Teoria do Instinto segundo Comte e Silveira

Teoria do Instinto segundo Comte e Silveira1
(Lúcia Maria Salvia Coelho)

  1. Considerações fundamentais:
  1. Construção teórica que procura representar um fenômeno subjetivo preciso, decorrente do funcionamento cerebral ou de organização neural do animal.
  2. Instintos correspondem a impulsos internos, subjetivos e peculiares a uma determinada espécie. Ao nível somático estes impulsos decorrem de processos objetivos neurofisiológicos e bioquímicos, coordenados por órgãos cerebrais específicos. Os instintos são as expressões subjetivas que apresentam a correlação de ordem mais direta do nível biológico com o psicológico.
  3. As funções instintivas ao lado das funções da sociabilidade compõem o setor da personalidade que denominamos afetividade. Este conjunto de funções impele continuadamente o indivíduo humano a satisfazer as necessidades da própria existência e a adaptar-se harmonicamente aos interesses gregários ou sociais.
  4. As funções instintivas são as funções psíquicas básicas e proveem a possiblidade do indivíduo viver e conservar-se. Estas funções cuja ação pode se desenrolar no próprio indivíduo mantendo um contacto apenas indireto com o ambiente social, através da inteligência e da conação, difere das demais funções psíquicas que subentendem necessariamente a participação do ambiente físico e social. A origem interna dos instintos, liga-se a fatores objetivos orgânicos, determina reações específicas do indivíduo, impelindo-o a agir, a pensar e a integrar-se no ambiente social. Este impulso em si mesmo não é suficiente embora necessário, para produzir o comportamento. Faz-se necessária a colaboração das demais funções psíquicas e das condições ambientais.
  5. As funções instintivas são inatas e autônomas em relação à inteligência, entretanto elas necessitam de um certo grau de participação das funções intelectuais e das conativas para se expressarem como “comportamento instintivo”, em decorrência, o comportamento instintivo é passível de sofrer a influência do ambiente, e admite uma certa gama de variedade em sua expressão.

Observamos que o indivíduo é impulsionado por reações subjetivas instintivas (não conscientes e não passíveis de elaboração lógica) a agir no ambiente para satisfazer suas necessidades. Mas a expressão desta reação depende em parte da participação intelectual que permite a modificação e a adaptação das reações às condições ambientais. A intervenção intelectual será tanto mais significativa quanto mais evoluída for a espécie considerada.

Devemos, portanto, distinguir “instintos” – enquanto funções subjetivas ligadas às funções cerebrais – de “comportamento instintivo”, expressão manifesta destes impulsos, mas que depende da contribuição das demais funções psíquicas. Assim, por exemplo, o comportamento instintivo descrito como “fome” ou “sede” são necessidades que resultam da carência do processo nutritivo, a qual por atingir uma certa intensidade é reconhecida conscientemente como tal.

  1. Ao mesmo tempo que as funções afetivo-instintivas são influenciadas diretamente pelas noções intelectuais (processo emocional básico) e indiretamente pelas funções conativas (que promovem o desencadeamento coordenado do ato instintivo), os instintos estimulam todas as funções psíquicas.

Assim, eles estimulam diretamente o trabalho mental: determinado o interesse elementar pelo ambiente, e igualmente as funções conativas: fornecendo a energia, isto é, as motivações básicas indispensáveis para o desencadeamento da ação explícita.

  1. A inter-relação, que se estabelece desde cedo, entre as funções psíquicas dão uma aparente homogeneidade ao comportamento individual. Entretanto, em condições patológicas, quer orgânicas, quer dinâmicas, esta harmonia se rompe evidenciando a natureza diversa de cada um dos componentes envolvidos no comportamento. Justifica-se assim a necessidade de codificarmos os fenômenos subjetivos de modo a permitir a realização de investigações positivas sobre os processos correspondentes. Daí a distinção estabelecida entre instintos, conação e inteligência. Ela é apenas possível de ser feita através de resultado do funcionamento de cada uma delas, isto é, do dinamismo objetivado no ambiente externo. O resultado das funções instintivas e das funções dos sentimentos – pertencentes ao setor afetivo – corresponde à integração básica, necessária a sobrevivência individual e da espécie (instintos) e ao estabelecimento progressivo do relacionamento interpessoal, em termos de subordinação e a seguir de relativa autonomia do meio social (sentimentos). O resultado das funções intelectivas corresponde à adaptação sensorial, à elaboração de dados e a expressão da concepção – permitindo o contato e a elaboração da noção humana de realidade e ao mesmo tempo a adaptação correspondente. A atuação das funções conativas permite a exteriorização coordenada das intenções em atos e em gestos e promove a estabilização da atenção para o trabalho mental.
  2. Os impulsos instintivos atuam durante toda a existência individual, entretanto eles se exprimem de modo diverso conforme a fase de amadurecimento psicológico. Os instintos de conservação prevalecem e caracterizam as primeiras reações da criança com os demais. À medida que novas funções se desenvolvem elas passam a dominar o relacionamento do indivíduo com o ambiente e consigo próprio, embora permaneça o influxo das funções primordiais das fases anteriores.
  1. Concepção de Instinto

“Conjunto de funções subjetivas que preside a formação do indivíduo e a manutenção dos processos vitais indispensáveis à sua própria sobrevivência e à da espécie. Estas funções estimulam todas as outras funções psíquicas no processo contínuo de integração do indivíduo ao ambiente físico e social”.

  1. Classificação

A classificação dos diferentes instintos é feita segundo dois critérios convergentes:

  1. Quanto ao significado de sua expressão no ser humano, permitindo a distinção de dois níveis: 1. °) nível básico, ligado à conservação da existência física individual e que corresponde ao instinto nutritivo. E, os instintos que permitem a conservação da espécie: sexual e materno. Estes 3 instintos são funções quase originam no próprio indivíduo e permitem a satisfação de impulsos pessoais.
  2. O nível mais diferenciado que permite o aperfeiçoamento do ser humano corresponde às funções intermediárias entre a individualidade e a sociabilidade e que se expressam de modo diverso aos anteriores pois que ela se faz concomitantemente ao relativo amadurecimento da capacidade conativa e do trabalho intelectual. A esse nível devemos distinguir os instintos de construção e de destruição, das outras funções também elementares, mas que, por suporem a participação de relacionamento interpessoal, devem ser designadas como necessidades. Essas necessidades subjetivas foram designadas por Comte como ambição e se traduzem sucessivamente como necessidade de domínio e como necessidade de aprovação e são mais influenciadas que as anteriores, pelos sentimentos sociais. O 2. ° critério à classificação corresponde à identificação do substrato cerebral básico “órgão” e dos sistemas psíquicos responsáveis pelo processo definidor de cada instinto.

A classificação dos instintos tal como ela é feita na teoria positivista não aceita o critério funcionalista que confunde a evidência de uma finalidade imediata e evidente com a delimitação de um instinto e nem se limita a descrever uma série de comportamentos instintivos que neste caso seriam interpretados erroneamente como funções distintas. Tal critério é adotado por McDougall que enumera instintos de fome, de sede, de busca de refúgio etc. Tais reações decorre do impulso nutritivo. Mas são comportamentos intencionais orientado por decisões intelectuais.

  1.  Apostila elaborada para servir aos médicos residentes em Psiquiatria do Hospital do Juqueri, durante o ano de 1980. Colaboraram na confecção Daisy L. Cenachi e Charles Oswald Sardemberg Evans Neto. Trata-se de uma apostila incluída num grupo de apostilas sobre a Teoria de Personalidade, organizadas pela Dra. Lucia Coelho. Eu, Roberto Fazzani redigitalizei e formatei as mesmas. Muitas delas, no entanto, foram consideradas pela autora como ultrapassadas pois ela já reescreveu e elaborou o tema em outros artigos. ↩︎