Níveis de elaboração intelectual da realidade, participação dos fatores afetivo e conativo da personalidade.

Níveis de elaboração intelectual da realidade, participação dos fatores afetivo e conativo da personalidade. Duplo aspecto da função intelectual da linguagem, comunicação do trabalho mental e aperfeiçoamento da elaboração1

(Aníbal Silveira)

Como já vimos, a percepção é um processo complexo que abarca toda a superfície cortical, exigindo a integridade de suas zonas e a ação delas em sinergia.

Quando uma pessoa olha a outra na rua e não a vê, não houve sinergia dos órgãos da percepção, não houve interesse, não houve conexão com o estímulo, não houve a consciência da pessoa. A percepção exige consciência, mas esta só não a explica. Um indivíduo pode atuar de maneira coordenada sem estar consciente, como no caso de um ato colérico; quando estamos distraídos podemos não perceber uma coisa, porque nossa atenção está dirigida para outra.

Níveis da elaboração intelectual da realidade

(ver quadro Dinâmica das operações intelectuais)

Diagrama<br><br>Descrição gerada automaticamente

Como complemento a este quadro, com o escopo de apresentar a correlação com a região cerebral envolvida no processo descrito, apresentamos o quadro abaixo, transcrito da apostila:

  1. Imagem sensorial – estágio subcortical
  2. Imagem primária – estágio cortical – parieto-occipital (componente acessório; estágio cortical – frontal (componente principal)
  3. Imagem subjetiva – estágio cortical – frontal
  4. Sinal – estágio cortical – frontal (humano)
  1. A imagem sensorial, é a que resulta dos estímulos dos gânglios subcorticais por uma impressão encaminhada pelos órgãos correspondentes (tato, visão etc.) isto é, forma-se indiretamente pela vibração dos gânglios subcorticais excitados pela recepção sensorial quando ela é percebida, torna-se:
  2. Imagem primária, portanto, já passou para o estágio cortical, já é consciente. Passa-se no nível do córtex cerebral; se houvesse uma deformação no córtex cerebral a imagem já é alterada. Pode ser global, ou completa ou sincrética e pode-se dar com associação de todos os estímulos (visuais, auditivos etc.). Presta-se à contemplação, à observação do que acontece no mundo exterior, resultado disso apenas noções (zona parieto-occipital) → zona frontal
  3. A imagem subjetiva ou incompleta, ou abstrata, já é uma imagem elaborada e dependente da primária, e sendo ainda do estágio cortical, já se situa na zona frontal. Com elas surgem as ideias, os pensamentos.
  4. O sinal ou associação simbólica, ligada a modificações da imagem cerebral é ligado ao exterior, é um aperfeiçoamento da imagem subjetiva, sendo mais abstrata que ela. Está também no estágio cortical-frontal, mas, é própria do homem. É difícil de saber se é exclusivamente humana, mas sua formação corresponde a certa estrutura cerebral frontal que só aparece no homem. A destruição dessa zona dá perda do conhecimento abstrato e da expressão abstrata. Esta é a fase mais independente da elaboração intelectual, mas, sem a imagem primária adequada não chegamos ao sinal.

Sendo o homem um animal que se guia pela visão, será que esse órgão sensorial é indispensável para uma ideia abstrata ou a facilita? A deficiência de um órgão sensorial é suprida por outro órgão. Ex. Helen Keller – seu tato extraordinário supriu a ausência da visão e da audição. Na criança o primeiro órgão a atuar é o do tato, mas, depois a visão toma seu lugar. 

Segundo Audiffrent há uma raiz afetiva na formação da imagem primária. Ela apresenta duas partes: uma principal e outra acessória: a acessória é determinada pela afetividade e nos dá o “juízo de valor”. A imagem primária nos faz ver um quadro surrealista, mas, por nossa reação afetiva é que vamos ter uma ideia do quadro e isso já está no plano subjetivo. Como no teste de Rorschach, há primeiramente um contato intelectual e posteriormente aparece a imagem subjetiva, já carregada ou elaborada por nossa afetividade. A parte acessória leva para uma associação inconsciente (afetiva).

Segundo A. Comte, as imagens primárias se dão por contemplação ou por observação. Ex. ao ver uma flor, temos também outros estímulos: é suave, perfumada, agradável ou desagradável; de acordo com a afetividade – cada um, se dá as associações. A contemplação é de dois tipos: é concreta, quando ligada ao exterior nos dá noções das coisas; é abstrata, quando ligada com o mundo interno e nos dá os fenômenos da atividade dos seres.

Lafitte e Audiffrent estudaram estes aspectos dos níveis de elaboração intelectual da realidade. Para Lafitte o elemento abstrato é fenômeno mais diferenciado que o concreto: primeiramente teríamos a impressão total e em segundo lugar haveria o aspecto da dissociação em diversos fatores.

Audiffrent diverge de Lafitte dizendo que o elemento concreto faz o contato com o mundo exterior, levando à abstração; depois isto há novamente a reconstituição do mundo exterior; nesta volta se dá o fenômeno mais diferenciado, menos geral, que é da abstração.

As noções (imagens primárias) são contemplativas, mas a contemplação de A. Comte é ativa. Para ele, a meditação é a que nos dá o conhecimento do exterior; é dedutiva quando estabelece nexos com os objetos do exterior; e pela comparação chega ao resultado; indutiva, também, leva ao resultado; mas é a volta à dedução que nos leva à construção de imagens. Posteriormente, Comte mudou a ordem.

Para Audiffrent a construção depende da abstração, porém em todos os autores citados encontramos a contemplação concreta e abstrata e os dados elaborados, tendo em si uma carga afetiva.

Para formarmos uma imagem exterior dissociamos os aspectos afetivos e a graduação é mais fácil quanto maior a simplificação. A afetividade permite perceber os elementos secundários. Na neurose existem emoções internas que não permitem dissociações. 

A imagem primária leva a “juízos de valor”, enquanto a imagem subjetiva nos dá os “juízos de realidade”. Para que exista a passagem de juízos de valor para o de juízo de realidade, é necessária uma filtragem das cargas afetivas; isso será mais difícil ou mais fácil para cada indivíduo, dependendo do sentido e do significado que elas tenham. A criança vê apenas à mãe, idealizada e só mais tarde poderá dissociar o ser real de suas cargas afetivas, o que sempre traz sofrimento para a criança. Aos seus 7 anos, ela já tem imagens abstratas. Às vezes ela dissocia da imagem materna uma característica que não lhe agrada; essa dissociação é feita com sacrifício e há uma defesa da criança quando essas ideias são comparadas com a ideia de outras fontes de aborrecimento. A criança sofre e ela conserva uma ideia abstrata da mãe ideal.

Essa série de funções têm por objetivo chegar à abstração através da meditação e da contemplação.

Expressão – A linguagem é uma função intelectual que não se reduz nem à meditação nem à contemplação; para expressar nossas ideias pela linguagem, lançamos mão dos símbolos – é o que chamamos de comunicação, que é também uma elaboração; chegamos aos símbolos a partir de imagens sensoriais.

Pela carga de afetividade que carrega, a imagem primária tem uma grande importância na infância. O selvagem também usa símbolos muito elementares sem qualquer elaboração, porque não atingem o plano intelectual, mas eles são muito carregados de afetividade, têm grande força de expressão.

A linguagem e o sinal são ligados à zona cortical frontal.

A linguagem tem dupla finalidade: (1) expressão – transmitir o pensamento; (2) elaboração abstrata – sinal (pensamento filosófico, matemático) desprovido então totalmente de características afetivas, o pensamento intelectual se apresenta puro.

Existe uma seriação dos diversos níveis da elaboração intelectual, desde a imagem sensível até o sinal. Segundo A. Comte e Pavlov a relação constante entre uma sensação e uma imagem constitui o sinal.

Essas várias funções intelectuais põem em jogo todas as funções especiais. O adulto, em um determinado pensamento, vê a imagem visual, mas também tem ideias da imagem acústica; estão ligadas no mesmo sentido, mas já são muito intelectuais.

Nas imagens primárias há noção que se orientam para a associação na imagem subjetiva também pode servir para a associação e ambas serão usadas na expressão.

Por exemplo – na linguagem poética usamos mais uma expressão em termos de imagens primárias. Já na linguagem matemática a expressão é dada por uma passagem da imagem primária para a imagem subjetiva representada pelo sinal.

  1. Não tenho referências quanto a esta aula. Não submetida a revisão do autor. ↩︎