ESTRUTURA SUBJETIVA E COMPORTAMENTO¹
Na aula de hoje vamos fazer a comparação entre a estrutura da personalidade, segundo Comte e o comportamento correspondente. Sem fazer a distinção entre a estrutura psíquica e comportamento não se pode compreender as discordâncias, que há, entre as várias escolas psicológicas. Diversos autores consideram a personalidade como sendo o comportamento psíquico explícito.
No comportamento há elementos biológicos, elementos ligados à personalidade, elementos circunstanciais e culturais. Outros autores reconhecem que essa maneira de compreender a personalidade é inadequada.
Quando falamos em personalidade, temos que levar em conta o conjunto de funções afetivas, conativas e intelectivas. No comportamento é preciso distinguir dois aspectos: o subjetivo, que corresponde a traços da personalidade e aos elementos do funcionamento dinâmico, e a estrutura.
Esta diferenciação, só é articulada na teoria de Comte. Os autores que reduzem os elementos subjetivos a mensurações estão apreendendo só um aspecto: o aspecto do comportamento subjetivo.
A estrutura da personalidade não varia conforme as circunstâncias, grau de cultura, grupo ou época do indivíduo.
Os comportamentalistas, em geral, têm por objeto de estudo o modo como se comporta o indivíduo nas diferentes circunstâncias ou situações. Mas sua abordagem é parcial. Não se pode confundir personalidade com comportamento. Quando se diz que personalidade é o conjunto de maneiras de reagir do indivíduo, adaptando-se à realidade e modificando-a, consideram um só aspecto. Na personalidade entram fatores genéticos, estruturais, fatores ambientais e fatores resultantes do aprendizado.
Temos então: indivíduo, personalidade, constituição, temperamento e comportamento objetivo como coisas distintas entre si.
É preciso distinguir a estrutura subjetiva que é a personalidade e os fenômenos psíquicos de ligação como o exterior ou interior que não são a estrutura, mas sim, fenômenos objetivos ligados com o aspecto subjetivo da personalidade. Assim, no aspecto subjetivo, temos os vários setores da personalidade: afetividade, conação e inteligência. A cada setor correspondem diversas funções. Assim, na Afetividade temos as funções da sociabilidade e as funções instintivas, na Conação temos as funções da atividade e a firmeza e na Inteligência temos as funções envolvidas com a observação, com a elaboração e a expressão como função.
Essas funções correspondem a fenômenos psíquicos internos, mas ao mesmo tempo são elementos de ligação com o meio exterior e o mundo interior vegetativo. O contato intelectual com o mundo exterior se realiza através da percepção e outros aspectos.
No domínio da conação temos modalidades das quais resulta a ação explícita, mas essas modalidades não constituem a ação explícita, são apenas os elementos de ligação do indivíduo com o mundo exterior. A vida visceral se vincula aos instintos principalmente o de nutrição e ao sexual, mas não se vincula diretamente ao de sociabilidade.
O que se chama caráter externo é uma reação global: um indivíduo pusilânime pode numa tensão emocional, ter uma descarga vegetativa muito grande e desfalecer, com ausência completa de estímulo cortical cerebral. Em outro caso o indivíduo age agredindo o mundo exterior, tornando explícita sua maneira de ser e sentir.
Num escalonamento dos vários setores da personalidade, uns são mais importantes, enquanto outros são de menor interesse (vistos em conjunto) para o indivíduo.
A afetividade estimula a conação e através dela a inteligência. A conação, por sua vez, estimula só a inteligência. Não pode haver nenhuma elaboração intelectual a não ser por intermédio da conação. Por sua vez a afetividade estimula a inteligência quando há interesse. A inteligência atua sobre a afetividade gerando a emoção, em consequência disso temos também a ação da inteligência sobre a conação. São muito complexos estes elementos ligados à personalidade, portanto.
O fator biológico, no sentido de tendência herdada, faz com que as várias funções subjetivas tenham uma importância variável no comportamento do indivíduo. Essas tendências genéticas determinam o arranjo das funções subjetivas, mas não as próprias funções. As tendências herdadas são características da espécie, invariáveis de individuo para indivíduo. Cada espécie tem seu comportamento, sua composição subjetiva definida pelo fator evolutivo, que é também genético em última instância.
Quando falamos de indivíduo temos que considerar as características étnicas, gerais, as genéticas, isto é: ligadas à personalidade e as constitucionais. Isto só pode ser feito quando nos limitamos aos elementos mais estáveis, como uma coletividade. É por isso que as definições da personalidade são erradas, não consideram todos esses elementos citados, em conjunto.
As funções psíquicas distinguem-se em internas ou subjetivas e de ligação. Tomando em conta a percepção, encontramos um aspecto intrínseco: a observação, que necessita de trabalho sensorial para se ligar ao meio externo. Ex. o cego não recebe o estímulo visual, mas isto não quer dizer que tenha uma personalidade diferente do que tem a visão normal, o que falta é o elemento de contato visual com o meio exterior, mas seu contato pode ser compensado por outras vias sensoriais.
Por outro lado, a capacidade de percepção varia também com o estado emocional do indivíduo, sendo por isso um fator meramente circunstancial que interfere no contato com o mundo exterior, mas nada tem a ver com a estrutura da personalidade. Os traços de personalidade constituem a capacidade do indivíduo. Em relação ao setor intelectual, vemos que ele influi na realidade e a realidade influi nele.
Devemos distinguir entre: conação, motilidade e musculação. A conação é um setor subjetivo, que forma parte da estrutura da personalidade, a motilidade é a ação explícita e a musculação é a sensação muscular.
Outro aspecto a considerar é a modalidade de caráter. O caráter expressa, de modo geral, a disposição subjetiva do indivíduo, mas também traduz a ação do metabolismo. Temos nesse caso dois aspectos: o vegetativo e o subjetivo ligado com a estrutura subjetiva mais básica do indivíduo.
Outro aspecto são os traços de personalidade. Existem traços que estão ligados à capacidade mental, outros à capacidade de ação e outros às modalidades de caráter. Em relação à capacidade mental temos como resultado a adaptação à realidade. Em relação à capacidade de ação temos a ação explícita. Esta se pode alterar sem que se altere a capacidade de ação. Em relação às modalidades de caráter temos, como resultado, as relações interpessoais e as relações do indivíduo aos estímulos.
Ao conjunto das funções de ligação, traços de personalidade e o resultado explícito chamamos comportamento.
Em relação aos elementos de caráter temos o biotipo que está ligado ao funcionamento vegetativo que, por sua vez, faz parte do que chamamos constituição. Os autores chamam constituição ao conjunto das funções internas, funções de ligação e aos traços de personalidade.
No nosso modo de ver, constituição, personalidade, comportamento e indivíduo são conceitos totalmente diferentes.
O temperamento é o aspecto dinâmico que corresponde à constituição sem confundir-se com ela. Na estrutura da personalidade do indivíduo, há uma série de fatores estáveis, invariáveis e outros que sofrem variação. Assim, em uma manifestação momentânea influem os fatores de estrutura, o “arranjo” das várias condições subjetivas, o estímulo do ambiente e a maneira como reage a esses estímulos. O indivíduo leptossômico reage aos vários estímulos de modo diferente ao do pícnico e do atlético.
Isto varia também com o momento da reação, pois a emoção é capaz de alterar a capacidade de ação, portanto, a capacidade de ação é influenciada por fatores emocionais.
Analisando-se o indivíduo, de modo a corrigir as disposições emocionais, somos capazes de modificar o modo de ação, não porque se modificou a personalidade, mas porque se suprimiram os fatores emocionais que estavam bloqueando a capacidade de ação que o indivíduo realmente tinha.
Os três setores da personalidade afetivo, conativo e intelectual, se dispõem de tal maneira que a afetividade é fundamental para que o intelectual e o conativo se processem, e a conação é indispensável ao trabalho intelectual. Eles atuam em conjunto, mas a afetividade é o núcleo da personalidade.
A criança, a princípio, atua mais com a afetividade, depois mais com a conação e, finalmente, no contato com o meio exterior, utiliza mais a esfera intelectual.
Personalidade, setores, funções, temperamento, constituição e comportamento (Esquema 1)
Critérios para a classificação biotipológica (Esquema 2)
¹Texto organizado por Roberto Fasano, em 2003, que também traduziu o texto ao português, a partir de aula proferida por Aníbal Silveira, em 10 de março de 1969 sem referência a local da aula, compilada por Dora Martinic de Morales. Revisto em 24/01/22 por integrantes da Comissão de Revisão do CEPAS: Flavio Vivacqua, Francisco Drumond de Moura, Paulo Palladini e Roberto Fasano.