência do comprometimento focal. Assim, ao descrever o sinal da preensão forçada, Adie e Critehley (3) apresentam 3 casos de tumores frontais. Nos dois em que a lesão se assestava à direita havia sonolência, morosidade intelectual, dismnésia (I) e obtusão, apatia, puerilidade, euforia (III); o doente de tumor no lobo frontal esquerdo (II) não apresentava alterações intelectuais, mas justamente nesse o neoplasma estava apegado à foice, no giro pré-central, e apenas deslocava sem invadir, a região frontal. Na doente de Lhermitte, Massary e Mugner (68) esse mesmo sinal da preensão forçada se associava a amnésia, desorientação no tempo e no espaço, confabulação. 

A diferença dos quadros clínicos conforme a modalidade segundo a qual a neoplasia lesa a região em apreço é nitidamente estabelecida – talvez com algum excesso de esquematização, – por Gordon (45) a propósito de suas 8 observações anátomo-clínicas: “Quando só o lobo frontal era francamente lesado, observámos período maníaco com tendências eufóricas. A confusão, com desorientação, estava presente quando o lobo frontal era comprimido. A puerilidade e a diminuição de memória correspondiam à invasão do lobo frontal. O estado paranoide correspondia à invasão considerável deste lobo. Em todas as observações o lobo frontal estava mais ou menos lesado”. 

Mais significativa do que essas perturbações de ordem psiquiátrica entre elas principalmente “as alucinações, os delírios, o onirismo, o torpor, a narcolepsia, os estados de excitação ou de depressão, as perturbações do humor”, considera Vermeylen (110) a “fatigabilidade” e a “lentidão psíquica”. Esta última desordem é evidenciada por J. B. Abalos (1) em dois doentes, associada num deles a carência de contato com o meio e de iniciativa para falar e para gesticular. E o cansaço rápido se mostra frisante, ao lado de sério rebaixamento mental, no doente de Grage (47). 

A esse respeito, a observação em grande escala é que pode nortear o trabalho de síntese anátomo-clínica. É o que empresta particular valor ao interessantíssimo relatório de Clovis Vincent relativo aos tumores que comprimem o lobo frontal (111). Encontramos aí esta significativa citação de Puusepp no tocante à sintomatologia de tumores de tal região: “As funções mais atingidas são as da atenção ativa e da capacidade de trabalho intelectual: os doentes perdem o gosto pelo trabalho, mas principalmente pelo labor intelectual; não podem executar as ordens mais simples, ou não as executam senão penosamente. A esfera afetiva é também atingida e frequentemente há perversão dos instintos. Os doentes são mais amiúde apáticos e abatidos; mas esse estado não é constante e pode-se observar, em alguns casos, predominância dos fenômenos de excitação… De modo geral, o estado de tais enfermos é inconstante, e pode facilmente passar do apático para o eufórico.” Assinala em alguns casos sintomas demenciais e afirma a importância do lobo frontal para as funções da inteligência. Semelhantes perturbações mentais podem ser evidentes e de início características – cóleras, indiferença, perda da noção do lugar onde se acha o paciente. Outras vezes, porém é mister pesquisá-las com cuidado, indagando minuciosamente o examinando e a família. Quando o diagnóstico de tumor frontal não é particularmente nítido, procura o autor evidenciar os seguintes fenômenos: paralisia facial de tipo central; afasia mais ou menos pronunciada (conforme o lado da lesão); perturbações mentais, precoces e nitidamente caracterizadas. 

Numa excelente condensação de fatos patológicos e de laboratório Lhermitte focaliza em 1929 (67) a função eminentemente intelectual que compete à porção frontal do manto encefálico. 

J. de Morsier (78) realiza um estudo rápido, mas interessante sobre a fisiopatologia dessa mesma região e no qual apenas pormenoriza o sintoma amnésia de fixação. Da comparação entre os fenômenos experimentalmente determinados em cães e macacos por vários autores – mormente Bianchi e, entre os mais recentes, Kaliscker e Choroschkco -, e os observados em 2 doentes com lesões vasculares simétricas nos lobos frontais, faz ressaltar a existência de uma tríade característica: “Amnésia de fixação, apatia, irritabilidade, tal nos aparece desde já o tripé da síndrome pré-frontal.” Em ambos os casos clínicos (um devido a Zacher, 1901, outro a Mabille e Pitres (1923) a lesão, bem circunscrita, sem perturbações arquitetônicas secundárias, localizava-se simetricamente na substância branca. E o A. por aí se guiou para estabelecer o que ele chama “vias mnésicas”, representadas pelas fibras que ligam o lobo pré-frontal ao córtex posterior heterolateral; tais fibras atravessam o corpo caloso, a cujo nível constituem a lâmina média. Essa mesma concepção fisiopatológica o autor utiliza em outra publicação sobre amnésias transitórias (79). 

Perturbações dessa ordem, entre as quais a amnésia toma o primeiro plano, são reunidas como síndrome frontal por Barré e Fontaine (12), e por Barré, Guillaume e Schoch (13). Outras de caráter predominantemente neurológico – ataxia, astasia e abasia, apraxias, preensão e tateamento (Tappen), hipocinésia, Kroll as estuda, em seu excelente livro (63), ao lado de perturbações como agrafia, a acalculia e a amusia, cuja ocorrência filia respectivamente a lesões no 2.º giro frontal, no 3.º, e no 2.º giro frontal direito. Endossa a classificação de Choroschko dos sintomas determinados por tumores do lobo frontal: 1) Desordens psicomotoras da musculatura do tronco, da cabeça, dos olhos; catalepsia; 2) Desordens assimbólicas da fala, da escrita, dos gestos. 3) Desordens das exteriorizações afetivas (fisionomia, mímica, riso forçado etc.). 4) Desordens do comportamento (urinar no próprio quarto). 5) Sintomas psíquicos (processos volitivos, atenção, capacidade de observação). 6) Desordens de reflexos (pupilas, órgãos pélvicos). 7) Fenômenos de hipertensão para o lado da fossa craniana posterior. 8) Sintomas locais (cefaleia, sinais obtidos pela percussão, edema cutâneo, exoftalmia, perturbações do olfato. É de notar-se que os grupos 2, 3, 4 e 5 se referem a sintomas intelectuais, embora a denominação pouco apropriada, o que não vem agora ao caso analisar. O mesmo se dá com o fenômeno designado por Auerbach (9) como “carência de iniciativa”, e que numerosos autores, como Pfeiffer (82) por exemplo, têm observado em associação com desordens motoras de origem frontal. 

O que apresenta interesse maior para o conhecimento das funções do lobo frontal não é tanto a ocorrência global dos sintomas intelectuais, cuja frequência é alta como lembram Jameison e Henry (55). É antes o paralelismo entre perturbações determinadas e lesão de áreas também determinadas. Gordon (45) frisa essa correlação, que Puusepp (87, 88) assevera em termos precisos, mostrando a variação dos sintomas consoante o tumor frontal esteja nas porções anteriores, nas posteriores, na profundidade, e além disso quando atinja o lobo esquerdo, ou a ambos, ou comprima o oposto. Análise semelhante é feita, à luz da citoarquitetonia no interessante trabalho de Rose (92). 

Conforme por aí se vê, pois, orçam já por milhares os fatos bem apurados em que as lesões do lobo frontal determinam distúrbios intelectuais mais graves ou menos acentuados, conforme a sede e a extensão daquelas. E esses fatos confirmam a doutrina das localizações cerebrais iniciada com Gall e finalmente estabelecida com Augusto Comte. Entretanto ela tem sido combatida de várias maneiras, inclusive por autores cujos próprios argumentos objetivos servem unicamente para reforçá-la. Pesando-se bem a refutação feita por esses escritores, analisada friamente e sem preconceitos verifica-se – como procuramos salientar no presente trabalho – que ela emana de três fontes diversas: 1.º o preconceito teológico daqueles que ainda hoje pretendem emprestar às funções da alma humana o caráter sobrenatural; 2.º a viciosa concepção de centros destinados às diferentes atividades encefálicas; 3.º a confusão de método subjetivo – do qual ela resultou – com processos metafísicos, infelizmente encontradiços mesmo hoje em dia nesse domínio. 

Os motivos do primeiro grupo não seriam alvo de referência no caso em apreço, não influíssem eles nas pesquisas de homens como por exemplo Pitres. E para dizer até que ponto vai essa sujeição lembremos o caso de Surbled, que em seu livro sobre “A alma e o cérebro” (108) afirma estudar este aparelho havia 30 anos. Entretanto aí vem coisas desta ordem: fazendo distinção entre sensibilidade, pensamento e vontade, afirma que aquela é função material e estas duas são espirituais. Para prová-lo diz que a primeira é desempenhada pelo cérebro, e estas pela alma (!). Ainda referindo-se ao cérebro afirma ser este um órgão único, e acrescenta textualmente: ‘Um órgão desempenha uma função, e não duas: sobretudo quando estas funções são tão diferentes em natureza como a sensibilidade e a inteligência”. Em outro capítulo assevera: “Conclusão necessária: a inteligência, não tendo órgão, não é uma função. Ela não é corporal, e sua espiritualidade fica assim conquistada”. A noção de centros, compatível com o acervo clínico e as demonstrações experimentais de há 60 e 70 anos, verificou-se logo não corresponder à realidade por excessivamente simplista e por não levar em conta a cooperação e a suplência nas regiões encefálicas, hoje de conhecimento comum. Finalmente, o método subjetivo representa meio perfeitamente positivo de investigações científicas, ao que procuramos salientar. 

De modo geral a crítica até hoje desenvolvida para negar ao lobo frontal funções intelectuais, qualquer que seja o seu ponto de origem, tem obedecido a dois tipos: 1.º) a dos que pretendem ser impossível localizar em porções determinadas do encéfalo os atributos da inteligência; 2.º) a dos que atribuem essas funções a porções extracorticais do encéfalo ou então á corticalidade em conjunto.

Dentre os que verberam, baseados na clínica e na experimentação, a doutrina localizatriz, cumpre salientar Brodmann e, de modo mais genérico, Brugia. Referindo-se aos investigadores da escola objetivista, diz este autor em seu livro já citado: ‘Ora, tal concepção (localização de funções psíquicas) é absurda; aqui ainda o julgamento precedeu a prova, e conclui indebitamente pela certeza; isso foi…uma dessas suposições doutrinais em que houve preocupação mais em presumir que de deduzir, mais de apanhar uma aparência que uma substância de realidade”. Mostra que é impossível conhecer as funções das fibras e das células nervosas “quer se interroguem quando nascem, quer quando morrem, quer enquanto cumprem o ciclo da maturidade”. 

Os que defendem a sede subcortical das funções intelectuais são já muito numerosos; seguem todos, porém, a escola objetivista e fazem aplicação viciosa do método subjetivo, conforme em outra ocasião mostraremos. Haskovec, apoiado em grande número de pesquisadores (49) e na sua própria investigação (48), indica a vizinhança do III.º ventrículo como sede do que ele chama “consciência central”; Economo (37) empresta aos núcleos cinzentos da base a predominância na regência de processos intelectuais; Roussy e Lhermitte (97), Bogaert (21), Reichardt (89) também dão a primazia ao tronco cerebral. Melhor inspirados a esse respeito, Monakow (74), Monakow e Mourgue (75), Sciamanna (103), pretendem que a inteligência resulta do funcionamento de todo o córtex cerebral, admitindo uns que aos lobos frontais cabe uma parte da tarefa, outros que é impossível estabelecer sedes para as funções intelectuais. Será isso também objeto de exame por nossa parte em outra ocasião.

Analisemos, pois, em conjunto os resultados da crítica articulada pela escola anatômica. Ela prova que a dedução das funções unicamente pelo exame dos órgãos é inviável; põe de manifesto, mesmo nas construções que se pretendem objetivas, o apelo para o método subjetivo geralmente mal aplicado; mostra finalmente que os fatos infirmam as concepções arquitetadas segundo o método objetivo. 

De fato, o conceito que entre os psicólogos e fisiologistas impera quanto às funções intelectuais é vago, confuso, por isso mesmo mal delimitado e contraditório. Fala-se em orientação, em atenção, em consciência, em volição, como se fossem funções; da mesma forma em inibição, em irritabilidade, em memória. Larguier des Bancels (65) classifica em 8 grupos os instintos humanos: alimentares, de defesa, curiosidade, sexual, parentarios, sociais, egoístas e de folguedo. Quase da mesma forma os entendem Garnier, W. James, Ribot, Thorndike, os quais com MacDougall, Watson, Koffka, e em parte von Monakow, pretendem que a atividade do homem promana dos instintos. Kretschmer (62) chama “funções psíquicas centrais” ao conjunto – “consciência, impulsividade instintiva, afetividade”. Para Jaspers (56) a inteligência consiste em “julgamento, reflexão”. “Julgamento, crítica, comparação, memória” constituem as funções intelectuais no conceito de Roussy e Lhermitte (97). Reagindo a essas abstrações psicológicas, Pavlov e seus discípulos, entre os quais Kalischer (57), Choroschko (30), Ivanoff-Smolensky (54), Brailowky (24), procuram estabelecer a compreensão fisiológica. A reforma, entretanto, considerada a fundo, foi apenas terminológica: são os reflexos condicionados e incondicionais – efetivos ou inibidores – compostos ou em cadeia; as dominantes condicionais e incondicionais; a atividade criadora, a conservadora ou a transformadora; os analisadores das várias categorias sensoriais; e assim por diante. Também não é mais nítida a concepção estabelecida pela escola que focaliza principalmente a atividade chamada subconsciente: Freud, Morton Prince, Busscher (27), Bagotzky (10), Birnbaun (20), Vermeylen (110), Hesnard (51), entre tantos. 

Compreende-se que tais conceitos nunca poderiam ser localizados, como acertadamente reconhecem os anátomo-patologistas.

Por outro lado, os dados objetivos que têm servido para demolir a teoria dos ‘centros” confirmam de maneira completa a doutrina, pela qual nos guiamos, da localização cerebral segundo o método subjetivo. Assim, no domínio intelectual, as experiências de Bianchi, de Kalischer, de Choroschko apresentavam desordens da inteligência, variáveis conforme a situação e a importância das áreas frontais descorticadas. Em todo caso, tanto os cães e os macacos do primeiro, como os do segundo, como os cães de Choroschko, revelavam após a mutilação deficiências de observação concreta e abstrata – não sabendo distinguir entre alimentos e substâncias não alimentares, não denotando interesse pelo ambiente, mostrando-se incapazes de fazer escolha na alimentação -, ou decadência maior ou menor de raciocínio, pelo que já não eram capazes de resolver situações difíceis e se tornavam ineducáveis. Da mesma forma que a variável integridade das funções, a interferência de perturbações do caráter ou da afetividade é de atribuir-se às conexões da zona lesada, à propagação do processo ou a complicações pós-operatórias, por vezes verificadas na necropsia. O mesmo argumento explica a diversidade de transtornos encontrados no homem por alteração – traumática, inflamatória, neoplásica etc. – de determinadas áreas do lobo frontal. Sob o aspecto histológico propriamente dito, as pesquisas mais recentes vieram consolidar essa mesma doutrina. Referimo-nos à citoarquitetonia de Brodmann, de Economo e Koskinas (38) e ainda ao estudo mieloarquitetônico de Vogt (112, 113).

A verificação histotopográfica dos casos clínicos, devida por exemplo a Kleist (55, 59), a Rose (92), veio mostrar que realmente há perturbações intelectuais mediante lesões de campos estruturais isolados. Kleist descreve desordens “alógicas” do pensamento (59), isto é, devidas a deficiência de observação, por lesão do campo 46 de Brodmann, o qual corresponde à situação do órgão da observação concreta*, segundo Comte. Esse mesmo autor, quanto à carência de iniciativa, observou matizes correspondentes à diversidade dos campos atingidos. Ora, a iniciativa, conforme anteriormente salientamos é função da atividade; porém rege continuamente o exercício da inteligência, e assume dessa forma aspectos diversos consoante a função dos diferentes órgãos intelectuais. Tal influência, no estado normal imperceptível devido à harmonia geral dos complexos de funções, é evidenciada pela alteração patológica. No campo intelectual, o rebaixamento dela pode traduzir-se como indiferença pelo mundo objetivo, como apatia (observação concreta e abstrata), como lentidão do pensamento (indução ou dedução), ou ainda como falta de espontaneidade em exprimir-se (órgão da linguagem) mediante sinais (retenção da mímica, da gesticulação, da escrita, do cálculo, do desenho), ou mediante sons (mutismo, bradifasia). Dos órgãos corticais afetos a essas funções intelectuais, segundo Augusto Comte, podemos afirmar com precisão que o da linguagem abrange o campo 44 (porção anterior e porção posterior) e a parte póstero-inferior do campo 9 de Brodmann; os órgãos da observação abstrata e concreta corresponderiam respectivamente, de modo aproximado, aos campos 10 e 46 daquele anatomista. Pois bem. Kleist pode observar carência de iniciativa para os movimentos mímicos, e para falar (mutismo), em lesão limitada respectivamente à porção póstero-inferior do campo 9 e à porção anterior do campo 44 (ambos de Brodmann); ao passo que lesões circunscritas ao campo 10 se haviam traduzido clinicamente pela “apraxia de gesticulação complexa”, em que a execução é detida nos primeiros movimentos, ou apenas esboçada de modo mais curto e simplificado (92).

*Grifos nossos (de Roberto Fasano).

Cumpre salientar que Augusto Comte renunciou a estabelecer o volume, a forma e, em geral, a sede absoluta dos diferentes órgãos corticais; cogitou apenas da posição genérica e relativa de cada um, deixando para o futuro a verificação histológica. Esta surgiu mais depressa do que fora de supor-se, com a descriminação areal do córtex, método aliás perfectível, e que, portanto, espera ainda a última demão, como demonstra a mieloarquetetonia de Vogt. 

É, portanto, perfeitamente lícito adiantar que os estudos fisiológicos e anatômicos, dentre estes os mais recentes, não somente afirmam que é possível localizar as diferentes funções superiores do encéfalo, senão antes mostram o acerto do quadro cerebral de Augusto Comte. 

Pelo aspecto clínico é também plenamente demonstrável que o papel principal dos lobos frontais consiste na elaboração e na comunicação do pensamento. Certamente a essas funções se associam outras, secundárias, que regem no estado normal certos movimentos musculares voluntários ou involuntários. Assim se a observação do mundo concreto exige que o indivíduo esteja em condições de selecionar as impressões sensoriais necessárias, isso explica por um lado, a adaptação dos órgãos periféricos respectivos, (atitude do tronco, da cabeça, dos globos oculares, por exemplo), e por outro a desordem neste domínio por lesão funcional (inibição, v.g.) ou anatômica do órgão intelectual em apreço. O investigador não prevenido suporá nessas condições – e é ocorrência quotidiana – que a referida zona cortical seja um centro motor para com este ou aquele território somático. Nesse terreno, como se vê, há muito que desbastar. 

A desordem isolada ou complexa das diferentes funções intelectuais pode assim ser posta em evidência mesmo nas observações clínicas cujo autor não as considerara, conforme procuramos mostrar no trabalho presente. Ela se traduz em síndrome mental, cuja fisionomia clínica depende da topografia e da extensão das lesões corticais, ou, em outras palavras, da atribuição e do número de órgãos frontais atingidos. 

Encontradiço, como lembramos em outra publicação (104) e como a atual exposição faz ver melhor, é tal síndrome realizado de preferência nas psicopatias por lesão em foco. Frequentemente aos sintomas puramente intelectuais acrescem desordens da afetividade ou do caráter por efeito das conexões anatômicas a que aludimos; ou então, as de ordem neurológica, sobre algumas das quais também já falamos, e que atingem a tonicidade muscular (hipertonia, rigidez) a motricidade (perda do equilíbrio, ataxia, paralisias, paresias, apraxias, convulsões epileptiformes), a sensibilidade (parestesias). 

Mesmo limitado às funções intelectuais, a síndrome pode ser completa ou parcial. Se estiver comprometida apenas a contemplação, haverá desorientação no espaço e no meio (deficiência da observação concreta) ou quanto ao tempo (da abstrata), ou ainda apatia, rebaixamento da “orientação alopsíquica”, restrição do campo das ideias, amnesia, se ambas se acham deficientes. Por lesão dos órgãos meditativos sobrevém contradições, incoerências, fabulação (raciocínio indutivo) como também déficit assemântico, o falso reconhecimento (dedução), e a perda ou a alteração da própria identidade (ambas as funções). Atingidas todas essas funções de elaboração, o quadro psiquiátrico é o demencial, cujo aspecto ainda varia consoante o grau do comprometimento dos distintos territórios frontais. Nestas condições haverá evidentemente repercussão desses distúrbios sobre a capacidade de expressão. Esta última pode ademais apresentar-se alterada de per si, de uma forma ou de outra, sua manifestação mórbida consistirá, por exemplo, nas várias modalidades de afasia, em mutismo, em acalculia, em perda da exteriorização mímica ou gráfica. 

Sem dúvida a coligenda de fatos clínicos e anatômicos não poderá ser inteiramente satisfatória pelo número e pela qualidade, enquanto os pesquisadores não houverem assimilado em toda sua plenitude o método subjetivo. Mas a simples digressão pelo campo das sucessivas indagações da escola anatômica evidencia que a orientação geral se acentua rapidamente nessa diretriz. 

SUMMARY

O A. recapitula os trabalhos que têm focalizado a correlação entre a inteligência e o lobo frontal, desde os primitivos, de ordem filosófica, até os que recorrem à morfologia e à anatomia comparadas; detém-se especialmente nas recentes pesquisas arquitetônicas (Economo, O. Vogt, Rose). Depois de fazer a crítica dos que aceitam o paralelismo e dos que o negam, conclui pela dependência das funções intelectuais para com a região pré-frontal. 

Entretanto, os dados anatômicos não bastam para conduzir à localização dessas funções. É preciso conhecê-las previamente, isto é, decompô-las nas categorias irredutíveis. Mostra o A. que esta operação custou grandes esforços à coletividade humana, a qual só chegou à conclusão definitiva após séculos de tentativas e de soluções prematuras. Deixa para outro artigo o desenvolvimento desta questão, e focaliza somente as linhas gerais, quanto á inteligência.

 Da Enciclopédia do século XVIII faz derivar as três escolas atuais, a psicológica, a anátomo-clínica e a que recorre ao método subjetivo. Comenta os numerosos trabalhos até as mais recentes observações neuropsiquiátricas do após-guerra. Analisa também, rapidamente, as produções da escola psicológica (as clássicas, a dos psicanalistas, as pavlovianas). Alude a seguir ao rumo que tomaram os estudos anátomo-clínicos, cujo resultado foi demolir a teoria dos “centros” cerebrais (v. Monakow, Sciamanna, Brugia, entre outros).

Faz ver o A. como os dados objetivos, experimentais e clínicos, ao mesmo tempo que infirmam o “centrismo”, vêm em apoio da terceira escola antes aludida. Esta divide as manifestações da alma humana em sentimentos (afetividade), atividade e inteligência. Neste último domínio as funções simples são a observação, concreta e abstrata, a meditação, – indutiva e dedutiva, e a expressão (linguagem) verbal, gráfica ou mímica. Os órgãos que desempenham estas funções mantêm conexões com os de outras regiões corticais e com os núcleos cinzentos da base, fato que é essencial para se compreender a fisiologia do cérebro. 

Tais órgãos, passíveis de localização, foram situados segundo o método subjetivo, método este que encontra aplicação crescente nas próprias investigações anátomo-clínicas e experimentais. Ele só foi, porém, empregado de maneira perfeitamente científica, sistematizado, por Augusto Comte. O A. mostra como as pesquisas citoarquitetônicas e mieloarquitetônicas vêm confirmar as sedes relativas indicadas por aquele filósofo; são analisados principalmente os estudos anátomo-clínicos de Kleist e de Rose.

 Lesões do córtex frontal realizam, conforme a extensão e a topografia, mais ou menos completamente a síndrome do lobo frontal, cuja expressão clínica depende, assim dos órgãos atingidos. Devido às conexões anatômicas raramente a sintomatologia é de ordem intelectual exclusivamente. Quase sempre a ela se associam desordens da afetividade, ou da iniciativa, ou perturbações neurológicas.

LE FUNZIONI DEL LOBO FRONTALE

RIASSUNTO

L’autore ricapitola i lavori che focalizzano le relazioni tra l’intelligenza ed il lobo frontale, sin dai primitivi di ordine filosofica, fino a coloro che ricorsero alla morfologia ed all’anatomia comparate. Si trattiene specialmente alle recenti ricerche architettoniche (Economo, O. Vogt, Rose). Dopo aver criticato coloro che accettano il parallelismo e coloro che lo negano conclude con la dipendenza delle funzioni intellettuali dalla regione frontale. Frattanto i dati anatomici non bastano a condurre alla localizzazione di queste funzioni. È necessario conoscerle prima, cioè, scomporle in categorie irreducibile. 

Riferisce l’autore come quest’opera costò grandi sforzi alla collettività umana, la quale giunse a conclusioni definitive soltanto dopo secoli di tentativi e soluzioni premature. Lascia lo svolgimento di questa questione ad un altro articolo e focalizza soltanto le linee generali quanto all’intelligenza.

Dall’Enciclopedia del secolo XVIII fa derivare le tre scuole attuali: la psicologica, l’anatomo-clinica e quella che ricorre al metodo soggettivo. Commenta i numerosi lavori della scuola obbiettivista, a partire dall’esperienza con l’eccitabilità elettrica e le mutilazioni fino alle più recenti osservazioni neuro-psichiatriche del dopo guerra. Analizza rapidamente anche le produzioni della scuola psicologica (le classiche, quelle dei psicanalisti, le pavolviane). Allude in seguito al cammino preso dagli studi anatomo-clinici, da cui risulta la demolizione della teoria dai centri cerebrali (v. Monakow, Sciamanna, Brugia ed altri).

Dimostra l’autore come i dati obbiettivi, sperimentali e clinici, mentre incriminano il “centrismo”, vengono in appoggio alla terza scuola a cui già fece allusione. Questa divide le manifestazioni dell’anima in sentimenti (affettività), attività ed intelligenza. In quest’ultimo dominio le funzioni semplici sono l’osservazione concreta ed astratta, la meditazione induttiva e deduttiva e l’espressione (linguaggio) verbale, grafica e mimica. Gli organi adibiti a queste funzioni mantengono connessioni con quelle delle altre regioni corticali e con i nuclei griggi della base, fatto essenziale per la comprensione della fisiologia del cervello.

Tali organi, passibili di essere localizzati furono situati secondo il metodo soggettivo, metodo questo che trova applicazione sempre crescente nelle proprie ricerche anatomo-cliniche e sperimentali. È stato impiegato in modo perfettamente scientifico, sistematizzato da Augusto Comte.

L’autore dimostra come le ricerche citoarchtettoniche e mieloarchitettoniche vengano a confermare le relative sedi indicati da quel Filosofo; sono analizzati principalmente gli studi anatomo-clinici del Kleist e del Rose.

Lesioni della corteccia frontale producono più o meno completamente, a seconda dell’estensione e della topografia, la sindrome del lobo frontale, la cui manifestazione clinica dipende dagli organi colpiti. Dovuto alle connessioni anatomiche, raramente la sintomatologia è esclusivamente di ordine intellettuale; quasi sempre ad essa si associano disturbi dell’affettività, oppure dell’iniziativa oppure neurologici. 

LES FONCTIONS DU LOBE FRONTAL

RÉSUMÉ

L’A. passe en revue les études qui ont recherché les rapports entre le lobe frontal et l’intelligence, dès les primitives, toutes d’ordre philosophiques jusqu’à celles qui tiennent à la morphologie et à l’anatomie comparée ; il s’arrête surtout sur les recherches cytoarchitéctoniques (Economo, O. Vogt, Rose). Après avoir critiqué celles qui admettent ce parallélisme et celles que le dénient, l’A. conclue par la dépendance des fonctions intellectuelles envers la région préfrontale.

Cependant, les données anatomiques ne suffisent pas pour localiser les dites fonctions. Il faut les bien connaître d’avance, c’est-à-dire, les décomposer auparavant en des catégories irréductibles. Cette opération a couté de grands efforts au genre humain, qui y est parvenu seulement après de successifs essais et de solutions prématurées. L’A. se réserve de développer cela dans un autre article, et le met au point seulement en grandes lignes, à l’égard de l’intelligence. 

De l’Encyclopédie du XVIIe. Siècle proviennent, selon l’A., les trois écoles d’aujourd’hui : la psychologique, l’anatomo-clinique et celle qui se vaut de la méthode subjective. L’A. analyse les nombreux travaux parus dans l’école anatomique, depuis les premières expériences sur l’excitabilité électrique et les mutilations, jusqu’aux plus récentes observations neuropsychiatriques de après-guerre, il apprécie en outre, rapidement, l’œuvre de l’école psychologique (classique, psychanalytique, pawlowienne) ; il fait voir ensuite que les recherches anatomo-cliniques ont abouti à l’écroulement de la doctrine des « centres » cérébraux (v. Monakow, Sciamanna, Brugia). 

L’A. montre comment les données objectives, aussi bien expérimentales que cliniques, tout en infirment le « centrisme », viennent à l’appui de la troisième école ci-dessus. D’après celle-là, l’âme humaine se compose de sentiments (affectivité), d’activité et d’intelligence. Dans ce dernier domaine les fonctions simples sont : l’observation (langage) verbale, graphique ou mimique. Les organes qui les accomplissent ont des connexions avec les autres régions corticales et avec les ganglions de la base, ce qui est fondamental pour bien comprendre la physiologie du cerveau.

De tels organes, passibles d’être localisés, l’ont été d’après la méthode subjective, laquelle trouve un emploi toujours croissant dans les recherches anatomo-cliniques et expérimentales elles-mêmes. Seul Auguste Comte l’a, pourtant, employée de façon tout-à fait scientifique, systématisée. L’A. dit jusqu’à quel point les recherches cytoarchitectoniques et myéloarchitectoniques confirment les sièges relatifs que ce Philosophe a établi ; parmi celles-là les études anatomo-clinique de Kleist et de Rose sont analysées davantage.

Des lésions de l’écorce frontale réalisent, par leur extension et topographie, plus ou moins au complet le syndrome du lobe frontal, dont l’expression clinique se rallie ainsi aux organes qui y sont frappés. Du fait des connexions anatomiques la symptomatologie d’ordre intellectuel exclusif apparaît très rarement. Elle s’assemble presque toujours à des troubles de l’affectivité ou bien du caractère, ou encore à des troubles neurologiques. 

THE FUNCTIONS OF THE FRONTAL LOBE

SUMMARY

The Author resumes the works that have focused the mutual reactions between intelligence and the frontal lobe, beginning from the earliest theories, of a philosophical nature, until those standing for comparative morphology and anatomy. He specially dwells upon the recent architectonic researches, after Economus, Vogt, Rose, etc. After he has considered the authors who accept parallelism and those who deny it, he concludes that intellectual functions depend upon the frontal region.

In the meanwhile, anatomical features are not sufficient to lead to the localization of these functions. These, it is necessary to know previously, so as to be able to class them into irreducible categories. This operation, as the A. shows, coasted great efforts to humankind who only arrived to a definite conclusion after centuries of trials and rash solutions.

The matter will be developed more at large in another article. In this paper the Author only wishes to focus the general lines as far as intelligence is concerned. 

Today’s three schools, says the Author, namely the psychological, the clinical-anatomic and the school that stands for the subjective method proceed from the Encyclopedia of the 18th century. He illustrates numerous works of the objective school, beginning from the experience with excitability and mutilations, until the most recent, post-war, neuropsychiatric observations. Also, he rapidly goes over the produces of the psychological schools (classic, psychoanalyst and Paulow’s). He points next at the course taken by clinical-anatomic studies, the result of which was the demolition of the theory on cerebral “centers”. (v. Monakow, Sciamanna, Brugia amongst others).

The Author shows how the objective, experimental and clinical data, while they weaken the theory of “cerebral centers”, stay in support of the third of the afore mentioned schools. This divides the manifestations of the human mind into: affects, activity and intelligence. In this last domain the simple functions are: concrete and abstract observation, inductive and deductive meditation, and expression (speech); the latter being either verbal, graphic or mimical. The organs that perform these functions are connected with those of other cortical regions, and with the gray centers (nucleus) of the basis. This fact is essential for the comprehension of the brain’s physiology. 

These organs, susceptible of being localized, were placed according to the subjective method, which meets with an increasing application in clinical-anatomic and experimental investigations.

This method, though, was employed in a thoroughly scientific and systematic way by Auguste Comte only. The Author shows that the cytoarchitectonic and myeloarchtectonic researches come to ratify their pertinent sees pointed out by that Philosopher. Kleist’s and Rose’s anatomical and clinical studies are chiefly a matter for special analysis. 

The injuries of the frontal cortex realize the syndrome more or less completely, according to extension and topography. The clinical expression of the syndrome is so subject to the injured organs. Owing to the anatomical connections, the symptomatology is seldom of an intellectual character exclusively. It is almost always associated with disorderly affects, troubles of the initiative or neurological disturbances. 

DIE STIRNLAPPENFUNKTIONEN

ZUSAMMENFASSUNG

Der Vefasser gibt eine kurze uebersicht ueber die Arbeiten, die sich mit den Welchselbeziehungen zwischen Intelligenz und Stirnhirn beschaeftigen, so die primitiven Anschauungen philosophiscer Art bis zu den neueren, die sich auf die vergleichende Morphologie und Anatomie stuetzen; er beruecksichtigt besonders die neueren archtectonischen Forschungen (Economo, Vogt, Rose). Nach einer Kritik der Anschauungen, die einen Parallelismus anehmen, und der gegnteilgen, die ihn verwerfen, schliesst er zu Gunsten der Abhaengigkeit der Intellektuellen Faehigkeiten von der paefrontalen Gegend. 

Die anatomischen Ergebnisse sind jedoch nicht ausreichend, um diese Funktionen zu lokalisieren. Es ist noetig, sie im voraus erkannt zu haven, das heisst, sie in ihre elemetaren Bestandteile zu zerlegen. Verf, legt dar, dass dieses unternehmen der menschlichen Froschung grosse Mueben bereitet hat. Erst nach Jahrhunderten langwieriger Versuche und nach voreiligen Annahmen gelangteman zu definitiven Schuessen. Verf, wier in einer spaeteren Arbeit auf die Entwicklung dieser Frage zurueckkomen und eroertert zunaechst die aligemeinen Richtilinien hinsichlich der Intelligenz. 

Von der enzyklopaedischen Schule des 18. Jahrhunderts leiten sich die drei herrschenden Schulen ab, die psychologische, die anatomisch-klinische und die der subjektiven Methode. Verf, erwaehnt die zahlreichen Arbeiten der objektivistischen Schule, beinnend mit der Erregbarkeit und den Mutilationen bis zu den modernen neuropsychiatrischen Erfahrungen der Nachtkriegszeit. Verf, analysiert ebenfalls kurz die Ergebnisse der psychologischen Schule (klassische, psychoanalytische, Pawlowsche Schule) und bezieht sich ferner auf die Richtung, die die anatomisch-klinischen Forschungen nahmen, deren Ergebnisse die Theorie der zerebralen „Zentren“ umstiessen (v. Monakow, Sciamanna, Brugia u. Andere).

Verf, erkaert wie die objektiven, experimentellen und klinischen Beobachtungen zur Stuetze der dritten oben erwachnten Schule dienen, indem sie zu gleicher Zeit den „Zentrismus“ entkraeften. Diese dritte Schule teilt die Aeusserungen der menschlichen Seele in Empfindungen (Affektivitaet), Aktivitaet und Intelligenz. Auf diesem letzten Gebiet sind als einfact Funktionen zu belrachten: die kondrete und abstrakte Beobachtund, die induktive und deduktive Urteilfassung (Meditation) und der sprachliche, graphische und mimische Ausdruck. Die Organe, welche Traeger dieser Funktionen sind, unterhalten Verbindungen mit den Organen anderer kortikaler Gegenden und mit den grauen Kernen der Basis, eine Tatsche, die fuer das Verstaendnis der Physiologie des Grosshirns wesentlich ist. 

Diese der Lokalisationsforschung zugaenglichen Organe wunden mittels der subjektiven Methode ermittelt, welche wachsende Anwendung selbst bei den anatomisch-klinischen und experimentellen Forschungen findet. Diese Methode wurde jedoch in vollkommen wissenschaftlicher Weise und systematisch schon von Auguste Comte angewandt. Verf, weist nach, dass die cytoarehitektonischen und myeoloarchitektonischen Nachforschungen die betreffenden, von jenem Philosophen angegebenen Lokalisationen bestaetigen; besonders die anatomischen und klinischen Untersuchungen Kleists und Roses werden analysiert.

Verletzungen des Stirnhirns bestimmen je nach ihrer Ausdehnung und Topographie die Art, in welcher das Stirnhirnsyndrom klinisch sich aeussert; sein klinischer Ausdruck haeng von den betroffenen Organen ab. Infolge der anatomischen Zusammenhaenge ist die Symptomatologie in seltenen Faellen rein intelledktueller Art. Fast immer gesellen sich ihr Stoerungen der Affektivitaet, der Initiative oder neurologischer Art bei. 

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