Instinto sexual1
(Lúcia Maria Salvia Coelho)
O instinto nutritivo se passa ao nível celular, mas o instinto sexual subentende a diferenciação dos sexos que permite a reprodução da espécie. Nos vegetais já há uma divisão de sexos, mas sem coordenação nervosa. Nas espécies inferiores esta diferenciação sexual não é permanente, mas alternante. Nesse caso, a reprodução se faz por cissiparidade, sem necessidade da centralização dessa atividade em um determinado órgão uma vez que este processo ocorre em todo protoplasma.
Portanto, o instinto sexual não é peculiar a toda série zoológica, mas surge apenas a partir da divisão dos sexos.
Todos os instintos são hierarquicamente dependentes do instinto nutritivo, sendo o instinto sexual o mais diretamente ligado a ele e é o que apresenta uma expressão mais diretamente ligada ao fenômeno vegetativo, ainda que em nível mais diferenciado.
O instinto sexual entra em ação antes do amadurecimento de sua função reprodutora. Nesta fase ele é apenas responsável pela coordenação subjetiva de um processo nutritivo mais diferenciado que consiste na formação e maturação dos órgãos genitais correspondentes e no desenvolvimento das características sexuais secundárias.
Uma vez amadurecido ele perfaz a sua função de regência do ato sexual.
Na espécie humana a manifestação subjetiva do processo sexual é de natureza mais evidente, pois que já corresponde a um nível mais diferenciado do instinto nutritivo. Assim a correlação que se estabelece entre uma necessidade sexual e os fatores ambientais é o de ordem mais complexa. A influência social interfere na própria interpretação subjetiva do impulso sexual. A expressão do instinto sexual depende basicamente do nível de subordinação das funções instintivas ligadas à individualidade biológica às funções da sociabilidade que supõem o amadurecimento cerebral e da adaptação harmônica e flexível do indivíduo ao ambiente.
Portanto, o nexo que se estabelece entre um impulso sexual e os fatores ambientais varia com o nível de amadurecimento psicológico e cerebral do indivíduo e ao mesmo tempo dos padrões culturais do ambiente. As perturbações do comportamento sexual tanto poderão resultar de distúrbios objetivos – alterações cerebrais, perturbações vegetativas ou hormonais – e de distúrbios subjetivos resultantes das diferentes modalidades e graus de conflito no ajustamento indivíduo-ambiente.
Freud observou a evolução do instinto sexual nas diferentes fases do desenvolvimento individual. Sua teoria é importante para o estudo das reações neuróticas e sobretudo das neuroses, deve ser criticada sob dois pontos:
1.º – Ele deixa de considerar ou apenas atribui um papel secundário à participação das demais funções afetivas e a das funções intelectuais e conativas no processo de desenvolvimento individual. Assim, Freud atribui ao instinto sexual uma série de reações que mais de ordem intelectual – como por exemplo a curiosidade infantil, ou ainda ele considera como sendo de natureza exclusivamente sexual alguns fenômenos que supõem necessariamente a participação de outras funções afetivas mais diferenciadas tais como as do aperfeiçoamento ou as da sociabilidade. Por exemplo: o desejo da criança ser amada ou de chamar a atenção, ou mesmo seu interesse pelas próprias fezes e suas reações ao aprendizado do controle dos esfíncteres.
2.º – Uma segunda restrição que podemos fazer à teoria freudiana do comportamento sexual corresponde ao fato dele ter generalizado para indivíduos normais e para o comportamento universal da criança, reações que ele observou em sua análise de fantasias de adultos neuróticos. De fato, a técnica psicanalítica permite detectar o nexo irracional estabelecido pelo paciente entre as condições ambientais e o seu impulso sexual.
A partir desse nexo desenvolvem-se fantasias que poderão interferir no processo ulterior do ajustamento individual à realidade. A partir de tal técnica pode-se conhecer o processo mórbido ligado à um conflito sexual, mas nada nos autoriza generalizar sobre um modelo universal de evolução do comportamento sexual do ser humano. Variáveis de diferentes ordens interferem neste dinamismo: por um lado as disposições genéticas e por outro lado, a natureza das experiências vividas, particularmente pelo examinando e, de modo mais amplo, as condições sociais do ambiente onde ele vive.
Assim, os mecanismos de defesa, os diferentes tipos de perversão sexual, as formas de sublimação do instinto sexual, tal como foram observados por Freud em seus pacientes, correspondem a verificações legítimas para os casos particulares por ele estudados e nas condições sociais de sua época, mas não possibilitam a extrapolação para o comportamento da espécie humana.
Nível cerebral do instinto sexual
O instinto sexual e o nutritivo são instintos básicos e peculiares às espécies vivas a partir da diferenciação dos sexos. A sede de ambos os instintos é o cerebelo. Entretanto, duas zonas distintas do cerebelo efetuam estas funções diversas: a de reger o metabolismo e a de estimular o instinto sexual. Estas zonas são respectivamente o verme e os hemisférios cerebelares. O estudo evolutivo da série animal permite a constatação da ocorrência apenas do verme cerebelar – nas espécies inferiores, sendo que apenas nos animais mais evoluídos surgem os hemisférios cerebelares.
O sistema cerebral responsável pela expressão do comportamento sexual inicia-se nos hemisférios cerebelares de onde partem fibras até o núcleo amigdaloide. Este não é apenas estimulado pelo cerebelo, mas também pelo bulbo olfativo (parte posterior do complexo olfativo cortical) responsável pela sensação do olfato.
A estimulação experimental dos núcleos amigdaloides evidencia a reação instintiva sexual do animal examinado. Quando se mutila uma parte desta zona e se estimula a parte restante, o animal ataca qualquer outro animal e até mesmo um objeto, para com ele estabelecer um relacionamento sexual.
Há uma correlação bem nítida entre a regência vegetativa dos núcleos hipotalâmicos e a regência do instinto sexual ao nível dos núcleos amigdaloides.
Assim, o instinto sexual não apenas se traduz como comportamento genital, mas também como maturação dos órgãos sexuais desde a evolução fetal, em nível nutritivo. A maturação dos órgãos sexuais depende destas zonas cerebrais.
- Apostila produzida na Faculdade de Medicina de Jundiaí, como complemento ao curso de Psicologia Médica, para o curso de Psicologia Médica para os médicos residentes em Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Jundiaí e para o Curso de Teoria da Personalidade para a Sociedade Rorschach de São Paulo. Composta em agosto de 1978. Já considerada em parte superada por sua autora que já reescreveu o tema sob novas perspectivas. No entanto, eu, Roberto Fazzani redigitalizei e formatei o grupo de apostilas ao qual esta pertence pois poderão ser úteis na compreensão inicial da Teoria Sociológica da Personalidade por nós adotada. ↩︎