Integração do comportamento e interdependência subjetiva

TEORIA DA PERSONALIDADE DE
ANÍBAL SILVEIRA

INTEGRAÇÃO DO COMPORTAMENTO EM FUNÇÃO DA INTERDEPENDÊNCIA SUBJETIVA¹

Anteriormente, vimos como característica da maturação psicológica a subordinação dos instintos da individualidade à sociabilidade e os caracteres encontrados em todos os graus de modificações de comportamento chamados patológicos. 

O instinto de nutrição precede a formação do próprio sistema nervoso. Isto pode parecer estranho se quisermos dar uma sede ao instinto nutritivo. Não é estranho se entendermos o que significa esse termo. Von Monakow usa o termo instinto formativo para o aspecto que corresponde ao instinto nutritivo de Comte. Baseado no aspecto ontopatológico e neurofisiológico mostrou que o instinto de formação precede a organização do próprio feto. A experiência de Sontag comprova isto. Usou porcas prenhas e na fase embrionária decapitou o embrião. Os porquinhos nasceram todos a termo, mas sem cabeça. Isso prova que o fato de decapitar o embrião não impede a formação do indivíduo. 

Isso também se passa na espécie humana com os fetos anencéfalos que chegam até a fase de maturação, apresentando um sistema nervoso rudimentar. A fase que precede a formação do ovo depende de um estímulo, o processo de maturação genética. A maturação dos genitais depende do instinto nutritivo e do instinto sexual. 

O instinto materno precede a formação do embrião, já se torna independente do organismo em que se manifestou esse instinto. Isso foi verificado experimentalmente. Malta extirpando o núcleo amigdaloide em animais grávidos conseguia interromper a gravidez. Não é apenas a atividade sexual que caracteriza o instinto sexual, mas sim a preparação para esta fase que precede de muito tempo a fase de reprodução sexual. O instinto nutritivo é responsável pela maturação genética e age até a formação do embrião e depois toma sede no cerebelo (como se processa isto, não sabemos). 

O que caracteriza a espécie é o aspecto genético, conjunto de genes, de genomas característicos da espécie. Em cada aspecto que examinamos do indivíduo temos de considerar a participação de elementos da espécie e do indivíduo. Os primeiros são gerais e os segundos particulares. É por isso que se nós considerarmos o comportamento, nós vamos ver que varia enormemente de um indivíduo para outro. Isto não é compatível com a ideia de que a estrutura é única para todos os indivíduos. 

À medida que o indivíduo amadurece, o aspecto funcional do instinto nutritivo vai se constituir num aspecto fundamental para a assimilação dos estímulos do mundo exterior e na formação dos chamados reflexos condicionados, na medida em que está ligado à assimilação dos estímulos no mundo exterior. Assim, a alimentação, a eliminação de fezes estão diretamente ligadas ao instinto nutritivo. Ao mesmo tempo em que a criança recebe estímulos alimentares, recebe estímulos viscerais correspondentes à carência alimentar e associa isto a estímulos intelectuais. 

Daí a importância que tem a pessoa que dá alimento à criança. Assim o estímulo afetivo-visceral e o intelectual se associam através do nexo emocional e vão determinar a relação com o mundo exterior. Se alguma dificuldade interfere nessa época pode surgir uma perturbação no relacionamento do indivíduo. Só através da análise e da verbalização podemos sanar essa dificuldade, pois desfazemos o nexo entre os dois estímulos. 

Mais tarde, à medida que a criança vai se tornando autônoma, através da associação dos estímulos nutritivos aos estímulos do mundo exterior, vai formar uma imagem de si própria. No início, a criança sente que os seus excrementos fazem parte de seu corpo. À medida que amadurece e vai se tornando autônoma sente que as fezes não fazem parte do próprio corpo. 

Portanto o instinto nutritivo é básico no reconhecimento do mundo exterior. Posteriormente, na fase de mastigação, se manifesta o instinto de posse. Só mais tarde se manifestam os instintos de destruição e de construção. 

Todo ato nutritivo se associa à tendência de destruir objetos, alimentos a mastigar. A isso os analistas chamam agressão. Na verdade, não se trata de uma manifestação agressiva, mas de uma reação normal, fisiológica. 

Quando a criança usa a destruição e a construção já está numa fase em que está modificando o mundo exterior, em que já participa o fator emotivo com a possibilidade de transformar o estímulo recebido num comportamento. 

No início da vida a criança reage de forma inteiramente instintiva, sem nenhuma cognição. Posteriormente, entram em jogo os instintos de posse, construção e destruição, surgindo uma certa elaboração.

Nas diferentes fases do desenvolvimento do indivíduo vai tomando preponderância os diferentes sistemas psíquicos. 

Não apenas os instintos se manifestam, mas também haverá uma progressiva subordinação ao mundo exterior, entrando em jogo o apego, a veneração e a bondade. 

Os dois componentes da ambição – necessidade de domínio (orgulho) e necessidade de aprovação (vaidade) -, só vão se manifestar na criança quando os sentimentos sociais estão muito mais desenvolvidos que os sentimentos egoístas, porque envolve relações interpessoais.

Esquema 1 – ESFERAS DA PERSONALIDADE E AS FUNÇÕES SUBJETIVAS

Baseado no quadro de Comte (1850)

(Aníbal Silveira)