Formas confusionais de Kleist

FORMAS CONFUSIONAIS DE KLEIST1

Kleist quando iniciou o estudo dos pacientes em Frankfurt am Mein, onde fez uma revisão catamnéstica, deu razão a Kraepelin por estabelecer a esquizofasia como uma forma independente da esquizofrenia ou da demência precoce. 

Em seguida, observou que a esquizofasia é apenas um aspecto do desmantelo intelectual do paciente, que se manifestava especialmente ao nível da expressão, mas que tinha também um componente de elaboração ligado com esse dinamismo. Havia, portanto, necessidade de desdobrar esse quadro e isto levou Kleist a avançar na formulação de um novo grupo de psicoses progressivas, o grupo das psicoses confusionais.

Nesse grupo havia uma incoerência acentuada no quadro clínico, havia uma discordância entre o que o paciente elaborava e exteriorizava, mas de três modos diversos: um deles seria o que ele chamou de Esquizofrenia Incoerente Paralógica, o fator fundamental aqui é a paralogia, isto é, uma incapacidade de estabelecer um raciocínio lógico. A incoerência, por conseguinte, está no campo da explicação, do raciocínio, da dinâmica do quadro clínico. 

Outra forma é a Esquizofrenia Incoerente, uma alteração também no comportamento intelectual, correspondendo a um distúrbio intrínseco da elaboração, do juízo crítico do paciente. 

E, por fim, uma forma que chamou de Esquizofasia, no sentido de Kraepelin, em que há um distúrbio na expressão, fundamentalmente, no âmbito da esfera intelectual da personalidade. 

Cumpre ressaltar, que o grupo confusional foi desdobrado, inicialmente, das formas paranoides. Kleist já tinha percebido os distúrbios paralógicos onde havia o embotamento incoerente, que é um aspecto fundamental. Por outro lado, verificou também que a confusão decorria de vários fatores: a incoerência intrínseca, que deriva do raciocínio paralógico, portanto, de ordem conativa e uma outra relacionada apenas com a expressão. 

 Importante salientar que há outros aspectos característicos que revelam que o paciente, durante todo o processo de evolução do seu quadro clínico, manifesta uma progressão dos distúrbios, isto é, cada vez mais vai apagando o dinamismo intelectual do paciente, o contato se torna cada vez mais difícil. Por outro lado, em duas formas esse contato é menos difícil, pelo menos na aparência, é menos desorganizado: na esquizofasia e na forma de evolução por surtos. Nessa forma de evolução por surtos, o paciente tem períodos, em que é menos característico, menos claro o desmantelo intelectual. E isto levou Kleist a ver nesta forma, uma forma atípica, em que temos uma participação da esfera afetiva, mais ou menos na direção do que se passa em relação à doença maníaco-depressiva, isto é, uma tendência para aparecer por ciclos. 

Mas há uma diferença fundamental entre essa e as formas benignas. Nessa forma de psicose progressiva de evolução por surtos há, sempre, um resíduo do distúrbio, isto é, não é um surto que se resolva completamente, há sempre um déficit que avança, cada vez mais, em cada novo surto. Portanto, o paciente chega até o estado demencial, com evolução entrecortada, frequentemente, com remissões parciais. Não chega a retomar o nível anterior do trabalho mental, da fase pré-psicótica, mas há uma atenuação do quadro clínico. Na Esquizofasia também. Dessa forma, temos dois elementos para firmar o diagnóstico: o primeiro é o fato de haver remissões parciais e o segundo é que o quadro não é sombrio de início, como acontece na hebefrenia. 

Outro aspecto que chama a atenção, no caso da Esquizofasia, é que o comportamento do indivíduo parece normal, à primeira vista, olhando a distância, o indivíduo parece que se comporta normalmente, tem contato bom com os demais, parece que está explicando alguma coisa. No entanto, o que diz é completamente incompreensível, porque usa termos que não se entendem realmente, embora estes sejam compreensíveis em si próprios. Aqui há um distúrbio na fase da elaboração da comunicação, mas há também um distúrbio na parte intrínseca da elaboração intelectual. Vemos que o paciente, de modo geral, embora aparentemente estabeleça bom contato com os demais, não produz nada em relação ao que era anteriormente: há uma decadência, uma queda evidente no rendimento. Mas ele pode ser mais facilmente manejado, pode ser estimulado, talvez possa corrigir muitos aspectos.

Uma das questões que levaram Leonhard a discordar de Kleist, é que ele via nesse aspecto da esquizofasia também uma alteração intelectual, mas considerava relevante o fato de o indivíduo ter remissões, mas a remissão, cumpre salientar, é muito menos acentuada do que a da forma Confusional por Surtos. O que há é uma atenuação parcial, momentânea, dos distúrbios da expressão verbal. Há uma atenuação do quadro, ele conserva muito tempo esse aspecto que ainda está distante do estado demencial. Com o decorrer do quadro clínico, a Esquizofasia se mantém, ela pode agravar-se, mas durante muitos anos se mantém limitada, apenas como Esquizofasia, embora o comportamento às vezes comece a se mostrar anormal, o paciente fica com colecionismo, por exemplo, uma certa excitação psíquica, a tendência para apanhar tudo que está ao alcance, ele vai guardando, vai mantendo aquilo consigo, e tem às vezes reações inteiramente esquisitas, extravagantes, mas em alguma coisa conserva o senso da realidade. Conheci um paciente muito interessante, porque ele tinha uma Esquizofasia muito acentuada e às vezes conversava sobre alguns tópicos de modo muito claro, muito preciso, sem nenhuma confusão, sem nenhum distúrbio. 

Na Esquizofrenia Paralógica temos a incoerência e uma confusão decorrente do distúrbio do raciocínio. O indivíduo parte de um raciocínio e chega a outro completamente diferente e como não percebemos qual o fio condutor do raciocínio dele, ficamos incapazes de compreender o que ele está dizendo. Mas aqui não é pelo distúrbio da linguagem e sim pelo distúrbio intrínseco do raciocínio.

Na forma Confusional Incoerente temos uma incapacidade lógica, acarretando desordens alógicas. Não podemos acompanhar o raciocínio do paciente na forma incoerente, porque é totalmente discordante da realidade, e a linguagem tem também neologismos, como na esquizofasia, mas tem mais neologismos e, especialmente, aquilo que os autores alemães chamavam “salada de palavras” (Wortsalaten), uma salada porque as palavras são justapostas, sem nenhum sentido lógico, nenhuma conexão compreensível: na Esquizofasia não, as frases são compreensíveis.

A Esquizofasia corresponde, mais ou menos, ao que nas doenças cerebrais orgânicas corresponde à parafasia como sintoma, isto é, um distúrbio conativo na produção da relação dos fatos entre si. 

A forma incoerente traduz um distúrbio intrínseco da elaboração e não extrínseco como na Esquizofasia. 

A forma paralógica é mais compreensível, mas o raciocínio não se pode acompanhar, porque o indivíduo encaixa coisas, parte de um princípio e chega a outro totalmente diferente do que podemos compreender, pela lógica do senso comum. Em todas essas há uma certa aparência de contato com a realidade, embora o paciente esteja muito desagregado da realidade do que parece estar no início. 

A forma Confusional por Surtos se distingue, porque há remissões parciais bem evidentes.

Cumpre relembrar que, do ponto de vista da patogênese, esse aspecto da remissão tem uma raiz afetiva, geneticamente ligada com a tendência para a psicose maníaco-depressiva. Via de regra, encontramos na carga genética familiar dos pacientes uma prevalência da forma maníaco-depressiva. No entanto, há o característico de uma desagregação acentuada da personalidade e essa desagregação se faz, periodicamente, por fases cada vez mais acentuadas. 

Em uma reavaliação catamnéstica, Kleist verificou, no primeiro grupo reavaliado, que havia 13 pacientes da forma confusional incoerente simples e 5 formas combinadas. Em relação às formas paralógicas, havia no primeiro grupo, um de cada tipo. Na segunda revisão catamnéstica, realizada em 1920 e 1935, apareceram mais 4 pacientes incoerentes na forma simples, e 4 na forma combinada, depois apareceram mais 5 na forma paralógica simples e 3 na forma paralógica combinada. Assim, há um total em relação à forma atípica por surtos de 5 pacientes, os quadros típicos eram 16 pacientes, na segunda revisão e 13 na primeira revisão. Quanto à média de idade há uma certa diferença, mas como é pequeno o número de casos de cada tipo, não é possível utilizarmos. 

Na forma por surtos, extensiva, não havia nenhum paciente com decurso progressivo. Havia dois apenas, como veem aqui, dois em cada grupo, dois com carga genética acentuada, dois com carga média, um com carga genética leve e nenhum sem carga genética, mas era um número pequeno de casos também. Reunindo as formas atípicas, no sentido de Kleist, quer dizer combinadas e extensivas, havia 18 nesta categoria; destas 33% tinham uma carga genética acentuada, 22% carga média, e 22% também carga genética leve e mais 22% não se encontrou nenhuma carga genética definida. Em relação às formas sistemáticas, simples e combinadas, havia 29 pacientes, 31% com carga acentuada, pouco menos que nas formas extensivas, 24% em relação a carga média, portanto mais que nas formas extensivas, 17% bem menos em relação às formas extensivas, em relação à carga leve e 27% sem carga apreciável. Notem que quanto mais preciso o quadro, tanto maior e mais concentrada é a carga genética. Em relação ao tipo de carga genética, apenas se encontrou a carga genética esquizofrênica, num número pequeno de pacientes, apenas em 11 havia carga genética esquizofrênica bem precisa. 

  1. Texto organizado por Roberto Fasano Neto, em 2003, a partir de aula de Aníbal Silveira, sem referência de data e local ou de quem a compilou, sendo revista, em 29/11/22, por integrantes da Comissão de Revisão do CEPAS: Flávio Vivacqua, Francisco Drumond de Marcondes de Moura, Paulo Palladini e Roberto Fasano Neto. ↩︎