LAR ABRIGADO
Paulo Cezar Naglio Palladini
Arquivos da Coordenadoria de Saude Mental do Estado de São Paulo
Vol XLIV – janeiro/84 a Dezembro/84- Número ÚNICO
INTRODUÇÃO
A população internada no Juqueri, atualmente, está constituída por pessoas problematizadas psìquicamante e cronificadas. As questões que envolvem a cronificação em Saúde Mental são complexas, e as propostas de trabalho desenvolvidas neste campo variadas e dependentes, em parte, de abordagens que enfoquem predominantemente os aspectos biológicos, psicológicos e socias (4,6,8). É sabido que, embora os avanços na terapêutica psiquiátrica sejam consideráveis, parte dos
pacientes não responde favoralmente ao tratamento. Por outro lado, mesmo sob condiçoes extremamente desfavoráveis porcentagem considerável mantém razoável nível de funcionamento. Franco da Rocha (5) afirmava , em 1912,atingir 10% dos internados crônicos os psìquicamente válidos e aptos para o trabalho,
Contel.t& Loureiro (2), estudando a adaptaçao intra-hospitalar de pacientes psiquiáricos cronicamente hospitalizaos, encontraram 34,45% de internados com grande probabilidade de alta, que se mantinham autônomos , em remissão de sintomas e exerciam atividades no hospital. Para este grupo tem sido proposta e criada modalidade terapêutica denominada Halfway House ou Pensão Protegida (1,2,3,9).
O objetivo deste trabalho é apresentar a experiência inicial com modalidade deste tipo no Juqueri, aqui chamada Lar Abrigado, que faz parte do processo de transformaçao por que vem passando a instituição e é uma tentativa de romper com sua estrutura convencional.
UMA CONCEITUAÇAO DO LAR ABRIGADO
Consiste o Lar Abrigado em uma unidade pequena, descaracterizada em seus aspectos hopitalares, onde se procura, através da convivência, formas condignas de existência com recuperação da autonomia, das relaçoes sociais, da participação nas decisões, da cooperaçao no trabalho, do estímulo para perceber e pensar a própria condiçao. Neste contexto é facilitado o desenvolvimento do potencial individual de crescimento, sempre operante, mesmo nas mais adversas circunstâncias, por meio da solidariedade, confiança, e respeito à singularidade, aos sentimentos e escolhas do outro como pessoa (7,10,11). O funcionamento do Lar Abrigado implica no trabalho em grupo com a instalaçao da Reunião Geral como um dos seus principais modos de organização, além da formação de grupos voluntários para as mais diversas tarefas. Das Reuniões Gerais participam todos os envolvidos com o programa, sejam internados, funcionários ou técnicos. Proporciona-se apenas uma estrutura de suporte, para que amplas possibilidades de atuaçao se desenvolvam. As normas de convívio são estabelecidas pelo grupo e as atividades necessárias à sua manutenção e aperfeiçoamento distribuídas de acordo com a aptidão de cada um em dado momento. Não há regras fixas nem papéis rigidamente definidos.
EXPERIÊNCIA PILOTO NO JUQUERI
O primeiro La Abrigado no Juqueri começou a funcionar em fevereiro de 1984, ocupando um edifício de dois pavimentos ao lado do Hospital Central, mantendo por força da proximidade estreitas relações entre si. O prédio possui um pátio lateral murado e uma cobertura sob a qual estão instaladas as mesas do refeitório. Ha dois dormitórios, um em cada pavimento, com capacidade total de 48 leitos. Cada internado tem ao lado da cama um armário, para a guarda de seus objetos pessoais.
A entrada dá acesso, por meio de um saguão, à sala da adminstraçao e à sala de estar, onde se desenvolvem reuniões, atividades recreativas e culturais. Há bancos, mesas, dois aparelhos televisores, revistas, alguns livros e jogos de salão.
O grupo é composto de 48 pessoas hospitalizadas em média por 8 anos e oriundas de uma das colônias denominada Chácara. Todas tem em comum a manutençao de alguma relaçao de trabalho na instituição. Para a sua inclusão no programa não foi levado em conta o diagnóstico psiquiátrico. Um número de 43 internados trabalham em várias dependências do Complexo Hospitalar, constando entre eles jardineiros, cozinheiros, pintores, padeiros, carregadores, auxiliares gráficos, escriturários, etc. Um grupo de 5, junto aos funcionários, trabalham na manutenção geral do lar, executa tarefas rotineiras de faxina, arrumação, reparos, preparaçao e distribuição das refeiçoes, registro das ocorrências, solicitação de material, suprimento das necessidades e outras. As funçoes desempenhadas por cada um não são rigidamente determinadas, o que permite grande flexibilidade de ação. Um dos funcionários pode, por exemplo, auxiliar na faxina, outro na distribuição do almoço, enquanto um internado atende ao telefone ou datilografa um pedido de material. Em outra oportunidade cada uma das pessoas poderá estar em atividades diferentes.
A Equipe Técnica está formada por um psiquiatra, um psicólogo e duas assistentes sociais, das quais apenas uma dedica tempo integral ao Lar. O Psiquiatra, além da coordenaçao e supervisão do programa dá assistencia medica ao grupo e prescreve os medicamentos, quando necessário. O psicólogo participa de várias atividades, trabalha com pequenos grupos e atua individualmente em situações especiais. As assistentes sociais cooperam no trabalho rotineiro, levantam as necessidaes junto com os participantes, facilitam a obtençao de documentos, os contatos com familiares e conhecidos, a colocaçao em empregos externos, e, por passarem mais tempo no Lar, procuram manter um clima de harmonia e apoio mútuo. Toda a Equipe reune-se semanalmente durante uma hora e meia para discussão e avaliaçao da experiência, e promove às terças feiras pela manhã a Reunião Geral. Das discussões nestas reuniões, em cinco meses de atividade do lar, foi abolida a obrigatoriedade do uso do uniforme, foram liberados os horários de entrada e saída, e estabelecidas normas mínimas ( não escritas) de convívio. Nelas é decidida a inclusão ou exclusão de determinado funcionário ou internado, a programação das atividades e estimulada a expressão dos conflitos eventualmente existentes num clima facilitador e da maneira menos diretiva possível. Foi proposta a formação de uma comissão para cuidar do preenchimento das vagas que porventura houver.
Alguns internados estão procurando emprego fora da instituição, e numa das reuni’ões surgiu a idéia da criação de um Lar Abrigado fora do Juqueri. que abrigasse pequenos grupos de ex-internados, e se tornasse a possibilidade real de viver na comunidade externa (1, 6).
PERSPECTIVAS
A problemática da cronificação em Saude Mental exige que se utilize uma abordagem ao mesmo tempo biológica, psicologica e social, voltada às interaçoes nos três níveis de organização (4), sem descuidar dos aspectos históricos e culturais. Das inter-relações constantes de características da pessoa com o ambiente hospitalar tradicional desfavorável resulta uma série de manifestações secundárias apontadas por Gruenberg (8), e sintetisadas na expressão “Social Breakdown Syndrome”, que acarretam a “deterioração no funcionamento social, acompanhada de transtornos mentais suscetíveis de serem prevenidos tanto mediante respostas menos prejudiciais aos próprios transtornos, como pela modificação das atitudes da comunidade para com os doentes mentais e seu tratamento”. A consideração de que a terapia é a mediação facilitadora da libertação pessoal e a confiança básica na capacidade de crescimento do organismo humano, mesmo que as condiçoes tenham sido tão desfavoráveis ( 10,11), são fundamentais na reversão desse processo. A minimização da caracterização da pessoa como paciente, a democratização das relações, a comunicação clara, o estímulo à independência, à responsabilidad e o encorajamento para a ação (7) podem auxiliar neste sentido e é para onde aponta a experiência com Lar Abrigado no Juqueri.
SUMMARY
The Author discusses the situation of the chronically hospitalized mental patients. He presents the Sheltered Home as one of the therapeutic alternatives available to such patients, similar to the Halfway Houses. The objective is to have, through coexistence, a worthy life, by the incentive of self-government, social relationships and work cooperation. The first Sheltered Home in Juqueri Hospital has been functioning since february 1984, and has forty-eight patients. It is a pilot experience wich may be amplified by establishing others independent units.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1- Begel A et alli: Practical Issues in Developing and Operating a Halfway House Program. Hosp & Community Psychiat 28 (8): 601-607, 1977.
2- Contel JOB, Loureiro SR: Paciente Psiquiátrico Cronicamente Hospotalizado Caracterizado Segundo sua Adaptaçao Intra-hospitalar. Neurobiol Recife 42 (2): 95-116, 1979.
3- Contel JOB: Pensão Protegida: Alternativa Comunitária para Pacientes Psiquiátricos Cronicamente Hospitalizados. Rev Ass Bras Psiquiatria 3(8): 186-190, 1981.
4- Engel GL: The Clinical Appllication of the Biophychosocial Model. Am J Psychiatry 137 (5): 535-544, 1980.
5- Franco da Rocha F: Hospício e Colônias de Juquery – Vinte Anos de Assistência aos Alienados em São Paulo. São Paulo, Ed Franco da Rocha, 1912.
6- Gomez EA: El Problema del Enfermo Mental Crônico Indigente: un analisis historico. Acta Psiquiat Psicol Amer Lat 29 (3): 213-222, 1983.
7- Gordon LP: Chronic Mental Patient: current status, future directions. Psychol Bull 71 (2): 81-94, 1969.
8- Gruenberg EM: From Practice to Theories: Community Mental Health Services and the Nature of Psychoses, in T Millon, Theories of Psychopathology and Personality, Philadelphia, WB Saunders Company, 1973.
9- Oliveira EM: Orientador de Pensão Protegida. Rev Ass Bras Psiquiatria 4(12): 20-22, 1982.
10- Rogers CR: A Theory of Therapy, Personality and Interpersonal Relationships, as Developed in the Cliente-centered Framework, in S Koch, Psychology: a Study of a Science III, New York, Mc Graw-Hill Book Company, 1959.
11- Rogers CR: Sobre o Poder Pessoal. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora Ltda, 1978.
Agradecimento:
Esta experiência tem sido possível graças à participação decisiva das Assistentes Sociais Vilma Shisuca Maekawa e Áurea Aparecida Domingues e do Picólogo Sílvio Yasui.