Ambição

Ambição1
(Lucia Maria Salvia Coelho)

Entre o estímulo instintivo ou “interesse direto” e a verdadeira expressão da sociabilidade – que se caracteriza através dos sentimentos – podemos distinguir um grupo específico de funções denominadas por Comte de “ambição”. Estas funções não podem ser consideradas como instintos, pois apesar de sua natureza egocêntrica elas supõem o relacionamento interpessoal. Assim, a “ambição” corresponde às tendências básicas humanas, que são subjetivas e que desempenham um papel primordial nas primeiras fases de integração social. Por serem mais diretamente ligadas à individualidade elas possuem maior intensidade e energia que os sentimentos sociais.

Comte define as funções da ambição como: “necessidade de domínio” e “necessidade de aprovação”. Algumas escolas psicológicas atuais reconhecem a importância destas disposições básicas como móveis específicos do comportamento humano. Assim, por exemplo, Adler desenvolve o estudo da “necessidade de domínio”, enquanto Sullivan considera como essencial para o amadurecimento psicológico a participação da “necessidade de aprovação”, por ele considerada como “necessidade de segurança e de apoio social”.

A classificação positivista das funções da afetividade utiliza o critério hierárquico de energia decrescente e de complexidade crescente. Assim, Comte situa as funções da ambição como menos enérgicas que as funções de conservação e mais enérgicas que os sentimentos. Entretanto, tal fato não implica que estas funções apareçam antes das expressões da sociabilidade. As necessidades de domínio e de aprovação apenas se manifestam quando os sentimentos sociais básicos já estiverem mais desenvolvidos que as reações instintivas: a expressão destas necessidades básicas implica no relacionamento interpessoal.

Necessidade de Domínio ou Orgulho

A necessidade de domínio, como expressão primeira de afirmação pessoal, surge no comportamento infantil como desejo de dominar os demais e o ambiente. A criança percebe que os estímulos externos são variáveis enquanto ela própria sente-se como mais estável. Tal reação corresponde a um dinamismo emocional que decorre da repercussão da noção do ambiente na função afetiva caracterizada como “orgulho”.

Deste modo, compensando o sentimento inicial de desamparo e de busca de proteção, a criança revela-se emocionalmente capaz de dominar o ambiente. Daí decorre a sua noção de onipotência e de poder sobre os demais.

Caso não houvesse esta disposição subjetiva para dominar o ambiente não seria possível o desenvolvimento da autoafirmação refletida e da confiança em si mesmo para o desempenho dos projetos futuros. Sem a necessidade de domínio a criança ficaria à mercê das variações do ambiente e das reações alheias. Ela seria um ser impotente, excessivamente dependente e facilmente sugestionável.

No desenvolvimento normal da criança ela começa a exigir a atenção dos demais, ela pretende ser o centro de atração e, então, ela manifesta comportamentos e reflexões próprias, procurando submeter os demais à sua vontade. Nessa fase inicia-se a diferenciação da própria identidade e o reconhecimento do valor pessoal.

A necessidade de domínio associada à destruição constitui a base elementar à evolução do comportamento e do pensamento crítico. Nesse caso o indivíduo revela-se capaz de opor-se ao seu meio e aos padrões convencionais de pensamento. 

Na teoria desenvolvida por Angyall a noção de “orgulho” corresponde ao “impulso para a superioridade”. Esta tendência raramente se expressa sob forma pura, mas antes ela tende a se combinar com os instintos e com os sentimentos sociais. Assim, por exemplo, a prevalência da associação entre o instinto de posse e a necessidade de domínio sobre os sentimentos sociais pode traduzir-se como necessidade exagerada quer em adquirir valores materiais, quer de acumular conhecimentos. Torna-se frequente, nesse caso, o indivíduo conceber seu próprio valor a partir dos bens materiais que ele possui ou dos produtos por ele produzidos. Tal convicção representa um meio imaturo do indivíduo afirmar-se diante dos demais e ela se acompanha geralmente do impulso para destruir obstáculos que se apresentem contra a realização pessoal. Entretanto, o estabelecimento harmônico da autoafirmação depende necessariamente da evolução da necessidade de aprovação e fundamentalmente diferenciação dos sentimentos sociais. Neste nível de maior complexidade que não apenas envolve as funções afetivas superiores, mas também a capacidade intelectual e a disposição conativa, o orgulho se associa à vaidade estimulando o indivíduo a dar de si, isto é, a tornar-se altruísta.

Necessidade de Aprovação ou Vaidade

O comportamento humano não pode ser reduzido à simples busca de satisfação das necessidades egoístas e nem do impulso para dominar o ambiente. Se assim fosse a vida social seria incompreensível. Se observarmos o comportamento da criança podemos constatar que, em uma certa idade, ela começa a manifestar a necessidade de ser reconhecida e aceita pelos demais. Esta necessidade representa uma fonte poderosa para a socialização do ser humano. Esta função afetiva que supõe, como as demais, uma disposição inata, necessita ser estimulada pelo meio social que de início se define no ambiente familiar.

Sabemos que o comportamento humano é em grande parte influenciado pelo desejo de não desapontar os outros. Alguns indivíduos chegam mesmo a temer uma mudança em sua existência ou a evitar sua discordância pelos valores sociais vigentes, por recearem o juízo que os outros poderão formular a seu respeito. O exagero desta necessidade em obter segurança através da aprovação alheia poderá dificultar o desenvolvimento adequado do altruísmo genuíno. Neste caso esta necessidade assume o feitio conservador levando o indivíduo a conformar-se com o que possui, em não arriscar novos empreendimentos e em não criticar os valores adotados pela maioria. Neste caso a função conativa que prevalece é a da prudência e a adaptação intelectual predominante é a do tipo indutivo.

Entretanto a participação equilibrada desta função em relação às demais, permite o desenvolvimento das relações interpessoais a partir do reconhecimento dos sentimentos alheios na concepção da própria imagem psicossocial.

  1.  Apostila produzida na Faculdade de Medicina de Jundiaí, como complemento ao curso de Psicologia Médica, para o curso de Psicologia Médica para os médicos residentes em Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Jundiaí e para o Curso de Teoria da Personalidade para a Sociedade Rorschach de São Paulo. Composta em agosto de 1978. Já considerada em parte superada por sua autora que já reescreveu o tema sob novas perspectivas. No entanto, eu, Roberto Fazzani redigitalizei e formatei o grupo de apostilas ao qual esta pertence pois poderão ser úteis na compreensão inicial da Teoria Sociológica da Personalidade por nós adotada. ↩︎