FUNÇÕES AFETIVAS EM NÍVEIS INSTINTIVOS: REGÊNCIA DO METABOLISMO

FUNÇÕES AFETIVAS EM NÍVEIS INSTINTIVOS: REGÊNCIA DO METABOLISMO¹

A teoria da personalidade, segundo Comte é essencial para se relacionar os vários quadros psiquiátricos com lesões em que haja alterações cerebrais que se traduzem por quadros psicóticos. Sua característica fundamental, que a diferencia de todas as outras, é que todas as funções psíquicas correspondem a funções individualizadas, que funcionam em harmonia, formando um sistema complexo dando a aparente unidade da mente, quando na realidade são funções distintas que se entrosam em sistemas psíquicos. 

Em segundo lugar, a cada uma dessas funções correspondem áreas definidas e podem ser atribuídas a órgãos individualizados localizáveis no cérebro. Outra característica que a diferencia, inclusive da teoria de Freud, é que todas as funções são inatas e inconscientes. Só se toma consciência do resultado dessas funções. 

A maneira pela qual se articulam as funções é inconsciente. Isto foi bem frisado por Comte quando fez a crítica do introspeccionismo. A psicanálise não é um método de introspecção e sim de observação. O indivíduo apenas reproduz comportamento psíquico, vai associando os elementos que são conscientes e o analista, um indivíduo neutro, interpreta esse fenômeno. Benjamin Hoover, com muita razão, coloca Freud na escola positivista. Embora Freud não tenha estudado Comte, ele usou o método positivista, isto é, a observação do tipo empírico e só daí parte para a interpretação. 

A função psíquica corresponde ao funcionamento subjetivo de um órgão cerebral que pode ser localizado. Então, as noções de órgão e de função psíquica estão intimamente relacionadas. 

Não se deve confundir o instinto de nutrição com instinto de fome e sede. Fome e sede são reações subjetivas a uma carência nutritiva que se torna consciente. O instinto nutritivo é uma função subjetiva que corresponde ao plano vegetativo à manifestação de todo o organismo: a organização do indivíduo decorre desse instinto de nutrição. 

Há concordância com a concepção de von Monakow em que o instinto de nutrição precede a formação do sistema nervoso central. Depois da fecundação se desenvolvem uma série de reações que dependem do instinto nutritivo. Em seguida, vem o instinto sexual que juntamente com o nutritivo constitui uma dupla instintiva fundamental. Segundo Comte, o instinto sexual corresponde não apenas às funções sexuais explícitas, mas desde o início, à formação e ao amadurecimento dos órgãos sexuais. Os instintos nutritivo e sexual são básicos e peculiares a todas as espécies, particularmente na série dos vertebrados. O instinto sexual e o de nutrição foram situados por Comte no cerebelo. Isto vai nos permitir mais tarde entender uma série de correlações entre o cerebelo com a parte vegetativa e com a musculação. 

Como sabemos, todo sentido tem um componente de musculação e todas as excitações subjetivas que chegam ao nosso sistema nervoso central são comunicadas ao cerebelo (fato comprovado pela córticografia e pela eletroencefalografia). 

As experiências feitas por Flourens, que fazia ablação do cerebelo mostraram que além das alterações motoras surgiam alterações instintivas. O instinto de nutrição estaria situado no vermis cerebelar e o instinto sexual nos hemisférios cerebelares. Os hemisférios cerebelares correspondem, com exceção do lobo anterior, ao neocerebelo e o vermis faz parte do paleocerebelo. O neocerebelo, sede do instinto sexual, é, portanto, de aquisição mais recente que o paleo, sede do instinto nutritivo. Existem zonas de conexão entre o neocerebelo e o neocórtex e zonas de conexão entre o paleocerebelo e a parte neocerebelar. As fibras de conexão não são todas mielinizadas. 

Distintamente, o instinto materno está provavelmente ligado à zona occipital e há estudos feitos que mostram essa correlação. 

A nutrição se manifesta de duas maneiras peculiares: no sentido geral de estímulo que corresponde ao que se chama ativação do sistema nervoso central e outra forma específica que se chama regência do metabolismo. 

As fibras de correlação cerebelo-encefálicas passam pela região que hoje em dia é conhecida como a sede de ligação com o sistema nervoso autônomo, que é o hipotálamo. 

A outra parte, a que corresponde à distribuição geral dos estímulos corresponde à formação reticular do encéfalo. Portanto, hipotálamo e a formação reticular não são zonas autônomas, mas estão subordinadas às vias cerebelo-cerebrais. Desde Bichat que descobriu o sistema nervoso vegetativo e o sistema nervoso de relação com o meio, os neurofisiologistas procuraram saber que zonas do cérebro correspondem a esses sistemas e só mais tarde se descobriu que o hipotálamo fazia a regência metabólica de todo o organismo. 

Todo o sistema nervoso vegetativo foi atribuído ao hipotálamo, que ficou sendo considerado autônomo, independente do sistema nervoso central. Hoje em dia já se sabe que isto não é verdade. O hipotálamo é fundamental para toda a atividade cortical. 

Bayle e McCulloch mostraram, com experiências feitas em animais, que a estimulação de certas zonas corticais produziam inibição total da atividade cortical, demonstradas pela corticografia e pela eletroencefalografia. A zona supressora quando estimulada tem uma ação inibitória sobre a zona motora. Bayle, McCulloch, e mais tarde Magoun, mostraram que a atividade supressora não é apenas cortical, mas vai até os núcleos da base do cérebro e Magoun mostrou que vai até a formação reticular do bulbo. 

Hoje se pode afirmar, experimentalmente, que do cerebelo até a zona reticular do encéfalo partem estímulos que são inibitórios e que vão até a corticalidade. Existe um sistema paleocerebelar-paleocerebral que seria inibitório de toda a atividade cortical. No esquema de Magoun existem, no cerebelo, zonas cuja estímulo é inibitório e que através da ação do sistema reticular vai produzir supressão na corticalidade. 

Foi verificada a existência de um sistema córtico-tálamo-estriato-cortical (zona 4 e 45) responsável pela inibição da corticalidade via circuito inibitório tálamo-estriado. O sistema inibitório não é, portanto, córtico-cortical, mas córtico-subcórtico-cortical. Existe ainda um outro circuito inibitório: parte do cerebelo, vai até a zona hipotalâmica, daí para a zona orbitária, daí para o giro do cíngulo e daí para a zona frontal. 

Sabemos que, na doença de Pick, a progressão da desmielinização se dá da zona orbitária para o cíngulo, depois para a corticalidade parieto-temporal e depois frontal. Existe, portanto, uma correspondência entre as verificações anátomo-clínicas e as verificações neurofisiológicas. 

Zonas inibitórias- zona 2 (sensorial no homem, sensibilidade táctil)

        zona 4 (zona motora)

        zona 8 (zona psíquica)  

        zona do cíngulo: 23, 24, 32.

        zona da corticalidade orbitária

Foi verificada que a estimulação luminosa e a auditiva tem uma repercussão cortical direta e ao mesmo tempo no cerebelo. Isto foi demonstrado no gato através da estimulação da zona auditiva (zona silvica). O mesmo resultado se obtém com estimulação pela estricnina. Pela estimulação cortical e pela estricnina obtemos uma descarga parcial. A mesma descarga parcial se obtém estimulando uma zona inibitória posterior. Se fizermos este estímulo no cerebelo obteremos a mesma resposta inibitória. 

Essa via paleocerebelar-paleocerebral explica, por exemplo, porque uma alteração do cerebelo pode produzir uma perda de consciência. Sabemos também que há fibras que partem dos hemisférios do neocerebelo e vão até a corticalidade passando pelas zonas subcorticais, correspondentes aos núcleos amigdaloides. O núcleo amigdaloide é fundamental no desenvolvimento da prenhez como foi verificado pela escola japonesa. Estimulando a parte instintiva cortical verificou-se que o indivíduo apresentava ecolalia, paralalia ou interrupção súbita da fala. 

Tabela

Descrição gerada automaticamente

Esquema2 – de Moruzzi e MagounDiagrama de cérebro de gato, mostrando as áreas facilitadoras (5) e inibidoras (4), da formação reticular do tronco cerebral e as conexões da última com o córtex cerebral (1) e o cerebelo (3). Segundo Lindsley, Schriner e Magoun (1949).  

Diagrama

Descrição gerada automaticamente

 ¹Aula realizada em 9 de maio de 1969, em Campinas. sem referência a quem a compilou. Revisto em 11/04/22 por integrantes da Comissão de Revisão do CEPAS: Flavio Vivacqua, Francisco Drumond de Moura, Paulo Palladini e Roberto Fasano.