A Saúde mental do trabalhador. Relato de um caso.

A Saúde mental do trabalhador. Relato de um caso¹.

Francisco Drumond Marcondes de Moura
Diretor, Ambulatório de Saúde Mental da Vila Brasilândia, São Paulo, SP

Para referenciar a sua prática clínica um técnico de saúde mental necessita de uma teoria da personalidade, bem como de um instrumental técnico para aplicá-la. No entanto, tendo em vista a natureza social da individualidade humana cumpre questionar: este referencial permite discriminar os determinantes individuais e sociais do sofrimento psíquico? Como distinguir a participação individual da produção social da doença? Em nosso modo de ver, esta necessidade impõe integrar ao instrumental teórico e técnico referido a análise do processo de produção. Esta subentende o conjunto de condições objetivas e subjetivas da vida de relação com o meio: a organização do trabalho; as relações sociais de produção; o padrão de consumo e os mecanismos de sua reprodução no cotidiano; a caracterização do momento histórico em que tudo isso se dá. Sob este ponto de vista mais amplo foi investigado o caso de um metalúrgico de São Paulo, em maio de 1985, após 14 anos de trabalho e logo após o retorno de férias coletivas, apresentou um quadro de cefaleia intensa e liberação desordenada de agressividade. Foi internado em hospital psiquiátrico tendo permanecido amarrado ao leito por 9 dias. Foi retirado a força pela família e levado a Ambulatório de Saúde Mental. Inicialmente (em princípio de agosto) foi medicado com 50mg diárias de imipramina. Dezoito dias depois eclode um surto de feitio paranoide: é então medicado com haloperidol e clorpromazina. No início de outubro foi transferido para outro Ambulatório de Saúde Mental onde foi objeto da presente investigação. A configuração do quadro sugeria a participação de fatores exógenos: a precariedade das condições de trabalho (ruído excessivo, pó de alumínio) e a intervenção iatrogênica do “tratamento psiquiátrico”, internação irresponsável, medicação intempestiva e inadequada. A análise mais aprofundada revelou que a dinâmica interpessoal no ambiente do trabalho, particularmente com o encarregado do seu setor, foi um dos fatores decisivos no desencadeamento da crise. Ficou claro também a participação fundamental de certos aspectos de sua personalidade nesse processo. 

¹Trabalho apresentado na 39ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência -SBPC -, São Paulo, SP, julho de 1987