ENCEFALITE EPIDÊMICA, NA FASE RESIDUAL: IMPLICAÇÕES TARDIAS DA OCORRÊNCIA NA INFÂNCIA1
Vamos discutir o quadro da encefalite epidêmica, uma das ocorrências mais importantes no campo da neurologia e da psiquiatria. Os autores em geral a denominam de Encefalite de von Economo, porque realmente quem descreveu esse quadro foi von Economo, que era, como todo professor de psiquiatria nos países de língua germânica, anatomopatologista, neurologista e psiquiatra. Ele estudou, em 1918, a epidemia de encefalite que ocorreu na Europa – não só em Viena, mas em várias regiões europeias -, achando que havia muita semelhança com a encefalite conhecida na África, que decorria de uma infecção transmitida pela mosca tsé-tsé. Essa infecção, pelo tripanosoma, produzia uma reação de sonolência e de letargia. O paciente ficava praticamente incapaz de manter uma atividade contínua, porque a sonolência era frequente e persistente. Desse modo, ele notou que havia muita semelhança clínica entre a Encefalite Epidêmica e a Doença do Sono (assim chamada na África). Em suas pesquisas, de fato, encontrou muita semelhança anatomopatológica. Apenas, ao invés de ser uma infestação – que dá uma reação mais intensa-, era local: havia focos pequenos disseminados. Mas a zona de alteração do cérebro era praticamente a mesma. Assim, publicou uma monografia em 1918, sobre a denominada Encefalite Letárgica – letárgica, porque era exatamente o ponto de concordância ou de convergência entre ambas as doenças.
Na sequência essa doença ocorreu em vários países, o que propiciou uma ampliação do conhecimento sobre ela, já denominada de Encefalite Epidêmica. Na atualidade, os autores preferem a denominação de Encefalite de von Economo, porque nem em todos os casos há letargia. Alguns casos começam com uma cefaleia, com uma dor preferentemente na nuca, uma dor geral, assim como uma irritabilidade e em vez de letargia, há insônia. O que caracteriza nesse caso é a insônia e não a hipersonia. São dois aspectos que estão ligados entre si através desse dinamismo do sono e vigília. Von Economo mostrou também que naqueles casos em que havia letargia, havia alterações de zonas posteriores da substância cinzenta central, do tronco cerebral. Quando havia insônia era a parte anterior que estava alterada. Desse modo, naquele contexto, houve uma tentativa de filiar o quadro clínico a esse substrato anatomopatológico. Isso foi bem evidenciado e confirmado por outros autores.
Também naquele contexto, surgiram vários casos de uma outra epidemia encefalítica, mas não do tipo da Encefalite Letárgica, mas secundária à coqueluche, por exemplo: nesse caso, o vírus da influenza produzia alterações que se distinguiam, tanto do ponto de vista da localização das alterações cerebrais, quanto do quadro clínico, daquilo que caracterizava a Encefalite de von Economo.
A Encefalite de von Economo se caracterizava por, primeiramente, atingir a substância cinzenta central, ao redor do terceiro e do quarto ventrículo, principalmente. Atinge o tronco cerebral, no nível da emergência de importantes nervos cranianos, especialmente o VIII, o IV par, o VI motor ocular externo e o III, que é o motor ocular externo comum, acarretando sintomas que são muito específicos na Encefalite de von Economo.
Nas outras formas de encefalite não houve esse comprometimento localizado, nessa zona particular do tronco cerebral, o que implicou sintomas diferentes, sintomas diversos. Por exemplo, a encefalite produzida pela influenza começa, quase, como uma Encefalite de von Economo, mas produz, no processo evolutivo, uma irritação muito grande, uma cefaleia muito intensa, uma intranquilidade do paciente e depois uma perda progressiva da capacidade de raciocínio, de memória, de modo que se confunde, clinicamente, com aquele quadro de encefalite de Korsakoff – perda de memória e fabulação em consequência disso. O quadro clínico se instala rapidamente, com muita gravidade e, quase sempre, com êxito letal. Nesses casos, ocorrem efusões hemorrágicas que atingem não só zonas diencefálicas, do sistema nervoso central, mas também zonas do córtex cerebral.
Há outras formas de encefalite que também atingem o córtex cerebral, por exemplo, a relacionada com o vírus vacínico: há comprometimento, principalmente, do córtex e não da parte sub-cortical, ao nível dos núcleos da base.
Assim, há uma série de quadros de encefalite que se filiam ao termo geral de encefalite, que é infecto-contagiosa mas, que traduzem lesões diretas do cérebro, que se distinguem pela localização do processo inflamatório e, às vezes, não só pela localização, mas pelo tipo do processo inflamatório: hemorrágico, por exemplo, vascular de preferência, ao passo que a encefalite de von Economo trazia alterações discretas, que se localizavam em zonas subcorticais.
Portanto, cumpre ressaltar o colorido clínico distinto, relacionado com a diversidade da área cerebral atingida em cada processo.
Outra importante particularidade clínica da Encefalite de von Economo é que depois que passa a encefalite, resta pouca coisa: a sonolência ou a insônia, quando é o caso. Às vezes uma ptose palpebral, que também é evidente já na fase aguda, mas tem um decurso silencioso, do ponto de vista clínico. Passa, frequentemente, como uma gripe, ao passo que as outras decorrem com febre elevada, com manifestações intensas, tremores, calafrios, como qualquer infecção aguda intensa, de modo que chama logo a atenção das pessoas, dos circunstantes. Cumpre relembrar, também, a sua particularidade de produzir sintomas oculares, pelo comprometimento da inervação da musculatura intrínseca e extrínseca dos globos oculares.
Uma característica observada com muita frequência são as crises oculógiras. Isto é muito característico na encefalite epidêmica. Isso é muitas vezes tomado como sintoma histérico, se o psiquiatra não estiver atento, não procurar analisar os sintomas e ver a que tipo corresponde, muitas vezes, toma como sendo uma paralisia histérica, uma queixa histérica, porque não encontra nada que justifique o quadro macroscopicamente ou grosseiramente, pelo aspecto neurológico.
Um outro aspecto observado no processo encefalítico é que, por atingir zonas importantes do sistema nervoso central, da motilidade, da estática, dos sistemas de relação e de regência da motricidade e do tônus, acarreta, às vezes, o que se chama inervação paradoxal. Assim, o indivíduo quer ir para a frente, mas ele vai caminhando para traz, manifestando um aspecto que parece pitiático. Ou então, o indivíduo tem uma crise oculógira por exemplo, ou uma crise de ptose palpebral, não conseguindo abrir os olhos e fixar o olhar: no entanto, se ele esfregar o dorso da mão, por exemplo, ou o polegar, desaparece essa crise.
Esse aspecto dá um colorido que parece pitiático, mas o neurologista, frequentemente, deixa de rotular esses pacientes como encefalíticos ou como pós-encefalíticos, porque isso parece uma coisa psicológica: como é que esfregando a mão com o polegar desaparece o sintoma? Isto decorre da inervação paradoxal, porque se trata de um reflexo que inibe essa motilidade anormal, a partir de uma outra superfície de estímulo, que no caso, é cutânea. É muito frequente isso; o primeiro caso que eu vi desse tipo foi com o Prof. Vampré. E me lembro de um paciente que ele apresentou, que até foi filmado, porque parecia pitiático. Ele tinha a crise oculógira e então ele esfregava a mão com o polegar: a crise desaparecia, começava fixar o olhar e dizia que estava vendo. Parecia que era um comportamento pitiático, mas na realidade é um sintoma tipico da encefalite.
Esse dinamismo anômalo traduz uma inervação que é patológica e que aparece espontaneamente. Um estímulo diverso consegue inibir esse dinamismo patológico. No caso, isto decorre da inervação cutânea, que tem através dos somitos somáticos uma relação com o sistema nervoso central. A estimulação dessa área produz esse efeito que parece estranho, absurdo, de inibir um processo patológico. Mas não se trata de qualquer área, é um dinamismo específico: o paciente logo reconhece ou, às vezes, por casualidade, consegue identificar a zona de reflexo que produz essa inibição. Essa zona pode ter uma variação de pessoa para pessoa. De qualquer forma, cumpre ter uma atitude cuidadosa, não rotular logo uma coisa dessa, estranha, como sendo histeria ou pitiatismo.
Essa questão da localização variável, de pessoa para pessoa, essa singularidade é que torna um quadro clínico muito mais complexo e variável. Na antiga psiquiatria francesa, dizia-se que a encefalite era o Proteus da medicina, porque assume todas as formas. Muda completamente de um caso para outro e no mesmo paciente muda de uma época para outra.
Assim, sob o aspecto da descrição dos sintomas que aparecem na encefalite, não há nenhum que indique a encefalite, porque tudo aparece. Só em cada caso é que podemos ver que há uma série de sintomas, que correspondem a uma determinada topografia no cérebro, do processo de atingimento cerebral. De qualquer forma, a característica fundamental é essa de atingir, especialmente, o tronco cerebral, a substância cinzenta que envolve o III ventrículo e, em parte, o IV ventrículo.
Figura I – Vista lateral da parte interemisférica (retirado do livro Neuroanatomia de Angelo Machado)
A Figura I apresenta um aspecto lateral, da parte inter-hemisférica. Observamos o hipotálamo, a zona anterior, os núcleos da base, o infundíbulo, a parte optoquiasmática e uma parte do assoalho do 3.º ventrículo, no tronco cerebral. Na parte acima da ponte temos o diencéfalo e pode se observar a substância intermedia, a zona de ligação dos dois tálamos, dos dois hemisférios. Vemos, em seguida, a parte que está abaixo do teto, o tetum do mesencéfalo em que há a lâmina quadrigemia, com os tubérculos quadrigemios, corpos quadrigemios e o assoalho, passando para o aqueduto de Sylvius e ao IV ventrículo.
No caso da Encefalite de von Economo podemos aqui visualizar as várias zonas atingidas: as paredes laterais, atingindo a parte anterior, que correspondiam nos casos anátomo-clínicos, a insônia e, atingindo o assoalho do III ventrículo, passando para o IV, acarretando a letargia ou a hipersonia. Aqui há vários núcleos, que também são atingidos de modo diverso e, essa participação variável de um paciente para outro, acarreta uma variabilidade clínica muito grande, embora não se possa ligar diretamente, os sintomas clínicos à lesão cerebral. Esse é um outro problema, não se pode deduzir a psicopatologia diretamente, nem a patologia nervosa diretamente, da patologia anatômica: são coisas inteiramente distintas, embora haja uma correlação precisa, devido aos dinamismos que partem dessa região atingida.
Figura II – Corte do Encéfalo no sentido frontal (retirado do livro Neuroanatomia de Angelo Machado)
A figura II apresenta um corte no sentido frontal, tomada da parte posterior para a anterior: pode se perceber o quiasma óptico, a zona que corresponde a parte básica temporal, os corpos mamilares, a substância negra, os corpos de Luys. A substância negra é, particularmente, atingida na encefalite de von Economo. O tálamo possui uma parte central, a intermédia, que não é atingida habitualmente, mas o núcleo central, o centro mediano costuma ser atingido, especialmente ao nível da penetração da substância reticular, que parte desses núcleos. Isto acarreta uma alteração que vai traduzir-se como sintoma talâmico.
A substância cinzenta central, localizada em torno do aqueduto de Silvius, é atingida de modo muito característico pela Encefalite de von Economo. O núcleo rubro não costuma ser atingido, mas a alça que liga o núcleo rubro com o cerebelo e com a parte anterior do cérebro é habitualmente atingida. Por essa razão, não há o tremor característico relacionado ao comprometimento do núcleo rubro, o chamado cismo de Benedict – é um tremor muito característico, que é diferente do parkinsoniano -, e que não aparece na encefalite.
Alguns núcleos da base, relacionados com a motilidade, o tálamo, o núcleo lenticular e o núcleo caudado são atingidos de modo diverso pela encefalite. Como esses núcleos regem a motilidade periférica acarretam um quadro motor que não está ligado, diretamente, com o sistema piramidal.
Figura III – Representação esquemática dos principais núcleos do hipotálamo na parede do III ventrículo, vendo-se também o trato hipotálamo-hipofisário. (retirado do livro Neuroanatomia de Angelo Machado)
Na figura 3 podemos observar que no assoalho do terceiro ventrículo há uma porção de núcleos pequenos vegetativos que são importantes para a regência do metabolismo visceral e que são atingidos, preferencialmente, na encefalite.
Figura IV – Núcleos vegetativos do Hipotálamo (em parte, segundo R. Müller)
Na figura 4 podemos apreciar os núcleos vegetativos do assoalho do IV ventrículo, bem como os laterais. Entre os núcleos vegetativos temos aqueles que regem o metabolismo hídrico e salino (parte anterior), temos aqueles que regem a nutrição, em geral (parte posterior), temos os que estão ligados com a vigília e o sono, localizados no assoalho do III ventrículo: a parte anterior, ligada com a insônia, quando há lesão e a parte posterior ligado com a sonolência, com a letargia.
O grupo, também anterior, vinculado à região óptica e mamilo infundibular, rege a ligação com as vísceras e com a formação reticular (vigília). Toda a substância cinzenta está ligada com esse processo metabólico, quer com a vigília por um lado e com o sono, quer com a regência metabólica geral do organismo (outra maneira de manifestar-se o aspecto nutritivo). Como se observa, essa localização do terceiro ventrículo é fundamental para compreendermos o quadro clínico da encefalite epidêmica.
Figura V – Núcleos hipotalâmicos
Na figura V é importante ressaltar que, como essa região é uma zona de passagem dos estímulos cerebelares para regência cortical, ocorrem alterações características nessa regência, especialmente no aspecto do comportamento sexual e do comportamento nutritivo: fome, sede, apetite. E isto vai dar um colorido especial para o quadro clínico como veremos mais adiante.
Pribran estudou, em 1960, a questão da motilidade com os núcleos talâmicos e com as suas respectivas zonas corticais correspondentes. Dessa forma, uma lesão local dos núcleos talâmicos, pode acarretar uma repercussão no nível cortical, na forma de estímulo ou falência. Assim, sem haver nenhuma alteração cortical – ou ser tão desprezível que não se leva em conta -, na encefalite epidêmica pode haver sintomas corticais muito claros, muito precisos. Especialmente, sintomas relacionados com as conexões de partes dos núcleos da base com a zona cortical básica do lobo temporal e da zona parieto-temporal, em parte. Isso dá um quadro que vai confundir-se com a epilepsia chamada centro encefálica. Na realidade, é uma reação do pequeno mal – mal menor ou ausência – que pode ocorrer como consequência de lesão à distância. Na realidade, não há uma epilepsia centro-encefálica, como não há uma epilepsia que seja cortical de preferência. Todas elas têm esse dinamismo subcortico-cortical.
Cumpre salientar a relação funcional entre os vários núcleos, particularmente, da parte medial – o núcleo mediano, centro mediano, com a região frontal. Assim, o comportamento intelectual, a capacidade de ação e o do trabalho mental, o raciocínio decorre, por um lado, do estímulo direto através do centro mediano e do estímulo indireto, através da regência córtico-cortical, que pode ser também estimulada pela zona posterior do tálamo, o pulvinar. Geralmente a zona lateral e posterior do tálamo estão poupados no processo encefalítico. A zona central ou centro mediana, a centro encefálica, é que é habitualmente atingida.
O esquema de Priban permite ver bem a distribuição das emergências das zonas subcorticais que vão ter às zonas corticais correspondentes, dando sintomas clínicos corticais à distância.
No livro de Fulton se encontra o esquema de Margareth Kennard que mostra a distribuição dos núcleos talâmicos, das substâncias cinzentas motoras e ligadas mais com o tônus estático.
A ligação cortical se faz diretamente através do estímulo que parte e chega até o tálamo e, do tálamo, parte para a zona cortical. Em compensação vem estímulo córtico-subcortical, que é distinto da zona da motilidade – que é a área 4 – cujas fibras passam pela cápsula interna. Ao passo que os outros não são ligados com a cápsula interna, estão ligados com o sistema chamado extrapiramidal – cortical – a zona inibidora de Dusser de Barennne e McCulloch, 4s. Quem estudou primeiro foi Margareth Kennard, depois confirmados pelos estudos de Dusser de Barenne e Mc Culloch. A zona 4s acarreta uma inibição da zona 4, utilizando esse dinamismo: parte do núcleo caudado, tálamo, depois do tálamo passa até os núcleos motores e volta até a zona 4, e zona 4s e a zona 6. A zona 6 já é zona afetiva, mas a regência é intelectual e não motora diretamente. Portanto, há uma correlação necessária entre os núcleos subcorticais e as zonas corticais. E isso explica os sintomas que são intelectuais e afetivos, sintomas de expressão cortical, quando não há uma alteração local devido a encefalite ou devido a outro processo qualquer.
De modo que transportar um esquema anatomopatológico para um esquema psicológico ou psicopatológico, não é adequado: é um vício de raciocínio. Na realidade, não se pode deduzir diretamente e o que temos que levar em conta é que há estímulos que partem de uma determinada zona e se traduzem como dinamismo psicológico independente da lesão anatômica, qualquer que seja ela.
Figura VI – Esquema de Spiegel e Sommer, 1937 – adaptado em 1938
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Legenda:
a – cegueira à direita; reflexo fotomotor abolido a partir de D; reflexo consensual conservado a partir de E
b, b’ – cegueira à direita, hemianopsia temporal em E
c – hemianopsia bitemporal
d – hemianopsia nasal em D
e, f – hemianopsia direita bilateral: e, rigidez pupilar hemianóptica; f, reflexo fotomotor conservado
(Carlos Moriama/Lúcia Coelho/Joacyr Salles Barros)
1971
Apesar do processo da visão ter um dinamismo binocular, pela convergência ela se torna uniocular. Isto porque cada núcleo geniculado tem consigo as fibras que vem de um lado do globo ocular e do globo ocular do lado oposto.
Do corpo geniculado as fibras partem, através da radiação óptica, para a zona calcarina – a chamada área visual – atingindo o campo 17 e uma parte do campo 18: a função sensorial corresponde ao campo 17. O estímulo luminoso que vem de um lado faz com que o cristalino se contraia, através da musculatura intrínseca, e essa contração dá a convergência do olhar e a reação à intensidade de luz.
A partir do corpo geniculado anterior os neurônios se dirigem para o núcleo de Edinger-Westphal dos dois lados. Daqui partem as fibras que originam o terceiro neurônio que inerva o gânglio ciliar e efetua a contração do cristalino, portanto, fazendo a pupila fechar ou abrir. O reflexo, por conseguinte, envolve essa zona toda.
Se houver uma interrupção ao nível da parte anterior, nós temos a hemianopsia direita ou esquerda – bi temporal ou binasal, conforme seja o caso. Se a alteração for na zona posterior, depois do corpo geniculado envolvendo as fibras de ligação correlacionadas com o terceiro par, vamos ter uma incapacidade de adaptação do globo ocular à distância ou à intensidade de luz: há um comprometimento desse reflexo, que se apresenta abolido. Não altera em nada a visão, nem a visão próxima nem à distância, mas interfere com esse dinamismo de contração da pupila à luz ou à convergência. Essa alteração é uma característica fundamental na encefalite epidêmica.
Figura VII – Somatotonia dos núcleos motores – Kleist, 1934
Nesse esquema de Kleist se aprecia os núcleos relacionados com a motilidade. Há uma distribuição topográfica, como Kleist mostrou, nas lesões cerebrais, não só na topografia dos outros núcleos, mas também no núcleo caudado e no núcleo estriado. Temos a parte ligada com a cabeça, com a linguagem, que é a cabeça do núcleo caudado e o braço anterior da cápsula interna. O braço e o tronco estão relacionados com o corpo do núcleo estriado. A cauda do núcleo caudado está ligada, de preferência, com os membros inferiores e com os estímulos do sistema piramidal que passam pelo braço posterior da cápsula interna.
Essa distribuição topográfica explica por que ocorrem alterações características do sistema estriado ou palidal – chamado estriato-palidal. Isso vai dar a possibilidade de compreendermos determinadas reações parciais da encefalite epidêmica, que não abrangem a totalidade dos segmentos corporais, nem do corpo todo, mas são específicas para certas zonas, certas áreas que estão representadas também nos núcleos caudados.
Kleist também estudou a distribuição dos elementos do tronco cerebral relacionados com a motilidade, cuja compreensão é fundamental para entender a dinâmica da regência da motilidade ao nível do tronco cerebral. Existe uma relação funcional entre certas zonas do tálamo e certas zonas do núcleo caudado e estriado, putamen e os globos pálidos, mediadas por sistemas celulares distintos: há um sistema de pequenas células (parvicelulares) e um sistema magnocelular (células grandes). Assim, o sistema estriatal – conjunto formado pelo núcleo caudado e núcleo lenticular -, já se comporta como um duplo também: a parte magnocelular tem uma ligação e a parvicelular tem outra ligação. Isso condiciona diferenças no comportamento. Logo, não se pode falar de atingimento do núcleo caudado ou do núcleo lenticular: há dois sistemas diferentes. Kleist se baseou nessa distribuição para mostrar que, na psicopatologia e na patologia cerebral, há sistemas cerebrais que se exprimem de modo distinto.
Um deles é o sistema que rege o tônus muscular, dando a hipertonia muscular, a movimentação escassa, a rigidez.
Outro sistema, pelo contrário, como na coreia, produz uma reação de instabilidade motora muito grande e atonia. Há, portanto, dois tipos de sintomas. São dois sistemas antagônicos, dois padrões.
Em alguns casos da encefalite epidêmica acontece o contrário e dá um quadro comparável à coreia, isto é, há comprometimento do lado oposto. Os autores que não levam em conta essa dinâmica patogênica não conseguem compreender, como é que num quadro ocorre hipertonia e acinesia, como no parkinsoniano e, no outro, ocorre um tipo coreico. No entanto, não há contradição se considerarmos a patogênese do sintoma.
Num caso são as zonas parvicelulares, e no outro caso são as zonas magnocelulares que estão atingidas e isso dá, então, um colorido diferente ao quadro clínico.
Outro aspecto a ser considerado, é a conexão do tálamo com o cerebelo e com a medula espinal, por meio do trato cerebelo talâmico e do trato espino talâmico, respectivamente. Isso ajuda a compreender por que, com o atingimento do tálamo – a zona reticular do tálamo -, pode haver sintomas cerebelares, sintomas do tipo motor. As conexões cerebelares, por sua vez, vão estabelecer ligações com os núcleos motores – regência motora estática e da dinâmica cerebral -, que podem produzir sintomas clínicos, psiquiátricos, ligados com a corticalidade cerebral.
Como já mencionado, nos núcleos anteriores e na substância negra se localiza a regência do tônus dos segmentos, que na patologia se traduz por acinesia e rigidez segmentares. Isso é uma característica também da encefalite epidêmica. A substância negra é atingida quase que como regra geral na encefalite epidêmica.
O núcleo pálido, que corresponde à inervação dos automatismos – como é o caso também do tálamo -, na patologia, provoca a acinesia dos automatismos e a rigidez dos flexores. Daí temos o fenômeno da chamada roda denteada. No entanto, cumpre registrar que se movimentarmos o membro de um parkinsoniano, inúmeras vezes, o sintoma da roda denteada desaparece. Porque o problema é muito dinâmico.
Em relação ao aspecto do automatismo, notem que a coordenação dos automatismos está relacionada com o sistema parvicelular, que acarreta, na patologia, a coreia, isto é, um quadro atônico ou hipotônico com hipermotilidade.
Desde o nascimento até a fase adulta ocorre uma modificação crescente das reações do indivíduo, prevalecendo cada vez mais o sistema cortical, portanto, mais conectado com o mundo exterior, do que com as reações primitivas, que estão ligadas, de preferência, no início, com o estímulo proprioceptivo e o estímulo interoceptivo, isto é, visceral. Esse prevalece no início da vida do indivíduo, de tal forma que, para descrevermos um indivíduo no início do desenvolvimento, temos uma preferência aos dinamismos vegetativos.
Figura VIII – Regência da Motilidade ao nível do Tronco Cerebral
(Adaptação do esquema de Kleist de 1934, 1941; revisão em 1971)
Como esse não se forma isoladamente – ao mesmo tempo que há esse dinamismo vegetativo, há interferência de dinamismos motores, conativos e intelectuais -, vemos que, ao mesmo tempo, os estímulos vegetativos vão se vinculando com os estímulos exteroceptivos. Isso vai fazendo com que o indivíduo se subordine cada vez mais aos estímulos exteroceptivos. De modo que quando chega a uma fase em que está usando a abstração – que é o elemento mais complexo da estrutura intelectual -, ele já está menos ligado aos estímulos vegetativos, com preponderância da subordinação aos estímulos externos, exteroceptivos.
Ele dissocia – Jaensch estabeleceu como característica do adulto a desintegração nesse aspecto -, portanto, o indivíduo dá atenção aos estímulos diversos, não funde todos entre si. Na criança, pelo contrário, estão todos fundidos, os estímulos internos e os externos, predominando neles os estímulos interoceptivos, em parte proprioceptivos, isto é, aqueles que vem do sistema visceral e aqueles que vem da musculação, da noção muscular do esquema do corpo.
Essa modificação se faz gradativamente, mas, depois de um certo tempo, é acelerada quando entra em função a abstração como meio de ligação, entre o indivíduo e o mundo exterior, os processos se aceleram no sentido da corticalização do trabalho mental.
Dessa forma, o que se passa em relação ao mundo vegetativo fica em segundo plano, apenas dando um colorido às reações do indivíduo, traços e comportamento: traços que podem ser evidenciados no comportamento, mas são apenas traços. Ao passo que o característico é o aspecto de ligação com o mundo exterior, através dos sentidos e da abstração principalmente.
O quadro da encefalite produz, na fase inicial, alterações vegetativas, comuns a qualquer indivíduo, pelo atingimento das zonas cerebrais centrais, ligadas com o terceiro ventrículo e com aquela zona profunda por onde passam os estímulos cerebelares, até a regência cortical, conferindo um colorido característico no quadro.
Daí decorrem a cefaleia, os distúrbios vegetativos, a desidratação e, como característico, vem as alterações metabólicas, circulatórias e alterações da respiração: elementos ligados com a parte primitiva do indivíduo, nas suas relações vegetativas com o próprio organismo. Isto é comum, tanto na criança como no adulto, porque a zona cerebral envolvida é a mesma e esta tem sempre a mesma função.
Dessa forma, na fase aguda, temos uma correlação dos sintomas clínicos, que se exterioriza no quadro, com o substrato anatômico direto. Isso explica as alterações metabólicas, que são intensas na encefalite; as reações com o sono, muito características – pelo comprometimento do dinamismo de vigília e sono -; a sensação de cefaleia, que também é característica – porque há hipertensão craniana, além de outras reações ligadas com o processo agudo -; e as reações imediatas que são a sonolência, a apatia completa e o desligamento do mundo exterior. Isto na criança pequena.
Nas crianças com idade um pouco mais adiantada, na segunda infância, temos, além disso, a irritabilidade – que é outro fator característico -, a intranquilidade, uma reação ansiosa muito intensa, além de outros característicos gerais: a insônia ou a hipersonia, conforme for o caso, além das trocas metabólicas alteradas, da intensificação do metabolismo, da alteração específica dos vários sistemas ou da nutrição.
Quando se chega um pouco mais adiante, da fase de desenvolvimento, na fase de integração dos estímulos proprioceptivos aos exteroceptivos – na segunda infância -, a característica fundamental é a alteração no comportamento.
Assim, depois que se passa da fase aguda, qualquer que seja a idade do indivíduo, temos uma ausência de sintomas característicos, intelectuais. A criança reage como qualquer criança normal, que não teve encefalite, mas a integração desses estímulos da individualidade aos externos, vinculados à sociabilidade, esta fica grandemente prejudicada.
Isso vai aparecer apenas quando a criança avança no seu processo de desenvolvimento e entra em contato com os sistemas sociais, com os sistemas de valores sociais. Nesse caso, o comportamento vai ser anormal, porque houve uma interferência com esse processo de integração, que só vai se manifestar quando o indivíduo estiver numa fase em que se torna necessário estabelecer ligações interpessoais, especialmente, de aplicar, no processo da vida, os conceitos que são abstratos e a maneira de sentir a relação com os demais.
Nesse caso, há uma alteração que dá um colorido psicopático, de perversão, quase sempre de perversão. Há por um lado a hiperemotividade, como consequência dessas reações locais, e há um desvio no comportamento, que se torna antissocial.
O característico, portanto, da encefalite na infância é o impacto sobre o comportamento interpessoal e, geralmente, social, porque as outras manifestações agudas desaparecem, e não são atingidas as zonas que ligam à motilidade, por exemplo, voluntária, intencional. O que se altera é o comportamento, que resulta da aplicação dos valores abstratos.
Assim, ao lado de distúrbios neurovegetativos, que são discretos e transitórios, há esses distúrbios de comportamento que são muito característicos: no comportamento instintivo, fundamentalmente instintivo, e quase sempre com liberação, de modo que se torna antissocial, por isto.
Por outro lado, quando atinge o indivíduo na adolescência prevalece no quadro clínico o dinamismo vegetativo, as reações vegetativas são muito acentuadas: pode haver o apetite excessivo, a voracidade mesmo, ou inapetência total, a perda de sono ou a letargia. Na adolescência, há a prevalência no quadro clínico desses aspectos porque a estruturação da personalidade já se deu. A interferência com outros aspectos da vida de relação é muito discreta, podendo haver algum comprometimento da motilidade.
Com relação ao quadro instalado, pela afecção na infância, cumpre ressaltar que tem um caráter permanente. O distúrbio no comportamento pode ficar mascarado, mas quando há qualquer problema que põe a prova essa desintegração, da individualidade com relação à sociabilidade, o aspecto antissocial se manifesta.
A emotividade é outro elemento característico, que os autores atribuem à participação do tálamo: na realidade não é do tálamo, é dinamismo cortical e afetivo. Há uma hiperemotividade, a tendência para mentir, para inventar fábulas e quase sempre os crimes que vem da alteração do comportamento. Pode cometer furtos, assim em qualquer circunstância, não é um furto premeditado, quer dizer ele rouba apenas por roubar, sem disfarce nenhum, propriamente sem disfarce, embora use a mentira, a mitomania, que é inclusive outra característica e, às vezes, usa a mentira para encobrir essas reações: facilmente, fica demonstrado esse comportamento antissocial.
O diagnóstico diferencial entre a psicopatia perversa e o quadro de encefalite, pelo aspecto descritivo, se torna muito difícil, porque não há diferença entre um quadro e outro. Isto impõe a necessidade de pesquisar aquilo que é constante, que é a alteração da motilidade intrínseca do globo ocular. Pode não ter havido crise oculógira na infância e se procedermos a anamnese com cuidado, os pacientes dirão que viram imagem dupla (diplopia) e, se estiverem em uma fase mais adiantada de amadurecimento da personalidade, eles vão dizer que viram uma imagem dupla, tiveram uma certa dor de cabeça e viram duplo depois.
Depois essa visão dupla corrige, mas se pesquisarmos a motilidade ocular intrínseca encontramos ainda alteração de contração pupilar, tanto na convergência, como na distância.
Essa é uma característica fundamental. Assim, como regra, temos que pesquisar nesses pacientes com alteração do comportamento, na adolescência, esse aspecto da encefalite.
No caso de crime, o paciente deve ser considerado responsável, porque ele cometeu, embora seja devido a um impulso patológico, mas já está em condições – assim como na personalidade psicopática -, de compreender a situação real. Geralmente o paciente não consegue controlar esse impulso, não sei até que ponto isso seria possível. Quase sempre dizem uma evasiva, procuram contornar a dificuldade, sentem que foi algo anormal, tem noção de que foi anormal, mas não conseguem dominar esse aspecto.
É um processo sério considerar a imputabilidade criminal nesses casos. É como o caso do epiléptico, por exemplo, que comete um crime num estado crepuscular ou por impulsividade momentânea excessiva. Se essa impulsividade corresponder a um nível habitual do impulsivo, não se pode isentá-lo só por esse motivo. O problema é mais complexo, implicando uma questão preventiva, de ver o que fazer com esse indivíduo.
Eu não creio que a abordagem analítica possa ser aplicada nesse caso. Um psicanalista – Eichworme2, que foi professor do Prof. Spanudes -, se dedicou aos pré-delinquentes ou delinquentes mesmo: ficava à disposição dos pacientes, dedicava tempo integral ao seu trabalho de psicoterapia analítica. De qualquer modo, o recurso da psicoterapia é um recurso possível.
Consideramos que a comprovação de um quadro encefalítico, não implica que o indivíduo seja dado como irrecuperável, porque há uma lesão cerebral. A lesão é mínima, como se sabe: o problema reside na época em que se deu a lesão, e o impacto que isto acarretou no processo de estruturação da personalidade desse indivíduo.
Na fase de adolescente, para a fase adulta, prevalece os elementos motores. Vamos ter, no adolescente, esse cotejo de reações vegetativas, temos o impacto sobre a motilidade: tremor, reação do tipo hipertônica e acinética, além de alteração na expressão mímica. Há distúrbios metabólicos, em geral, endócrinos muitas vezes, voracidade: o indivíduo toma água em excesso, urina demais também, condição semelhante ao diabetes insipidus.
No adulto, além desse quadro, temos também, às vezes, um comportamento delirante, que depende da natureza do estímulo que vai até a zona cortical, isto é, o estímulo, da relação com o mundo exterior, que é simbolizado num plano delirante, num plano fora da realidade.
Esse aspecto corresponde a uma sequela, na fase crônica: após a fase aguda, temos esse aspecto residual, que surge após um tempo de latência e surge na fase crônica, como sequela, isto é, passa a fase aguda e temos a fase residual, que ocorre depois de um tempo de latência. Denominamos fase de latência, porque não há nenhum sintoma clínico, durante um período: houve a incidência da encefalite e, somente, alguns anos depois aparece a manifestação clínica. Geralmente, passa despercebido pelos neurologistas e pelo clínico geral.
Vários autores procuraram classificar essas manifestações da encefalite e se basearam quase todos na descrição clínica, isto é, utilizaram o critério descritivo. Mas já ressaltamos, a descrição clínica permite pouca possibilidade de compreender e de diferenciar os quadros clínicos.
Utilizando esse critério, a partir de um estudo realizado no Hospital do Juqueri, Fausto Guerner e Silvio Ribeiro de Souza propuseram uma classificação dos quadros de encefalite epidêmica, que foi apresentada em Congresso de Neurologia e Psiquiatria, aqui no Brasil. Esse estudo envolveu adolescentes e crianças. Faltou para eles realizar a anamnese heredológica, e isso é uma falha que não é prerrogativa nossa, se encontra em toda parte. Nessa época apareceu um trabalho de um professor de psiquiatria do Rio Grande do Sul, que também apresentou uma classificação de encefalite.
Dessa maneira, temos a clássica que foi dada por Jean-René Cruchet, que foi quem descreveu os quadros clínicos da encefalite na infância, depois tivemos os trabalhos de Sarmento Leite Filho, de Fausto Guerner e de Silvio Ribeiro de Souza.
Na Tabela I, reproduzida na próxima página, apresentamos uma comparação das três classificações, para darmos uma ideia geral, de como há muita coisa em comum entre as classificações, mas que não explicam bem a patogênese.
Cruchet estabeleceu, entre uma população de adultos, nove formas: uma forma mental, de feitio delirante, a forma convulsiva, a coreica, a meningítica, a hemiplégica, a ponto-cerebelar, a bulbo protuberancial, a atáctica aguda e a polimielítica.
Sarmento Leite fez uma classificação, que modificamos um pouco quanto à terminologia. Ele diferenciou uma forma clássica – a que aparece em todos os quadros, fundamentalmente, a sonolência, a letargia, a hipercinesia, a rigidez -, e a hiperemotividade como consequência também dessa forma no adulto. Descreveu, ainda, as formas incompletas e as formas anômalas.
Quadro I – Formas da Encefalite de von Economo segundo Jean-René Cruchet, Sarmento Leite Filho e Guerner e Ribeiro de Souza
A classificação de Guerner e Ribeiro de Souza propõe dois grupos: os quadros constitucionais e os quadros ocasionais. Eles procuraram dar um aspecto mais patogênico para a classificação. Assim, as formas constitucionais estão relacionadas com os fatores que admitiam como característica da personalidade, que são as formas hiperemotiva, a mitomaníaca, a paranoica, a perversa, a ciclotímica e mistas. Eles se basearam na classificação de Dupré, que distinguiu esses vários tipos de personalidade psicopática.
No período de 1938 a 1941, sistematizamos uma classificação das formas residuais ou prolongadas da encefalite epidêmica, sob o ponto de vista da patogênese.
Avaliamos a natureza do processo encefalítico, quer na fase inicial da infância, quer quando a forma inicial se passa na adolescência e depois, na fase de adulto. Há uma participação diversa dos vários sistemas cerebrais, dando um colorido também variável. Por exemplo, na forma infantil, temos a predominância do comprometimento do caráter. Na forma do adolescente, temos um aspecto que também abrange o caráter, mas como uma manifestação de traço anormal da personalidade, além das desordens vegetativas, e algumas manifestações motoras do tipo extrapiramidal.
Na fase do adulto, temos a prevalência de aspectos que traduzem uma relação mais amadurecida com o meio exterior, com predomínio de quadros neurológicos e de manifestações psíquicas. Nos quadros neurológicos os sintomas dependem do sistema celular atingido: o magnocelular, dando a hipertonia e acinesia e, o parvicelular, dando a astasia e hipercinesia. Podem ocorrer espasmos musculares característicos da inervação paradoxal. Ocorrem formas piramidais, em que há paresias e mesmo paralisias, uma motilidade diminuída, permanentemente, mas sem chegar a uma paralisia.
O Quadro II, reproduzido abaixo, mostra nossa classificação.
Em relação às manifestações afetivas temos, como característico, a dependência afetiva, a impulsividade, a lentidão do trabalho mental, as alterações na capacidade de expressão mímica, verbal, então a bradifêmica e a bradifásica e, como sequelas mais remotas, as concepções delirantes.
Considerada a fase de incidência do processo encefalítico, tendo em vista a análise das formas de encefalite, sob o ponto de vista da patogênese, temos na fase infantil, as reações mais ligadas com o mundo vegetativo, com a parte instintiva, básica, que é também comum nas outras fases da vida, mas que passa para um plano secundário em relação ao adolescente e ao adulto, mesmo na fase aguda.
A partir da adolescência há uma prevalência da participação dos sistemas corticais em relação ao mundo exterior. Assim, decorre o aspecto da hiperemotividade – que é um aspecto muito característico no adolescente. Na fase adulta pode ocorrer a forma delirante. Há nesses quadros delirantes um componente afetivo, de caráter instintivo, que se manifesta com conteúdo erótico, de ciúme. Mais raramente, apresenta um colorido persecutório que depende, em grande parte, da configuração psíquica do próprio indivíduo, da sua dinâmica subjetiva, e não apenas do processo encefalítico: que se caracteriza, fundamentalmente, como distúrbio na integração dos estímulos externos, exteriores ao trabalho mental.
Notem que aqui procuramos apresentar os vários setores da personalidade que são atingidos. Uma parte proprioceptiva, ligada com o sistema extrapiramidal – então, hipertonia e astasia, os espasmos musculares e a inervação paradoxal, estão ligados com o processo motor; a zona proprioceptiva, na parte não intencional.
Há manifestações piramidais, essas ligadas com a motilidade intencional ou à sensibilidade ligada com a consciência do estímulo externo.
Dessa forma, nas manifestações de ordem motora temos, primeiramente, enquanto dinamismo patogênico:
- sintomas afetivos, vinculados ao setor básico, instintivo;
- impulsividade como estímulo afetivo e conativo;
- lentidão do trabalho mental que é conativo e intelectual
- alterações da capacidade de expressão, que também é conativo e intelectual, mas é mais característica no aspecto intelectual, como manifestação;
- concepções delirantes, que são de ordem intelectual.
Mas em todo processo, isto é, em todas as formas, há sempre um fundo, que revela, quanto à patogênese, essa participação instintiva, muito intensa. Dessa forma, observem que há uma possibilidade de sintetizarmos os quadros clínicos, de compreendemos, patogenicamente, a constituição do quadro clínico de cada paciente.
Não se pode fazer uma descrição geral para todos os casos. Como ressaltamos, como é tão multifária a manifestação clínica das diferentes formas de encefalite, o quadro clínico ficaria sem nenhuma expressão, sem nenhum sentido, embora em cada paciente possamos reconhecer a participação de cada um dos vários elementos, dos vários setores da personalidade e as consequências ligadas com alteração direta da substância cinzenta central, que é o característico.
Ao final da aula, Aníbal Silveira responde a uma pergunta sobre a Encefalite Letárgica quanto incide no adolescente: no adolescente o que prevalece é mais a relação formal com o mundo exterior, não é tanto nessa fase de elaboração de interpretação da realidade exterior. Por exemplo, o indivíduo tem uma mitomania, ele inventa coisas, são fabulações, são explicações para justificar situações que ele criou ou que pode ter se envolvido: não chega a ser uma concepção delirante. Também encontramos concepções delirantes.
Em ambas as situações, o problema é esclarecer aquilo que é contribuição da encefalite e aquilo que é da personalidade do indivíduo devido a carga genética. Como os autores não fazem essa verificação, sempre há essa falha na interpretação dos quadros em geral. De qualquer forma, uma coisa é muito importante: verificar, porque é muito pouco estudado na literatura, a participação do cerebelo nesses quadros da encefalite. Em geral, o que se faz é um estudo dos núcleos do cérebro, núcleos motores, vegetativos. Mas como vimos, há uma participação importante do estímulo cerebelar, que vai estimular a zona de regência motora, que tem uma expressão clínica na encefalite. Os autores geralmente procuram aquilo que sabem e que está mais ligado, diretamente, com o quadro clínico, sem interpretar a dinâmica, do encéfalo como um todo.
É provável que haja sintomas cerebelares ou que estejam ligados com o aspecto cerebelo-talâmico, por exemplo, ou cerebelo-frontal diretamente. Isso é uma coisa a ser pesquisada, de uma forma mais abrangente: há evidências de casos individuais, bem claras nesse ponto.
- Texto organizado pelo Dr. Roberto Fasano Neto, em 2003, a partir de aula de Aníbal Silveira, sem referência de data, local ou de quem compilou a aula. Alguns esquemas incluídos nessa aula datam de 1971, portanto, é provável que tenha sido proferida em Campinas, quando Aníbal Silveira era professor na UNICAMP. O texto foi revisto em proferida em 20/04/1971, em Campinas, sem referência de quem a compilou, sendo revisto, em 04/10/22, por integrantes da Comissão de Revisão do CEPAS: Flávio Vivacqua, Francisco Drumond de Moura, Paulo Palladini e Roberto Fasano. ↩︎
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