Formas hebefrênicas segundo Kleist

FORMAS HEBEFRÊNICAS, SEGUNDO KLEIST. DESMEMBRAMENTO DA HEBEFRENIA DE HECKER E DE KRAEPELIN1

Na aula anterior abordamos, em traços gerais, a concepção de Kraepelin sobre a Hebefrenia que foi, mais tarde, ampliada por Bleuler. Procuramos mostrar que há uma diferença muito grande entre essa concepção de Kraepelin e de Bleuler e a concepção que norteou Kleist quando estabeleceu os grupos de doentes progressivos. Progressivo, na concepção de Kleist, corresponde mais à clínica, isto é, um curso ou decurso que se faz contínuo, pode ter atenuações, mas não remissões. Não há volta ao estado anterior e, além disso, há sempre um rebaixamento progressivo das condições mentais do indivíduo. 

Mas isto não quer dizer que não seja acessível a tratamentos. Não é uma concepção fatalista e sabemos que hoje em dia, com os novos recursos que há na terapêutica, especialmente com os neurolépticos e com os métodos biológicos de tratamento na psiquiatria, essas formas progressivas são passíveis de remissão. O que não se sabe, exatamente ainda, é o quanto dura essa remissão e se é uma remissão real, se é verdadeira, ou se ela apenas apresenta a reintegração nas condições mentais anteriores e se, na realidade, isto é um efeito eficiente.

No período de 1938 a 1941, tivemos a oportunidade de utilizar o método de von Meduna e o método de Sakel em pacientes esquizofrênicos, que foram selecionados com esse critério de progressividade, baseado na patogênese e não apenas na descrição clínica. Verificamos que pacientes, com até 13 anos de doença, retornaram à normalidade completa. Mas quanto tempo dura essa remissão? Isso seria necessário verificar mais precisamente. Naturalmente, fizemos isso no período de um ano e durante esse período o paciente não voltou ao hospital. Subentende-se que foi uma remissão real. Mas isto é necessário rever-se ainda melhor e só havendo um grupo grande trabalhando nessas condições, com a mesma orientação, será possível tirar-se a limpo esses aspectos.

Uma das objeções que se fazem ou que se podem fazer, pelo menos, é que os critérios diagnósticos são muito variáveis e vamos ver que os pacientes, com formas benignas que Kleist descreveu e isolou, apresentam condições mórbidas que se confundem com as formas progressivas, as formas crônicas, mas constituem apenas coincidência de sintomas e não de quadro clínico. Por isto, as observações feitas em geral na literatura merecem pouco valor quanto à convicção, que possam dar sobre se o paciente retornou à normalidade ou não. 

Daí vem aquele conceito de Eugen Bleuler quando ele retomou o grupo que Kraepelin tinha estudado de demência precoce.

Ele verificou – aliás, Kraepelin já tinha verificado isso e os psiquiatras antigos também – que os pacientes chegavam até um certo ponto, parecendo que iam evoluir para o estado demencial, mas o quadro regredia totalmente. Assim, Bleuler definiu o grupo da esquizofrenia como sendo um conjunto de condições em que há uma cisão da personalidade, há uma ataxia intrapsíquica, como dizia Stransky, isto é, ocorre um desligamento entre os dinamismos psicológicos e isso aparenta um estado demencial. No entanto, dizia Bleuler: isso pode regredir, pode estacionar ou pode levar o paciente ao estado demencial.

Portanto, na concepção de Bleuler, não é possível estabelecer um prognóstico. Ninguém pode dizer, tomando um paciente que se encaixe no diagnóstico de esquizofrenia, se o mesmo vai evoluir para o estado demencial ou se vai retornar ao seu modo de ser anterior. 

Além disso, incluiu nos quadros clínicos da esquizofrenia, pacientes com psicoses reativas, psicoses infecciosas e, portanto, um quadro mental secundário a uma infecção: desapareceu também o critério etiológico.

Essa ampliação conceitual do significado de esquizofrenia colocou, no mesmo lugar, uma psicose de base genética com uma psicose causada por doença infecciosa. Essa caracterização acarretou uma generalização excessiva. Dessa forma, na acepção comum que o termo esquizofrenia tomou no plural, há as formas endógenas e as formas que são ocasionais, denominadas de esquizofrenias sintomáticas. Daí a concepção de esquizofrenia secundária de Kurt Schneider. Isto desfaz, por completo, a possibilidade de prognóstico. Se a psiquiatria não tiver capacidade para, ao examinar o paciente, prever qual seria a solução adequada e também prever o curso que vai ter a doença, ela está dando muito pouco de si, está auxiliando muito pouco o paciente.

Essa dificuldade desapareceu ou pelo menos se atenuou muito com o critério de Kleist. Ele reviu os mesmos pacientes de Kraepelin, mas não seguiu a orientação de Bleuler. Ele afirma num dos trabalhos que escreveu, numa revisão que ele fez sobre os pacientes esquizofrênicos, que ele devia muito a Kraepelin e a Bleuler como aperfeiçoadores do conhecimento psiquiátrico, mas que não seguia nem um nem o outro, ao contrário dos seus contemporâneos, porque ele achava que o critério deveria ser outro. 

Ele seguia o critério de Wernicke, conforme temos reiterado, de quem foi discípulo e continuador. Esse modo de ver tenta estabelecer a necessária correlação entre o quadro psicológico e o psicopatológico com as disposições cerebrais. Embora não seja uma ligação direta entre um aspecto e outro, não se deve traduzir um aspecto diretamente no outro, isto é, as alterações cerebrais não são diretamente expressas no quadro clínico, há uma série de inter-relações entre os aspectos psicológicos e os aspectos somáticos, especialmente cerebrais. Assim, é inevitável e fundamental que se leve em conta o cérebro ou encéfalo no raciocínio psiquiátrico.

Julgando assim e pesquisando com mais rigor os sintomas clínicos através da patogênese e não da descrição do quadro, ele isolou de modo diferente os vários quadros estabelecidos por Kraepelin e depois por Bleuler. 

Já mencionamos o trabalho de Hecker, em Königsberg, trabalhando com Kahlbaum, delimitando aqueles pacientes que logo de início entravam em estado de decadência, evoluindo rápido para o estado demencial. 

Tomando os pacientes de Hecker e depois de Kahlbaum, que estudou uma variedade em particular, Kleist achou que havia, de fato, quadros que cabiam na rubrica de Hebefrenia, assim como na rubrica de catatonia para os quadros descritos por Kahlbaum. 

No entanto, mostrou que em todos os grupos havia pacientes que apenas pela semelhança de sintomas entrariam nessa classificação, que não eram realmente hebefrênicos nem catatônicos. O primeiro cuidado de Kleist, portanto, foi estabelecer uma seleção dos pacientes compatíveis com essas rubricas e desvencilhar desse grupo aqueles que somente pela aparência cabiam nessa classificação. 

A primeira classificação que ele fez, portanto, foi em relação aos pacientes que tinham um quadro hebefrênico ou um quadro catatônico, e outros que tinham a denominação geral de demência paranoide, isto é, uma demência em que havia, como característica fundamental, uma produção mental delirante ou alucinatória. 

Dessa forma, primeiramente, quando Kleist trabalhou em Erlagen, de 1909 até 1916 (interrompendo dois anos durante a primeira guerra europeia), ele mostrou que nos estados delirantes residuais, a que ele chamou grupo da demência paranoide de Kraepelin, havia outro grupo que entrava tardiamente nesse quadro e que apresentava uma série de alterações ligadas com a evolução senil ou pré-senil. Chamou esse grupo de Paranoia de Involução, isto é, desligou do grupo das demências delirantes, baseadas muito em alucinações, que tinham um comportamento diferente das demências paranoides propriamente ditas. 

A demência paranoide constituiria um grupo básico, em sentido estrito, seriam alguns casos que apresentavam um quadro de alucinose progressiva, isto é, com o sintoma alucinatório como predominante no quadro e os que tinham a elaboração delirante como aspecto fundamental, com produção intensa, que não dependiam tanto da alucinação, mas de preferência da elaboração mental, parte mais diferenciada do trabalho mental. 

Delimitou, ainda, um outro quadro clínico que chamou de “forma paranoide com fuga de ideias” e não sabemos se constituía um fenômeno de interpretação que tem essa tendência expansiva ou se correspondesse a Psicose Progressiva de Influência. Isso não está claro porque reconstituímos isso a partir dos trabalhos que publicou, primeiro, em 1914, e depois no final da sua vida, em 1957. 

Posteriormente, havia casos cujo elemento fundamental consistia na confusão mental, além de um grupo à parte que ele não distinguiu, de início, como quadro clínico especial: quadros com incoerência ou desordem paralógica, mas, com patogenia, fundamentalmente, incoerente na produção intelectual ou na expressão. 

Notem que já havia o isolamento de um grupo que estava ainda mal definido na terminologia de Kleist de 1914, mas, que quando ele fez o relatório sobre as demências paranoides, ele acentuou bem esse aspecto, quer dizer, a existência de um tipo particular de demência paranoide com confusão que não era comum nas outras formas, na alucinose e na fantasiofrenia.

Portanto, na primeira divisão que ele fez, formulada em 1914, num relatório sobre as demências foram referidas várias formas paranoides, uma forma de hebefrenia e uma de catatonia. Em seguida, quando retornou ao trabalho em Rostok como docente (ao voltar da guerra), ele distinguiu melhor os quadros da forma paranoide, desdobrando-os em outros dois tipos que, mais tarde, tomaram o nome de Somatopsicose Progressiva, no caso hipocondríaco e de Autopsicose Progressiva, que é expansiva. Notem que ele apenas precisou melhor os quadros clínicos, mas usou sempre, desde o início, o critério patogenético, procurando mostrar qual o motivo fundamental, isto é, quais as esferas da personalidade estão fundamentalmente atingidas, não apenas para a produção psicótica, mas, para a configuração do quadro clínico. As formas que são confusionais – a Paralógica e a Incoerente -, ele já havia desdobrado como um grupo particular no âmbito do grupo das formas confusionais. 

Dentre as demências paranoides havia aquelas cinco primeiras, que depois se desdobraram em sete, dentre as formas confusionais, inicialmente, como integrantes também do grupo paranoide, mas isoladas pelo aspecto fundamental de haver paralogia ou incoerência, como elemento fundamental. No grupo da hebefrenia, que ele chamou depois de “devastação afetiva”, distinguiu três quadros característicos: o da forma pueril, o da forma depressiva e o da forma improdutiva, que se caracterizava pela apatia como colorido fundamental do quadro clínico. Depois, desdobrou melhor esse aspecto, com a revisão feita por Leonhard, diferenciando a forma autista e a forma apática, desdobradas da forma improdutiva. 

Com relação às psicoses catatônicas, que já constituíam um grupo e não uma forma única, estabeleceu quatro formas distintas: uma forma com carência de iniciativa, que se traduzia no aspecto da comunicação verbal (Catatonia Mutista); uma forma acinética (Catatonia Acinética); uma forma paracinética com liberação motora (Catatonia Paracinética); uma forma negativista em que havia o contrário, o aspecto oposto e o indivíduo não se manifestava, não atendia ao que se lhe pedia, reagia sempre com negativismo, inclusive para a alimentação (Catatonia Negativista); e uma forma estereotípica-iterativa, com agitação, uma forma agitada. Vamos ver depois que essa distribuição foi maior ainda, mais precisa, mais especificada, quando ele assumiu a clínica de Frankfurt am Main em 1920 (Catatonia Estereotípica). Distinguiu melhor a patogênese, particularmente, diferenciando melhor, quanto ao envolvimento das esferas da personalidade: da esfera afetiva e da esfera conativa, no caso. 

Em 1935, Leonhard, trabalhando justamente em Erlagen, mais tarde em Rostock, encontrou as formas de Kleist que já mencionamos.

A partir da próxima página exibimos dois Quadros onde aparecem as 26 formas progressivas (Esquizofrenia) segundo Kleist, bem como sua patogênese (Esfera e sistema atingido em cada uma delas). 

Quadro I – As 26 Formas Esquizofrênicas (Psicoses Progressivas) segundo Kleist

Quadro II – As 26 Formas Esquizofrênias (Psicoses Progressivas), segundo Kleist. No quadro A. Silveira procura evidenciar as esferas centralmente envolvidas em cada grupo, bem como os sistemas cerebrais referentes a cada forma 

  1. Texto organizado pelo Dr. Roberto Fasano Neto, em 2003, a partir de aula Aníbal Silveira, sem referência de local ou data e de quem compilou, sendo revisto, em 08/11/22, por integrantes da Comissão de Revisão do CEPAS: Flávio Vivacqua, Francisco Drumond de Moura, Paulo Palladini e Roberto Fasano Neto ↩︎