Estudo clínico do mecanismo de ação do haloperidol sobre os sistemas cerebrais ligados com a percepção¹.
Francisco Drumond Marcondes de Moura
Hospital Psiquiátrico de Juquery
A caracterização do haloperidol como agente terapêutico de múltiplos dinamismos psicopatológicos é uma pretensão causada pela apreciação pouco cuidadosa dos fatos clínicos. Tal equívoco decorre, em nosso entender, do critério utilizado na avaliação clínica dos efeitos desse neuroléptico. A razão é simples: os pacientes com distúrbios senso perceptivo, como inibição ou desagregação do trabalho mental, com delírios persecutórios ou de influência, com embotamento afetivo, com inatividade ou ação desordenada podem ser notavelmente beneficiados com haloperidol. Do ponto de vista descritivo, isto sugere uma ação bastante ampla da droga. No entanto, do ponto de vista da patogênese todos os sintomas assinalados podem ser subordinados a um dinamismo patogênico único (Kleist-Silveira). Fica claro aí a razão do equívoco. O dinamismo em causa, no plano subjetivo, é a desordem na contenção dos estímulos sensoriais, da qual depende diretamente o processo de seleção das imagens sensoriais (Silveira). Em termos neurofisiológicos corresponde à falência da regência cortical de certos dinamismos sub-corticais, que são patologicamente liberados. O haloperidol corrige exatamente esse aspecto. O comprometimento da seleção sensorial provoca distúrbio na percepção e na elaboração ocasionando a desagregação mental ou ideias delirantes. Isto repercute na atividade que se torna desordenada, plena de simbolismos ou mesmo bloqueada. A reação afetiva é em parte ou completamente polarizada pelas imagens do mundo subjetivo, donde o aparente estado autista ou de grave embotamento afetivo. Esse mecanismo de ação do haloperidol pôde ser estabelecido de forma excepcional em 30 pacientes selecionados dentre 204 investigados sob a ação da droga, por um período superior a 6 meses. A dosagem terapêutica variou de caso para caso – a mínima foi de 4mg e a máxima de 30mg diários. Aparentemente, o efeito terapêutico não depende da dosagem mas sim da sensibilidade do paciente ao medicamento. A impregnação dos gânglios da base foi sistematicamente evitada, o que não impediu a ação terapêutica. Isto permite afirmar que não há ligação entre os dois aspectos. Foi observado também não existir relação entre efeito terapêutico e tempo de doença: o tempo médio é superior a 15 anos de internação.
¹Trabalho apresentado na 33ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência -SBPC -, Salvador, Bahia, julho de 1981.