Teoria do Instinto segundo Comte e Silveira1
(Lúcia Maria Salvia Coelho)
- Considerações fundamentais:
- Construção teórica que procura representar um fenômeno subjetivo preciso, decorrente do funcionamento cerebral ou de organização neural do animal.
- Instintos correspondem a impulsos internos, subjetivos e peculiares a uma determinada espécie. Ao nível somático estes impulsos decorrem de processos objetivos neurofisiológicos e bioquímicos, coordenados por órgãos cerebrais específicos. Os instintos são as expressões subjetivas que apresentam a correlação de ordem mais direta do nível biológico com o psicológico.
- As funções instintivas ao lado das funções da sociabilidade compõem o setor da personalidade que denominamos afetividade. Este conjunto de funções impele continuadamente o indivíduo humano a satisfazer as necessidades da própria existência e a adaptar-se harmonicamente aos interesses gregários ou sociais.
- As funções instintivas são as funções psíquicas básicas e proveem a possiblidade do indivíduo viver e conservar-se. Estas funções cuja ação pode se desenrolar no próprio indivíduo mantendo um contacto apenas indireto com o ambiente social, através da inteligência e da conação, difere das demais funções psíquicas que subentendem necessariamente a participação do ambiente físico e social. A origem interna dos instintos, liga-se a fatores objetivos orgânicos, determina reações específicas do indivíduo, impelindo-o a agir, a pensar e a integrar-se no ambiente social. Este impulso em si mesmo não é suficiente embora necessário, para produzir o comportamento. Faz-se necessária a colaboração das demais funções psíquicas e das condições ambientais.
- As funções instintivas são inatas e autônomas em relação à inteligência, entretanto elas necessitam de um certo grau de participação das funções intelectuais e das conativas para se expressarem como “comportamento instintivo”, em decorrência, o comportamento instintivo é passível de sofrer a influência do ambiente, e admite uma certa gama de variedade em sua expressão.
Observamos que o indivíduo é impulsionado por reações subjetivas instintivas (não conscientes e não passíveis de elaboração lógica) a agir no ambiente para satisfazer suas necessidades. Mas a expressão desta reação depende em parte da participação intelectual que permite a modificação e a adaptação das reações às condições ambientais. A intervenção intelectual será tanto mais significativa quanto mais evoluída for a espécie considerada.
Devemos, portanto, distinguir “instintos” – enquanto funções subjetivas ligadas às funções cerebrais – de “comportamento instintivo”, expressão manifesta destes impulsos, mas que depende da contribuição das demais funções psíquicas. Assim, por exemplo, o comportamento instintivo descrito como “fome” ou “sede” são necessidades que resultam da carência do processo nutritivo, a qual por atingir uma certa intensidade é reconhecida conscientemente como tal.
- Ao mesmo tempo que as funções afetivo-instintivas são influenciadas diretamente pelas noções intelectuais (processo emocional básico) e indiretamente pelas funções conativas (que promovem o desencadeamento coordenado do ato instintivo), os instintos estimulam todas as funções psíquicas.
Assim, eles estimulam diretamente o trabalho mental: determinado o interesse elementar pelo ambiente, e igualmente as funções conativas: fornecendo a energia, isto é, as motivações básicas indispensáveis para o desencadeamento da ação explícita.
- A inter-relação, que se estabelece desde cedo, entre as funções psíquicas dão uma aparente homogeneidade ao comportamento individual. Entretanto, em condições patológicas, quer orgânicas, quer dinâmicas, esta harmonia se rompe evidenciando a natureza diversa de cada um dos componentes envolvidos no comportamento. Justifica-se assim a necessidade de codificarmos os fenômenos subjetivos de modo a permitir a realização de investigações positivas sobre os processos correspondentes. Daí a distinção estabelecida entre instintos, conação e inteligência. Ela é apenas possível de ser feita através de resultado do funcionamento de cada uma delas, isto é, do dinamismo objetivado no ambiente externo. O resultado das funções instintivas e das funções dos sentimentos – pertencentes ao setor afetivo – corresponde à integração básica, necessária a sobrevivência individual e da espécie (instintos) e ao estabelecimento progressivo do relacionamento interpessoal, em termos de subordinação e a seguir de relativa autonomia do meio social (sentimentos). O resultado das funções intelectivas corresponde à adaptação sensorial, à elaboração de dados e a expressão da concepção – permitindo o contato e a elaboração da noção humana de realidade e ao mesmo tempo a adaptação correspondente. A atuação das funções conativas permite a exteriorização coordenada das intenções em atos e em gestos e promove a estabilização da atenção para o trabalho mental.
- Os impulsos instintivos atuam durante toda a existência individual, entretanto eles se exprimem de modo diverso conforme a fase de amadurecimento psicológico. Os instintos de conservação prevalecem e caracterizam as primeiras reações da criança com os demais. À medida que novas funções se desenvolvem elas passam a dominar o relacionamento do indivíduo com o ambiente e consigo próprio, embora permaneça o influxo das funções primordiais das fases anteriores.
- Concepção de Instinto
“Conjunto de funções subjetivas que preside a formação do indivíduo e a manutenção dos processos vitais indispensáveis à sua própria sobrevivência e à da espécie. Estas funções estimulam todas as outras funções psíquicas no processo contínuo de integração do indivíduo ao ambiente físico e social”.
- Classificação
A classificação dos diferentes instintos é feita segundo dois critérios convergentes:
- Quanto ao significado de sua expressão no ser humano, permitindo a distinção de dois níveis: 1. °) nível básico, ligado à conservação da existência física individual e que corresponde ao instinto nutritivo. E, os instintos que permitem a conservação da espécie: sexual e materno. Estes 3 instintos são funções quase originam no próprio indivíduo e permitem a satisfação de impulsos pessoais.
- O nível mais diferenciado que permite o aperfeiçoamento do ser humano corresponde às funções intermediárias entre a individualidade e a sociabilidade e que se expressam de modo diverso aos anteriores pois que ela se faz concomitantemente ao relativo amadurecimento da capacidade conativa e do trabalho intelectual. A esse nível devemos distinguir os instintos de construção e de destruição, das outras funções também elementares, mas que, por suporem a participação de relacionamento interpessoal, devem ser designadas como necessidades. Essas necessidades subjetivas foram designadas por Comte como ambição e se traduzem sucessivamente como necessidade de domínio e como necessidade de aprovação e são mais influenciadas que as anteriores, pelos sentimentos sociais. O 2. ° critério à classificação corresponde à identificação do substrato cerebral básico “órgão” e dos sistemas psíquicos responsáveis pelo processo definidor de cada instinto.
A classificação dos instintos tal como ela é feita na teoria positivista não aceita o critério funcionalista que confunde a evidência de uma finalidade imediata e evidente com a delimitação de um instinto e nem se limita a descrever uma série de comportamentos instintivos que neste caso seriam interpretados erroneamente como funções distintas. Tal critério é adotado por McDougall que enumera instintos de fome, de sede, de busca de refúgio etc. Tais reações decorre do impulso nutritivo. Mas são comportamentos intencionais orientado por decisões intelectuais.
- Apostila elaborada para servir aos médicos residentes em Psiquiatria do Hospital do Juqueri, durante o ano de 1980. Colaboraram na confecção Daisy L. Cenachi e Charles Oswald Sardemberg Evans Neto. Trata-se de uma apostila incluída num grupo de apostilas sobre a Teoria de Personalidade, organizadas pela Dra. Lucia Coelho. Eu, Roberto Fazzani redigitalizei e formatei as mesmas. Muitas delas, no entanto, foram consideradas pela autora como ultrapassadas pois ela já reescreveu e elaborou o tema em outros artigos. ↩︎