Comparação das Teorias da Personalidade

COMPARAÇÃO DAS TEORIAS DA PERSONALIDADE¹

Entre as teorias de Comte, von Monakow e Freud há muitas analogias, pois todos visaram o estudo objetivo da personalidade. Por outro lado, as diferenças são essenciais.

Fundamentalmente, todas elas apresentam a mesma divisão da personalidade: três setores (afetividade, atividade e inteligência, segundo Comte), três instâncias (Id, Ego e Superego, segundo Freud), três fases (Horme, hormetérios e nou-hormetérios, segundo von Monakow). 

Nas duas últimas existe uma energia inicial indiferenciada, a partir da qual as outras instâncias da personalidade se desenvolveriam.

Na teoria de Comte os três setores não se sucedem dessa forma, mas coexistem inatos. A afetividade é a principal instância: dela decorrem todos os mecanismos psicológicos, até mesmo o estabelecimento das condições vegetativas do organismo. Essa distinção fundamental nos permite compreender o aprendizado, o amadurecimento mental, o comportamento, o que não é compatível com as ideias de Freud e de von Monakow. Pois se não houver, desde o início, relação intelectual entre a reação afetiva interna e o estímulo conativo, não há possibilidade de aprendizado.

Como admitir essa energia cega instintiva, sem uma direção fixa, que atue de todas as maneiras recebendo o impacto do mundo exterior e a ele se adaptando? Ao mesmo tempo que o indivíduo tem reações instintivas, portanto, não conscientes, não lógicas, que o levam a agir de várias maneiras, há uma reação intelectual a essas funções, uma tentativa de modificação das reações. 

Freud dá um passo extraordinário quando estabelece a existência do instinto sexual inato e, portanto, não introduz isto no organismo pela maturação do indivíduo como pensavam os associacionistas. 

¹Texto organizado por Roberto Fasano, em 2003, a partir de aula proferida por Aníbal Silveira, em 13 de março de 1969 sem referência a local ou de quem a compilou. Revisto em 24/01/22 por integrantes da Comissão de Revisão do CEPAS: Flavio Vivacqua, Francisco Drumond de Moura, Paulo Palladini e Roberto Fasano.

Com relação ao setor da atividade, na Teoria de Comte, esta não corresponde à atividade explícita, mas à parte subjetiva que a determina. É o que corresponde ao conceito de conação na Fenomenologia de MacDougall. 

Comte demonstrou como a afetividade estimula a atividade e inteligência. Por sua vez a inteligência age sobre a afetividade modificando-a continuamente. Todo esse processo é contínuo desde o nascimento até a maturação completa do indivíduo. A reação da inteligência sobre a afetividade chama-se emoção. Essa estimula o contato com o ambiente, de tal forma, que permite o aprendizado. Sem a emoção não podemos ter nenhum interesse pelo mundo exterior. A investigação, a coleta dos dados do mundo exterior, que se faz no plano intelectual, reagem sobre a afetividade determinando a emoção. 

Temos, portanto, uma gama muito grande de emoções. Desde a emoção básica fundamental, que é indispensável ao aprendizado, até a emoção que se torna patológica (o pânico, por exemplo, como um estado máximo de reação emocional). 

Mas em todas elas temos um aspecto vegetativo, que varia conforme o ponto de impacto, o sentimento, o instinto que reage dando a reação emocional. Temos, então, dois grupos, o da individualidade e o da sociabilidade. Tanto num como no outro temos reações emocionais que podem ser reais ou fantasiadas. Na fantasia nós temos uma emoção imaginária construída pelo indivíduo, por outro lado, pelo contato afetivo com a realidade exterior temos uma percepção consciente. De um modo ou de outro, temos uma reação afetiva correspondente a isso, é este elemento então que vai dar todo o nosso conhecimento do mundo exterior. A reação emocional não é consciente.  A emoção é um processo dinâmico. Não é uma função, assim como não o é a atenção. Na teoria de Comte cada um dos setores subentende uma correlação cerebral. Função é o trabalho intrínseco de um processo cerebral. Dinamismo é o resultado desse processo. 

Na afetividade temos um grupo básico, o da individualidade, que corresponde aos interesses do indivíduo, e outro grupo, a sociabilidade que pressupõe um conjunto social. O que é básico na afetividade é que há traços comuns a muitos indivíduos da mesma espécie, ao passo que há outros diferenciados que são menos frequentes na população, o que pode ser apreendido nos testes psicológicos. 

Temos os instintos de conservação (nutritivo e sexual), fundamentais para a perpetuação do indivíduo e da espécie, ligados com todos os dinamismos vegetativos. O instinto de conservação de Comte pode ser assimilado à concepção de libido (Freud) ou à Horme (von Monakow). A libido é energia biológica que leva o indivíduo a contactar com todos os tipos de reação e que ninguém situa em nenhuma parte do organismo, assim como a Horme. 

O instinto de conservação pode ser localizado no cérebro, como demonstrou pela anatomia comparada, a neurofisiologia e a patologia. Nessa teoria há um aspecto fundamental: a emoção age sobre a individualidade e a sociabilidade. Como núcleo básico do instinto de conservação, a emoção tem toda ela uma conotação com o funcionamento visceral, a que esse instinto está ligado. Toda resposta visceral que acompanha a emoção é um correlato decorrente da influência dessa função afetiva. 

A emoção, agindo sobre a sociabilidade, provoca reações que traduzem o lado vegetativo ligado com expressões socializadas primitivas (lágrimas, suspiros, riso). O amadurecimento psicológico se faz pela subordinação da individualidade à sociabilidade. No início, Comte deu mais importância à reação intelectual. Mais tarde reformulou a sua teoria e inverteu o valor, tornando a esfera afetiva como fundamental. 

Na individualidade temos o aperfeiçoamento, a ambição, e a conservação que visa a preservação do indivíduo e da espécie. O aperfeiçoamento corresponde a dois instintos: destruição e construção. 

Na sociabilidade temos três funções básicos: apego, veneração e bondade, que é o mais geral de todos e que estimula o contato com o mundo exterior. Ao nascer a criança tem a sociabilidade sem função, mas essa já existe desde o início, no grupo da sociabilidade. 

Os aspectos da ambição são dois: necessidade de domínio e necessidade de aprovação, ligados à sociabilidade. Na conação temos dois níveis: o da firmeza que permite manter a ação, e o da atividade que estimulará ou refreará a ação. Sem a firmeza e a atividade não pode haver trabalho mental. É necessário que, desde o início da vida, a inteligência esteja presente e mantida pela conação. 

Na inteligência, temos três níveis: um básico, a observação, a elaboração ou meditação e a expressão. Comte demonstrou, pela primeira vez, que essas três funções são os meios de contato com a realidade, isto é, partimos da observação dos dados, os elaboramos, e na expressão há uma relação ainda mais diferenciada.

A expressão exige um órgão à parte, pois Comte mostrou que só a meditação e a observação não podem proceder a dois tipos de ligação diversos – de apanhar os dados, elaborá-los e abstrair de tal forma que possa comunicar com o mundo exterior. 

Se nós compararmos, na série zoológica, o comportamento dos indivíduos, vamos ver que esses elementos se manifestam claramente. A questão é termos meios para verificar e relacionar o comportamento observado com a parte subjetiva correspondente. Foi isso que trouxe discordância entre os autores. Wundt reduzia as funções psicológicas a elementos estanques, agindo cada um deles por sua conta. O comportamentalismo foi uma tendência para mostrar que isso era um erro de apreciação, que era necessário observar o comportamento do animal para concluir como se integra a sua vida psíquica. Isto foi um exagero no sentido de transformar a ciência psicológica em ciência de observação. 

Depois a escola de MacDougall procurou combater Watson e o comportamentalismo, mostrando o aspecto dinâmico do indivíduo, a subjetividade que leva a esse comportamento.

Então, só podemos interpretar o comportamento, segundo Watson, através dos dados subjetivos do animal em observação. 

Na verdade, devemos compreender esse comportamento levando em conta a espontaneidade do indivíduo, o elemento subjetivo que lhe permite reagir desta ou daquela maneira ao estímulo do meio.

Outra diferença essencial é que os dinamismos subjetivos, que correspondem à estrutura da personalidade, só podem ser interpretados em correlação com o funcionamento cerebral na teoria de Comte.