SISTEMAS PSÍQUICOS – CORRELAÇÕES NEUROFISIOLÓGICAS

SISTEMAS PSÍQUICOS – CORRELAÇÕES NEUROFISIOLÓGICAS

Comte caracteriza a personalidade como o resultado do arranjo de um conjunto de dezoito funções específicas do cérebro, representada por órgãos cerebrais, que trabalham em harmonia, resultando no trabalho mental. Esse mecanismo todo só pode ser dissociado por abstração. Gall foi o primeiro autor a demonstrar que: os órgãos são múltiplos, estão localizados no cérebro e são peculiares não só ao homem, mas também aos animais.

Flourens rebelou-se contra Gall, achando suas teorias um absurdo, mas posteriormente, ele mesmo declarou que fora devido a conceito religioso. Considerava Gall um extraordinário anatomista. Havia duas correntes psicológicas: uma, a holista, não admitia a divisão do cérebro como constituído de vários centros, funcionando isoladamente; assim teríamos o centro da fala, da visão etc. Segundo Comte, baseado em Gall, o cérebro funciona como um aparelho constituído de diversos órgãos e é possível correlacionar essas funções psíquicas com a base estrutural do cérebro.

Na psicologia moderna só Kleist aceita concepções semelhantes. Foi Munk em 1890 o iniciador das experiências localizatórias, dos centristas, através de mutilações de animais de laboratório. Isso cinquenta anos depois de Gall ter isolado os órgãos cerebrais. Os centristas reduziam as funções a uma área cerebral. Kleist tinha uma concepção muito mais dinâmica das funções cerebrais, que implicava no conceito de regência. Mostrou, por exemplo, que a afasia sensitiva e a nominal tinham a mesma origem. Quem mostrou que nos distúrbios da grafia as áreas afetadas eram as áreas 40 e 39 foi Kleist.

Broca havia situado na área 44 de Brodmann o centro motor da linguagem. Distúrbios a esse nível seriam responsáveis pela afasia motora. Pierre-Marie mostrou que a afasia motora não correspondia a uma lesão na área 44, mas ao comprometimento de uma área maior, com a forma de um quadrilátero.

Comte, baseado em Gall, na neurofisiologia comparada, mostrou que a parte posterior corresponde à zona afetiva, parte posterior, inclusive o cerebelo; mas o campo 6, que corresponde à bondade e que é uma função afetiva mais diferenciada, está localizada no lobo frontal alto. Segundo Comte, o que há não é um centro cerebral e sim um órgão cerebral. Assim, todas as funções correspondem a resultados de órgãos, no entanto, o que se localiza não é a função, mas o órgão. Comte não precisou a forma nem a localização exata dos órgãos, com exceção do órgão da bondade, do instinto sexual e do nutritivo. O que ele fez foi indicar a posição relativa dos órgãos. Situou a bondade na área 6, porque é a mais recente filogeneticamente, mais afastada da esfera afetiva. O instinto sexual foi localizado nos hemisférios cerebelares e o instinto nutritivo no vermis cerebelar. Situou a afetividade na parte posterior da corticalidade e a inteligência na parte frontal. Como a atividade é intermediária entre a afetividade e a inteligência, foi localizada na zona média do cérebro. A atividade engloba as áreas 4, 1 e 3 (4, zona motora e 1-3, parte sensorial). Para que haja ação é fundamental que tanto a zona motora quanto a sensitiva estejam íntegras. Portanto, a vertente posterior do sulco de Rolando é indispensável para que haja a ação coordenada. Segundo Kleist, a afasia nominal é um distúrbio que decorre da falta de regência da região correspondente à parte inferior da vertente de Rolando, e ao giro supra marginal, sobre a região anterior. A afasia nominal resulta, portanto, da falta de regência da região parieto-temporal sobre a região anterior. 

Assim pode haver alteração funcional que decorre da alteração da regência e não do órgão. Por exemplo, um delírio pode ser decorrente de uma alteração da regência da zona parieto-temporal sobre a zona frontal. A mesma coisa pode se passar no automatismo mental. Teremos, então, um sintoma frontal como repercussão de uma lesão parieto-temporal. 

O importante é compreender que se formam sistemas: essa concepção de sistemas cerebrais correspondentes a sistemas psíquicos, na Teoria Cerebral de Comte, foi introduzida por Audiffrent. Pode haver, por exemplo, um órgão que rege outro, e a sintomatologia é como se fosse a que resultaria de uma lesão do órgão regido. 

Na figura I, se apresenta o resumo das funções subjetivas baseado num quadro de Augusto Comte. Comte no seu esquema colocava a atividade acima da inteligência porque é a que está mais ligada com o mundo exterior. Mas como a atividade é intermediária entre a afetividade e a inteligência, e sem ela não há noção, alteramos o esquema colocando-a entre a afetividade e a inteligência.

DiagramaDescrição gerada automaticamente com confiança baixa

A Figura II assinala os sistemas funcionais do cérebro. Há uma dependência crescente da parte básica para a mais diferenciada e da parte anterior para a posterior. Em resumo, temos na teoria de Comte essa correlação de funções, e isso é que a caracteriza.

Diagrama, EsquemáticoDescrição gerada automaticamente

Experiências neurofisiológicas demonstram que é possível inibir uma função psíquica correspondente a uma determinada área, estimulando uma ou outra área distante daquela. Existem no córtex zonas supressoras já individualizadas. Assim, por exemplo, a áreas 4s e 19 de Brodmann. Há uma correlação íntima, indicando também uma alteração (inibição), na atividade bioelétrica do cérebro

No gato, esses órgãos são mais limitados e excitando certos órgãos produzem efeitos determinados e bem delineados. No chimpanzé são mais complexos esses mecanismos e no homem ainda mais. 

Estimulando a zona 4 do chimpanzé haverá descarga motora resultando numa convulsão epiléptica. Se estimularmos a zona 4s, supressora, desaparece completamente e imediatamente a convulsão e também a atividade bioelétrica. A zona 4s é uma variação pouco diversa da área 4 (é uma zona supressora). As áreas 18 e 19, parte visão psíquica, são áreas supressoras que inibem as zonas anteriores. A zona 10 envia estímulo para a zona 22. 

Na figura III observamos que a área 8, 4s e 19 correspondem às zonas supressoras. A zona 7 é uma zona de regência em relação à zona 6. Se coagularmos a zona 7, haverá alteração da zona 6. No entanto, depois de 15 dias se estimularmos a zona 7 observa-se, no registro eletroencefalográfico, ondas lentas indicando a reconstrução da zona 7; e com total normalidade da zona 6, pois o traçado aqui corresponde a ondas normais. Isto decorre porque há uma suplência da zona 7 do outro hemisfério, o que explica a normalização do traçado eletroencefalográfico da zona 6. Cortando o corpo caloso desaparece completamente essa regência e o traçado correspondente à área 6 deixa de ser normal.

Por outro lado, a zona auditiva se recompõe apesar do corpo caloso estar cortado. Se alterarmos a zona anterior, essa recomposição não se verifica: neurofisiológicamente existe esse aspecto, psiquicamente ainda não foi demonstrado.

Figura III. Cérebro de macaco

A figura IV mostra as zonas supressoras e excitadoras do córtex do chimpanzé. A zona 6 envia estímulos para a 19, que é uma zona supressora. A zona 6 que dá contato com a zona 7. 

No homem essa complexidade é maior, envolvendo as áreas 4, 2 e 19. A área 19 corresponde à zona psíquica visual, a zona 2, sensibilidade somático-psíquica e a 4, motora. 

Figura IV – Cérebro do Chimpanzé

Na Figura V observamos que as áreas 2, 4 e 8 enviam estímulos supressores para as zonas 31 e 32, inclusive. Se admitimos que estes estímulos vêm do cérebro (Magoun), então teremos as vias cerebelo-lobo orbitário-cíngulo e parte para a zona cortical. 

Assim, segundo Comte, teremos as três esferas da personalidade: afetividade que estimula a inteligência, através do interesse; a atividade que atua indiretamente na afetividade (através da inteligência). No interior de cada esfera há uma hierarquia de funções. O setor básico é a afetividade, no contato com o mundo exterior vai prevalecer a inteligência, mas sempre com a regência da afetividade. 

Dessa forma, as Esferas representam um conjunto de funções psíquicas e os Sistemas correspondem à interrelação de órgãos, e ainda temos uma hierarquia no sentido das funções daquilo que é mais importante. A função básica é o instinto nutritivo, tanto mais independente quanto mais elevado é na evolução da espécie. A hierarquia funcional opera no sentido de estimular, a regência no sentido de subordinar. O cerebelo estimula o lobo orbitário, mas é regido pela zona orbitária. Por outro lado, através do hipotálamo, o cerebelo rege a parte visceral. Verificou-se que uma lesão na região anterior (lesão do lobo orbitário) leva o indivíduo a morrer de inanição por causa da falta de regência da zona orbitária sobre o cerebelo. A zona orbitária estimula a zona cortical através do cíngulo. 

Regência é a subordinação de uma parte mais diferenciada para outra menos diferenciada. Estímulo é a facilitação, desencadeamento de estímulo da parte subordinada para outra que subordina. A afetividade estimula a inteligência e esta rege a atividade.

Figura V – Cérebro de chimpanzé – superfície inter-hemisférica

Na Figura VI se apresenta a localização dos órgãos que constituem a Esfera Intelectual: observação concreta na área 46, a observação abstrata na área 10, a dedução na área 9, a indução na 8, a expressão nas áreas 44, 45 e bondade na área 6.

Figura VI – Lobo frontal humano

Na Figura VII se mostra a regência de uma área cortical sobre as outras. Assim, a área 18 rege a 38, a área 8 rege a 18 (visual motora). Cortando o campo 8 do macaco ele perde a noção dos objetos. A parte da afetividade é fundamental, assim o indivíduo pode ter uma redução importante da sua capacidade mental por alteração profunda da afetividade. Na atrofia cerebelar congênita não se revela nenhum quadro porque as zonas outras a suprem.

Figura VII – Cérebro de chimpanzé mostrando a regência de uma área 
cortical sobre as outras
¹ Aula de Aníbal Silveira, proferida em Campinas em 12 de junho de 1969, sem referência a quem a compilou. Revisto em 18/04/22 por integrantes da Comissão de Revisão do CEPAS: Flavio Vivacqua, Francisco Drumond de Moura, Paulo Palladini e Roberto Fasano.