LESÕES CASUAIS E LESÕES SISTEMÁTICAS DO CÉREBRO NAS DOENÇAS MENTAIS¹
Cresce dia para dia o acervo de dados anatomopatológicos nas doenças mentais. E à proporção que se avolumam os conhecimentos nesse domínio progride também a possibilidade de tratamento. Não vemos nesse paralelismo a resultante da mera casualidade, mas antes a expressão da influência que a noção precisa nas diferentes variedades mórbidas pode exercer sobre a terapêutica racional. Cumpre, pois, à época atual sistematizar os ensinamentos já adquiridos no domínio anátomo-clínico, o que não somente visa o progresso semiológico – e isto bastaria para justificar os esforços – mas ainda irá permitir em muitas circunstâncias elevar do empirismo a terapêutica psiquiátrica.
¹Comunicação apresentada à Associação Paulista de Medicina – secção de Neuropsiquiatria – em reunião de 19 de fevereiro de 1937. Publicada pelos Arquivos da Assistência ao Psicopata do Estado de São Paulo, 1937, 2 (191-217).
Entretanto numerosos aspectos da ocorrência clínica têm dificultado seriamente semelhante sistematização. Assim, surgem em primeiro plano grupamentos patológicos complexos, que se caracterizam por sintomas mentais plenamente comparáveis por vezes aos que resultam de lesões anatômicas do encéfalo e nos quais, entretanto a investigação necroscópica não descobre alterações estruturais adquiridas. É o caso de certas formas de epilepsia, de esquizofrenia, da psicose maníaco-depressiva, do pitiatismo, para exemplificar. Daí admitirem-se como de origem endógena, isto é, como devidas à transmissão hereditária ou a comprometimento do plasma germinativo, segundo o conceito bem expresso por Entres (32), ou por Farr (34), Oppler (96, 97), Hoffmann (51), Schulz (113), entre outros. Também verificações análogas, de distúrbios bem caracterizados sem desarranjo anatômico demonstrável, têm apoiado a concepção de alterações meramente funcionais, apareçam elas no domínio da histeria – conforme o estudo de Pönitz (104) ou as magistrais conclusões de Marinesco, Sager e Kreidler (81) – na epilepsia, segundo por exemplo as considerações de Hartenberg (42), ou exprimam fenômeno de ordem geral no domínio psicopatológico – conforme, v. g. Cossa (23) – ou então associado a lesões propriamente anatômicas, com as estudaram Marinesco e Kreindler (80), van Bogaert (11), ou Buscaino (18), Pfeifer (100), entre outros. É certo que destes distúrbios muitos são funcionais apenas na aparência – consoante o demonstrou Baruk (5) – e que não raro podem distinguir-se dos fenômenos mórbidos lesionais semelhantes, o que fica bem patente nos trabalhos de Kleist (69, v. p. 1347-1360), de Kahn (66) e de Rothfeld (109), entre outros. Apesar disso têm eles concorrido para complicar-se o conhecimento da chamada patologia cerebral, no que os secundam duas outras ordens de funções características de certas regiões cerebrais e que, entretanto, vêm a filiar-se, mediante a ulterior verificação objetiva, a lesões anatômicas assestadas em regiões outras; e à existência de desmantelo, às vezes grave, de certas zonas com atributos psíquicos bem definidos sem que, entretanto, eles correspondam as perturbações que seriam de prever-se. De ambas as categorias de fatos aparentemente paradoxais – que já procuramos estudar em outra publicação (118) – diremos logo algumas palavras. Lembremos agora somente que os aspectos mais expressivos desse farto cabedal objetivo têm sido frisados na documentação com que cada autor defende a própria corrente teórica.
Isso explica a assombrosa diversidade de concepções segundo as quais as distintas escolas psiquiátricas, servindo-se aproximadamente do mesmo material objetivo, têm interpretado a patogenia das doenças mentais. Os polos extremos são aí representados respectivamente pelos psicogenistas e pelos organicistas. É preciso considerar que, em realidade, cada escola a seu turno encontra apoio na psiquiatria viva: Freud (38-40) e os autores psicanalistas (43, 48, 49, 64) põem principalmente em relevo os fatores morais quer instintivos, quer veiculados pela experiência adquirida, bem como a dinâmica subjetiva inconsciente; os que pesquisam sob a luz dos chamados reflexos condicionados (53, 80, 81, 99, 112, 124) estudam as relações subjetivas inconscientes estabelecidas no decorrer da evolução individual ou mesmo, em certos casos, durante o progresso da espécie; Janet (63) apela para as variações de energia funcional – se podemos dizer – no dinamismo psíquico, de maneira sensivelmente análoga ao que fazem, por exemplo, Semon (114), Forel (36), Velikowsky (126); em plano um pouco diverso, mas também em contato com os fatos clínicos, é analisado o mundo subjetivo assim nos limites normais como em estado mórbido por Head (44), por Berze (9), por Nissl von Mayerdorff (93-95), por von Monakow (89, 90); os germinalistas demonstram de vária forma (32, 33, 34, 51, 72, 79, 96, 97) a realidade dos fatores transferidos com o plasma germinativo ou que acidentalmente vêm agir sobre o organismo durante as transformações que medeiam entre a fase ovular e a fetal; os que focalizam de preferência as causas predominantemente exógenas encontram larga base nas investigações clínicas e de laboratório; finalmente os organicistas e entre eles os de maior arrojo construtivo, como Kleist (67-69), apresentam respeitável acervo de verificações precisas, fisiológicas e anátomo-clínicas.
Por certo medeia grandes distâncias entre as diferentes orientações teóricas a que aludimos. Mas os pontos de divergência, não pequenos, advém aí, fundamentalmente, do exclusivismo com que em geral os fatos, objetivos e irrefutáveis embora, são considerados. Analisadas as conclusões sob a luz da verdadeira fisiologia cerebral as discordâncias se esbatem até certo ponto e a conciliação se torna possível.
Dizemos deliberadamente verdadeira fisiologia porque em realidade o conjunto fenomenológico que o termo exprime tem sido investigado de maneira incompleta e muitas vezes errônea. Não basta perquirir a estrutura anatômica do encéfalo nem estudar-lhe a dinâmica pelo aspecto meramente vegetativo como a qualquer das demais vísceras; também não basta esmiuçá-lo como “órgão do pensamento”, expressão errônea esta tão frequentemente surge nas investigações de patologia cerebral. Se a tessitura histológica se mostra extremamente complexa – expressão do tipo altamente diferenciado das funções afetas às diferentes partes do sistema, se por outro lado o encéfalo se acha submetido aos princípios gerais estudados na biologia, nem aquela nem estes podem de per si esclarecer a natureza e a dinâmica das funções especiais a que aludimos. Conhecimentos desta última categoria exigem o emprego de métodos próprios, pois que representam domínio à parte no conjunto de princípios científicos. A deficiente delimitação desses vários planos que integram a fisiologia cerebral traz como consequência, a nosso ver, a indébita assimilação entre fatos de categorias diversas, induzindo assim a graves causas de erro na apreciação dos dados clínicos.
Já da própria investigação anatômica, sob qualquer de seus aspectos, ressalta que o encéfalo não pode considerar-se um órgão. As pesquisas na série animal, sobre a morfologia e o valor relativo das diferentes porções encefálicas – córtex cerebelar, núcleos centrais do cerebelo, gânglios cinzentos da base, manto cerebral -, fazem ver que se comportam de maneira diversa. A evolução no indivíduo, mormente na espécie humana, conduz à conclusão semelhante. Desde as clássicas demonstrações de Flechsig (35) quanto à época de mielinização das fibras encefálicas foi possível distinguir na própria córtex cerebral zonas diferentes. As notáveis pesquisas sobre a histologia fina de todas as regiões do encéfalo² permitiram precisar ainda mais essa noção de dividir o pálio cerebral em áreas e regiões distintas quer pelo conteúdo e pela disposição das fibras, quer pelo arranjo das diversas camadas celulares. A fig. 1, que reproduzimos de Brodmann (14), evidencia – com relação à face externa do cérebro – a complexidade das regiões isocorticais.
²Impossível citar aqui os trabalhos de miéloarquitetonia e de citoarquitetonia, aos quais nos referimos em estudo especial (118)
Semelhante multiplicidade estrutural não implica em constituir o encéfalo um conglomerado de centros independentes e apenas justapostos, ou mesmo confederados. Cumpre frisar a noção de que os diversos órgãos histologicamente diferenciados se integram em aparelho harmônico.
Tal harmonia encontra correlação anatômica, de modo secundário, na solidariedade de nutrição mediante a distribuição vascular; e de maneira intrínseca, na afinidade de estrutura celular entre áreas simétricas ou distantes, na interdependência estabelecida pelas fibras extracorticais e finalmente nas ligações intracorticais, por contiguidade. Além da extraordinária analogia quanto ao tipo geral das células – patenteada pela fig. 2 – é evidente a semelhança entre áreas corticais simétricas entre um e outro hemisfério.
A existência destes “sistemas celulares” como os denominava já em 1874 a vigorosa cerebração de Georges Audiffrent (3, 4), indica de per si analogias e cooperações no plano funcional, isto é, a solidariedade do aparelho encefálico.
Os estudos clínicos e anatômicos bem conduzidos têm ministrado conhecimentos notáveis, que – apesar da imprecisão geral de que se ressentem as investigações – corroboram pelo aspecto psiquiátrico semelhantes ilações. Veja-se, por exemplo, a notável carta de “patologia cerebral” elaborada pelo grande psiquiatra contemporâneo (69). Não a comentamos, pois, quaisquer considerações a esse respeito seriam aqui descabidas; não lhe endossamos integralmente a interpretação dos resultados, mesmo aceitando – como o fazemos – a mor parte dos fatos objetivos a que se reportam (Fig. 3).
Fig. 1 – Segundo Brodmann. Vista lateral do hemisfério cerebral humano. Esquema das variações regionais quanto ao arranjo das camadas celulares do córtex.
Fig. 2 – Segundo von Economo. Vista lateral do hemisfério cerebral humano. Distribuição dos cinco tipos principais de estrutura celular: piramidal agranular (1), piramidal granular (2); parietal granular (3); granular (4) e tipo granuloso ou côniocortical (5).
Fig. 3 – Mapa das localizações no córtex, segundo Kleist. Vista lateral do hemisfério cerebral. A divisão topográfica do esquema é calcada, na quase totalidade, sobre a carta histológica de Brodmann.
Para assegurar-se o equilíbrio funcional do aparelho não é suficiente que cada uma das zonas histologicamente diferenciadas desempenhe função elementar diversa, nem basta que se achem todas normais. Cumpre que se articulem de maneira integral. Se uma delas é excluída do consenso, o distúrbio daí resultante não pode ser expresso pelo simples desconto da função elementar correspondente: a repercussão maior ou menor do transtorno estabelece nova condição fisiológica, que exige trabalho de readaptação do todo e, se possível, de suplência.
Ora, a suplência depende, em última análise, de duas condições distintas: a nobreza – melhormente a complexidade e a preponderância – da função correspondente ao órgão lesado e o estado de integridade em que se achem os órgãos homólogos ou as vias de comunicação. Assim, para exemplificarmos, é sobejamente conhecido que no homem adulto em condições habituais apenas um hemisfério cerebral assume a atividade subjetiva propriamente dita; e geralmente semelhante tarefa compete ao esquerdo. Em igualdade de condições, portanto, a lesão – seja regressível, seja definitiva – acarretará maiores danos imediatos e menor possibilidade de reparação se assestada à esquerda do que se na área homóloga do hemisfério direito. Outro exemplo. As conexões anatômicas entre o polo frontal e o hemisfério cerebelar do lado aposto vieram esclarecer a existência de perturbações cerebelares mediante lesões da primeira região aludida, como também por desarranjo anatômico da última. Entretanto ao passo que nesta hipótese o distúrbio motor pode ser compensado pela ação da área frontal correspondente, na primeira, semelhante reeducação não se dá. Além disso, a desordem estrutural direta do lobo frontal acarretará redução da atividade intelectual, não passível de suplência pelas áreas cerebelares, entretanto intactas.
Essa mesma reparação funcional – seja qual for a região considerada – se fará impossível se estiverem lesados os campos correspondentes no outro hemisfério ou se houver interrupção das fibras transcalosas ou transpedunculares, conforme o caso.
Agora o aspecto propriamente subjetivo da atividade cerebral. O trabalho precípuo do aparelho encefálico, esse que o define, tem sido mal delimitado e, exatamente em razão da complexidade que assume, não só largamente controvertido, mas aclarado de maneira precária. Tem-se acentuado a tendência para confundir o dinamismo dele com aspectos acessórios e de vário valor, como a expressão exterior correspondente a todo estado propriamente intelectual ou afetivo ou o chamado metabolismo intermediário do cérebro, por exemplo. Cumpre ter sempre presente que os fenômenos psíquicos não podem assimilar-se aos de nenhuma outra categoria, sejam estes físicos, químicos ou mesmo biológicos. Por outro lado, quaisquer que sejam a estrutura histológica e a topografia do órgão ou do grupo de órgãos, qualquer que seja o estado fisiológico em apreço, a função correspondente se acha submetida a leis naturais particulares. Inacessíveis aos processos de pesquisa adequados aos demais ramos científicos, constituem tais leis o objeto da moral, segundo a acepção precisa que a este vocábulo confere Augusto Comte. Dentre elas algumas estão já plenamente estabelecidas; outras, por isso que referentes a fatos mais complexos, sofreram apenas elaboração parcial.
O estudo dessas leis esclarece o aspecto dinâmico da alma, isto é, do conjunto de atributos dos órgãos encefálicos. Tais conhecimentos representam a condição básica para se apreciar a patologia mental por isso que – aí como em relação às funções propriamente somáticas – o estado mórbido nada mais é que o exagero em graus extremos das variações normais. Estas últimas, as oscilações compatíveis com a harmonia mental, exprimem – em âmbitos progressivamente decrescentes – a diferença genérica do mundo subjetivo segundo a espécie, segundo a raça, segundo o sexo e finalmente segundo o indivíduo.
Assim, nos primeiros graus da animalidade, em que o próprio renovamento da espécie pode de certa forma ser filiado a modalidade particular do fenômeno de nutrição, a necessidade de alimentar-se constitui o único estimulante direto para o contato com o ambiente; qualidades intelectuais rudimentares bastam para nortear a ação – redutível à motilidade; a harmonia interior é então mantida exclusivamente pelo egoísmo. Com o advento da separação de sexos inicia-se também a tendência para a vida gregária, certamente norteada só pelos instintos egoístas nas espécies inferiores; depois, à medida que cresce a complexidade de organização biológica novos impulsos passam a compartilhar da unificação interna: entre eles a necessidade de prover à conservação da prole desenvolve outros aspectos do mundo afetivo, ao mesmo tempo que solicita de modo mais fino a aplicação da inteligência e por outro lado impele para a atividade construtiva. Somente, porém, com o pleno desenvolvimento da vida social – portanto somente na espécie humana – é que os instintos de sociabilidade têm de preponderar decisivamente sobre os da personalidade e que, de paralelo com o máximo aproveitamento da experiência individual e coletiva, as atividades construtoras atingem o grau mais alto da evolução.
Não nos alongaremos na apreciação desta face do problema, a que já nos referimos (119). De modo geral, são os motores afetivos que levam o animal a agir sobre o meio – mediante a atividade – e, portanto, a estudá-lo – por meio da inteligência, constituindo sempre o poder unificador do mundo subjetivo; e na espécie humana em particular esta unificação exige a predominância dos sentimentos altruístas. Não é menos certo, entretanto que em cada raça predomina um desses setores da natureza subjetiva: ao passo que o preto prima pela afetividade, no amarelo é o poder construtivo o que sobreleva e a inteligência culmina no branco. Dentro de cada raça a proporção relativa caracteriza a diversidade de sexo: assim os pendores altruístas predominam largamente na organização afetiva da mulher, do mesmo passo que, pelo lado prático, a prudência e a continuidade de esforços; a inteligência feminina eminentemente intuitiva e sintética, abrange os problemas sobretudo pela face concreta. Análise e tendência a generalizar, predomínio da iniciativa, menor energia dos instintos de devotamento, constituem ao contrário o caráter geral do tipo masculino respectivamente quanto à inteligência, ao empreendimento prático e à afetividade. De indivíduo para indivíduo as variações são menos fáceis de sintetizar-se ou de exprimir-se mediante fórmulas gerais. Mas o estudo das diversas modalidades segundo as quais os indivíduos se desenvolvem ou se comportam ante o conjunto da espécie tem revelado que é possível a distinção em subgrupos vários. Assim o atesta a sistematização empírica e certamente provisória – porque estatuída sobre bases ainda incompletas – dos tipos chamados constitucionais.
Quer se diferenciem apenas em 3 grupos com o faz Viola ao selecionar as estruturas em normotípicas, braquitípicas e longitípicas, quer se adote o estalão ao mesmo tempo somático e psíquico segundo o qual Kretschmer (70) afere os tipos pícnico, astênico, atlético e displásico, sobressai nitidamente a correspondência entre organização somática e disposições morais. Esta correlação não perde o valor mesmo quando esmiuçada pela crítica vigorosa dos irmãos Jaensch (54-59), de cuja divisão complexa os tipos B ou basedowoide e o tetanoide ou T – astênico este, pícnico o primeiro – representam polos opostos também pelo aspecto mental. Outros estudos de caráter antes explanativo, tais o de Sempau (115), os de Quercy (105), de Cramaussel (24), de Montesano (92), de Teixeira Lima (122), por exemplo, atestam a veracidade dos fatos objetivos. Semelhante solidariedade, patenteada no estado normal pelos caracteres constitucionais referidos, aparece também evidente sob o aspecto mórbido. É o que ressalta os estudos como os de Wertheimer e Hesketh (131,132), de Lange (72), Woods (134), de Minkowska (85,86), de Luxemburger (78,79), de Mauz (82), de Georgi (41), e ainda de certa forma os de Egas Moniz (91). O tipo estrutural anômalo, passível de relativo equilíbrio quando ao abrigo de fatores adversos, é, entretanto, o que orienta o comportamento do organismo em condições patológicas. Cabe a Schaffer (111) o mérito de o haver demonstrado mediante pacientes e exaustivas investigações. Transcrevermos lhe, sem os comentar, os diversos grupos de “constituições patológicas”, em relação ao sistema nervoso:
Assumem desse modo as tendências individuais o papel capital na sistematização das reações mórbidas, não só quanto ao setor encefálico em que se manifestam; dentro do próprio domínio psiquiátrico são elas que regem o feitio do quadro clínico. Contribuições recentes (10, 12, 17, 18, 21, 32, 33, 34, 41, 51, 66, 72, 78, 96, 97, 100, 125) põem em relevo o entrelaçamento, estabelecido de modo preciso por Birnbaum (10), dos fatores intrínsecos – patoplásticos chamados, com os patogênicos ou acidentais, mesmo nos quadros psicóticos admitidos como de origem exógena.
Ora, estudar a “estrutura das psicoses” ou o verdadeiro substrato dela – o feitio subjetivo peculiar ao indivíduo ou ao grupo étnico – é analisar a predominância relativa das diversas funções psíquicas. É, em suma, verificar a situação de predomínio, quer anatômico, que de condições fisiológicas, dos diferentes órgãos encefálicos que as desempenham. Porque, em realidade, à correlação ou à interdependência de fenômenos psíquicos – funções morais, melhormente dito – evidenciáveis no plano abstrato, correspondem a solidariedade estrutural e as conexões anatômicas das respectivas regiões dos hemisférios – órgãos encefálicos segundo a acepção positiva – o que se pode documentar no plano objetivo.
A nosso ver é justamente à deficiente consideração destes fatos que se deve a carência de sistematização dos dados anátomo-clínicos acumulados já em grande cópia (117, 118). Eles permitem desde já desfazer a suposta antinomia entre perturbações psíquicas funcionais e perturbações psíquicas devidas a lesões anatômicas do encéfalo. A coexistência de distúrbios orgânicos e do outros puramente funcionais, assinalada de várias formas (5, 11, 18, 34, 52, 66, 69, 76, 80, 84, 90, 100, 109, 112, 114, 124, 127, 128), a comprovação de perturbações nitidamente psíquicas por lesões focais (1, 44, 45, 46, 50, 67, 68, 69, 71, 76, 77, 95) o atestam eloquentemente.
Assim, a concepção organológica cerebral segundo a escola positiva (3, 4, 22, 73, 74, 117, 119, 123, 135), a qual nos filiamos, permite-nos conciliar as diferentes exegeses da patologia mental, o que resumimos no seguinte esquema. Certas doenças mentais podem sobrevir por desarranjo puramente dinâmico, isto é, sem alterações cerebrais histológicas definitivas ou pelo menos demonstráveis pelos atuais processos de investigação; a expressão clínica será então orientada a um tempo pelo tipo constitucional do indivíduo e pelas leis dinâmicas do psiquismo, ou seja, pelo modo como a função ou o conjunto de funções prevalentes no estado normal repercute sobre o mundo subjetivo. Podem outras advir primitivamente de desarranjos anatômicos ou irreversíveis; neste caso os sintomas exprimirão não só o sofrimento dos territórios – isto é, dos órgãos – diretamente lesados e talvez o trabalho de suplência das áreas correlatas do outro hemisfério, como também possivelmente a propagação das desordens a zonas distantes, mas solidárias ou subordinadas às primeiras. Tais desordens à distância serão de base meramente dinâmica ou então lesional. Finalmente cumpre assinalar que os distúrbios dinâmicos – constituam doença na acepção comum, constituam sintomas isolados – acarretarão possivelmente, por força de persistirem, lesões anatômicas; e a sede destas será naturalmente, a dos mesmos órgãos implicados no processo mórbido, segundo há pouco dissemos.
Assim se explica a ocorrência de sintomas nitidamente localizatórios (44, 46, 52, 67, 68, 69, 80, 83, 88, 130) em doenças não lesionais como as chamadas endógenas, nos surtos cognominados psicógenos (5, 12, 23, 125, 126), ou simplesmente funcionais (6, 7, 8, 9, 23, 53, 66, 72, 81, 104, 112, 124), ou ainda em processos cerebrais difusos (16, 19, 27, 32, 33, 47, 60) de origem toxi-infecciosa ou traumática.
E ainda a realidade da colaboração entre os órgãos, condição indispensável à harmonia mental, o que esclarece a eventual ausência de desordem mental malgrado graves lesões do cérebro. Por um lado, existem vias de conexão, numerosas e reais embora algumas tenham sofrido refutações de ordem histológica, com a de Rossett (108). Por outro, um dos hemisférios cerebrais assume a regência habitual das funções mais nobres, à medida que o indivíduo se desenvolve – segundo o mostram por exemplo Hemann und Wodak (47), Hoff und Hoffmann (50), Steiner (121), ou à medida que aumenta a dignidade da espécie, conforme explanam von Monakow et Mourgue (90), Economo (29), Dusser de Barenne (28), Fragnito (37), Buscaino (20). Assim a mesma lesão terá consequências muito diversas se assestada no hemisfério esquerdo ou no direito do cérebro humano – testemunha-o o interessante artigo de Clovis Vincent (129), ou se verificada em animais de laboratório; daí as conclusões díspares de Ten Cate (124), de Ziliomy (136), de Lhermitte (75). Por isso a descorticação encefálica e a questão em voga das lobectomias devem ser analisadas perante novos elementos teóricos; o mesmo se dá com o fato clínico dos tumores cerebrais cujo crescimento gradativo pode deixar margem a que o cérebro se adapte à nova situação. Ocorrências deste jaez, perfeitamente compreensíveis ante a concepção localizatória que seguimos, têm, entretanto, lançado confusão entre investigadores de monta: basta percorrer as conclusões de von Monakow (89, 90), de A. Jakob (60, 61), de Chr. Jakob (62), de Pick (101), de Henschen (45, 46), de Meerloo (83), de Nissl von Mayerdorff (93, 94).
Ante a incidência de alterações anatômicas atribuíveis não raro ao mesmo fator “etiológico” (19, 25, 65, 78, 91, 100, 110), encontram-se no domínio clínico desordens psiquiátricas multiformes e até mesmo de tipo antagônico. Para interpretar este fato não basta apelar para o dinamismo psíquico (9, 38, 43, 49, 63, 112), o que tem sido feito em larga escala e por isso – como nas deduções de Sergi (116) – justamente profligado; também não é possível recorrer ao aspecto histológico das lesões embora sejam elas características em muitas modalidades nosográficas (27, 65, 98). O principal aí consiste na distribuição topográfica das lesões (26, 60, 61, 103, 130), como se pode concluir das indicações implícitas de numerosos trabalhos e particularmente do minucioso estudo de Miscolczy (87). Aos órgãos assim atingidos e ademais à influência deles no conjunto cerebral é que compete a fisionomia psiquiátrica dos quadros em questão.
Dois outros grupos de fenômenos mórbidos ilustram de maneira mais frisante a coparticipação eventual ou sistematizada desses órgãos cerebrais: o aparecimento de sintomas focais por alterações in loco ou assestadas em pontos distantes e, de outra parte, lesões bem circunscritas como causa mediata de sintomatologia extra-focal. Exemplifiquemos com fatos objetivos.
O paciente E. B. fora internado no Hospital de Juquery a 14 de outubro de 1911 com sintomas que induziam ao diagnóstico de esquizofrenia, tipo demencial. Durante todo o tempo de internação nenhuma intercorrência clínica particular fora assinalada. Necropsiado a 15 de dezembro de 1923, pode verificar-se a existência de meningo-encefalite adesiva crônica, limitada a ambos os polos frontais e mais intensa no esquerdo, conforme mostramos com as figuras 4 e 5. É lícito filiar nesse caso a expressão clínica, em que aparece a síndrome frontal demencial, à lesão direta do lobo frontal pela localização casual do processo inflamatório. Em uma série de doentes, de nossa observação pessoal e todos também internados no Hospital de Juquery, evidenciamos clinicamente a síndrome do lobo frontal, que atribuíamos a lesão direta. Em todos eles – figs. 6 a 15 – a pneumoencefalografia veio revelar anormalidades limitadas justamente à região frontal; e de modo geral aos tipos psiquiátricos diversos correspondiam topografias diversas segundo a apreciação radiológica. Limitamo-nos a indicações rápidas, pois que a transcrição mesmo abreviada das súmulas alongaria demasiado esta exposição; as observações psiquiátricas figuram em extenso no Arquivo Clínico do Hospital de Juquery.
Fig. 4 – E. B. – Síndrome frontal demencial. Meningoencefalite crônica limitada à região pré-frontal. Fotografia do corte macroscópico ao nível dos polos correspondentes. Notar que o processo se torna mais nítido no hemisfério esquerdo.
Fig. 5 – Mesma peça da figura anterior; fotografia da face posterior. Notar o foco de desintegração, reconhecível a olho nu, no centro oval do polo esquerdo.
Anglade (2) estudou de modo exaustivo mais de 3.000 casos em cuja evolução, baseado na própria descrição do autor, pudemos evidenciar (117) que os sintomas do lobo frontal eram por vezes devidos a desordens dinâmicas, por vezes devidos a lesões anatômicas, uma e outras consequentes de lesões do lobo temporal. A fig. 16, tomada o artigo daquele notável pesquisador, demonstra a solidariedade lesional de ambos os territórios, expressão da interdependência funcional entre eles, conclusões que aliás Anglade não estabelecera explicitamente. Mais elucidativo ainda o caso de Richter (106), que também analisamos no artigo há pouco mencionado. Pelo aspecto mental exibia a doente sintomas que filiamos ao território parieto-temporal, os quais mais tarde se acresciam de outros tipicamente de origem frontal. As lesões verificadas à necropsia e descritas com precisão pelo autor demonstram a realidade da repercussão anatômica: figs. 17 e 18.
Fig. 6 – H. N. – Síndrome do lobo frontal, acompanhado de convulsões epileptiformes, consequentes a traumatismo craniano. Radiografia do crânio: Perfil. Perda de substância óssea, em foco, na região frontal esquerda. Nenhuma alteração óssea à distância. Nenhum sinal de hipertensão endocraniana. | Fig. 7 – Mesmo doente da figura ao lado. Pneumoencefalografia: Perfil. Coleção de ar, em foco, ao nível da lacuna óssea: parte média da região frontal, bordo superior do hemisfério. Não se evidenciam alterações… |
Fig. 8 – J. B. S. – Síndrome do lobo frontal, tipo demencial; predominante desorientação no espaço. Lesão do cérebro por projétil de arma de fogo. Pneumoencefalografia: Perfil. Lacuna óssea por trepanação, na região frontal direita. Fragmentos de projétil encravados na porção cerebral correspondente. Dilatação dos ventrículos laterais, mais acentuada no polo frontal direito e no prolongamento occipital do esquerdo. Não se distinguem os sulcos intergirais dos lobos frontais. | Fig. 9 – Mesmo doente da figura ao lado. Pneumoencefalografia: Incidência fronto-occipital. O fragmento de projétil situado mais profundamente… ventrículo direito próximo ao polo frontal. Dilatação… |
Fig. 10 – R. G. – Síndrome do lobo frontal, tipo demencial. Paralisia geral progressiva. Pneumoencefalografia: Perfil. Visibilidade dos sulcos intergirais, exceto na região frontal: aderência meningo-encefálica provável. Ventrículo lateral esquerdo maior que o direito, em toda a extensão | Fig. 11 – U. S. N. – Síndrome do lobo frontal, demencial. Paralisia geral progressiva. Pneumoencefalografia: Perfil. Espaços intergirais sensível-mente aumentados na região pré-frontal. Coleção de ar, em foco, na proção alta do lobo, ao nível do pé do 1.° giro frontal. Ventrículos laterais… |
Fig. 12 – Mesma doente da fig. anterior. Pneumoencefalografia: incidência fronto-occipital. Ar acumulado, em foco, na região frontal direita e, em menor quantidade, na esquerda. Dilatação dos ventrículos laterais, mormente o esquerdo, bem como do 3.° ventrículo. | Fig. 13 – A. N. – Síndrome do lobo frontal. Pneumoencefalografia: Perfil. Visibilidade dos sulcos intergirais, porém de maneira anormalmente acentuada nos polos frontais. |
A mesma repercussão fisiológica, de modalidade, porém um pouco diversa, se patenteia no seguinte doente, também de nossa observação pessoal e igualmente internado no Hospital de Juquery. S. C., de 60 anos, apresentava deficiência intelectual grave e profunda, de aparência congênita. O exame neurológico revelava apenas ligeira hipertonia em ambos os membros inferiores. Entretanto à verificação necroscópica deparamos com grave atrofia do cerebelo, que devia remontar aos primeiros meses de idade (fig. 19). Não entraremos em pormenores a respeito desse caso, que ainda conservamos inédito: mas desejamos acentuar que aí os polos frontais teriam sido desviados da atribuição normal, absorvidos pelo trabalho de suplência para com a função neurológica do cerebelo, deficiente.
Fig. 14 – Mesma doente da fig. anterior. Pneumoencefalografia: Incidência occipito-frontal. Visibilidade normal dos espaços intergirais na região occipital. Ventrículos normais quanto à forma e às dimensões. | Fig. 15 – Mesma doente da fig. anterior. Pnemoencefalografia: Incidência fronto-occipital em extensão forçada. Verifica-se a dilatação dos espaços subaracnoideos na região frontal, o que confirma as imagens reproduzidas nas radiografias precedentes |
Fig. 16 – Doente de Anglade. Hemisfério esquerdo, vista lateral. Notar a grave atrofia cerebral coexistente na região frontal e na zona temporal. | Fig. 17 – Doente de Richter. Clinicamente, embrutecimento progressivo. Fotografia do cérebro, de frente. Atrofia cerebral, mais acentuada no polo frontal esquerdo que no direito. |
Fig. 18 – Mesma doente da fig. anterior. Hemisfério esquerdo, vista lateral. Aparece mais evidente que na fig. 17 a distribuição do processo atrófico. No próprio hemisfério é ele ainda mais pronunciado ao nível da 1.ª temporal que no polo frontal. |
Fig. 19 – S. C. – Diagnóstico clínico: Síndrome de deficiência mental profunda, de aparência congênita. Fotografia do encéfalo, pela base. Notar a grave atrofia cerebelar, rara pela forma e pelo tipo de distribuição. Provável trabalho de suplência dos lobos frontais. Observação pessoal inédita.
Fig. 20 – A. C. – Diagnóstico clínico: Síndrome do lobo frontal, secundário a perturbações ao nível da zona parieto-temporal. Pneumoencefalografia: Perfil. Coleção de ar na região parietal superior, porção posterior. Sulcos normais quanto ao aspecto, na região frontal. | Fig. 21 – Mesmo doente da fig. anterior. Pneumoencefalografia: Incidência occipito-frontal. O contraste pelo ar acumulado aparece muito maior no hemisfério esquerdo que no direito. Ventrículo esquerdo maior que… |
O conhecimento das funções elementares correspondentes às diversas porções do manto cerebral tem-nos permitido apreciar nos casos clínicos concretos a mesma possibilidade de repercussão anatômica ou funcional, conforme documentamos em outro artigo (118). Reproduzimos apenas as indicações abreviadas relativas a algumas observações clínicas. Todas elas denotam sintomas que pudemos filiar nitidamente ao complexo do lobo frontal, mas de aparecimento cronologicamente secundário ao de distúrbios localizáveis na região parieto-temporal. Nos pacientes A. C. (figs. 20 e 21) e J. A. G. (figs. 22 e 23) tínhamos como provável que os fenômenos do lobo frontal fossem apenas dinâmicos; nos 3 restantes, M. B., A. T. e M. B. C. respectivamente os das figs. 24-25, 26-27, 28-29, prevíamos alterações já estruturais e graves, na própria região frontal. Como se verifica das chapas pneumoencefalográficas aqui reproduzidas, tais desarranjos eram evidenciáveis mesmo à inspecção radiológica. Não nos detemos em sumariar os dados clínicos, o que fazemos na já mencionada publicação. Também não vem agora ao caso discutir o valor dos achados pneumoencefalográficos, incontestável uma vez que apreciado judiciosamente.
Fig. 22 – J.A.G. – Diagnóstico clínico: Síndrome do lobo frontal, secundário a desordens na região parieto-temporal. Pneumoencefalografia: Perfil. Coleção de ar, em foco, na região parietal e na zona de passagem parieto-temporal. Lobo frontal sem alterações apreciáveis radiologicamente | Fig. 23 – Mesmo doente da fig. anterior. Pneumoencefalografia: Incidência occipito-frontal. Contraste pelo ar mais nítido no hemisfério esquerdo. Visibilidade da foice do cérebro. Ventrículo esquerdo maior que o direito… |
Fig. 24 – M.B. – Diagnóstico clínico: Síndrome do lobo frontal, possivelmente por alterações anatômicas secundárias a desarranjo na região parieto-temporal. Pnemoencefalografia: Perfil. Coleção da ar, em foco, na região parietal, até perto da zona de transição parieto-temporal. Alargamento dos sulcos intergirais na região frontal. | Fig. 25 – Mesmo doente da fig. ao lado. Pneumoencefalografia: Incidência occipito-frontal. Maior contraste no hemisfério esquerdo que no dirieto. Ventrículo esquedo como na fig. anterior, maior que o direito, principalmente ao nível do polo occipital. |
Fig. 26 – A. T. – Diagnóstico clínico: Síndrome do lobo frontal, provavelmente por lesões anatômicas em consequência a desordens estruturais na zona parieto-temporal. Pneumoencefalografia: Perfil. Coleção de ar na região parietal. Sulcos intergirais alargados nesse território, bem como no frontal. | Fig. 27 – Mesmo doente da figura ao lado. Pneumoencefalografia: Incidência occipito-frontal. Maior contraste no hemisfério esquerdo. Ventrículo lateral esquerdo maior que o direito, como na fig. anterior. |
Igualmente instrutiva quanto à realidade dos sistemas de órgãos cerebrais a incidência de dois grupos patológicos eminentemente localizatórios – o das praxias e o das desordens agráficas. Ambos se relacionam com funções intelectuais bem conhecidas embora mais ou menos complexas: a execução de gestos e a expressão, bem como a compreensão, mediante a escrita. No primeiro caso a função, cuja desordem foi claramente estudada por Liepmann (76, 77), depende de várias operações intelectuais que, segundo está demonstrado, são integradas em territórios do lobo frontal. Tais órgãos trabalham, porém sob a regência de outros assestados principalmente na zona parieto-temporal, cooperação esta que no estado normal passará despercebida ao exame objetivo e que lesões focais no giro supra-marginal podem pôr de manifesto sob vários graus. O esquema da fig. 30, tomado de Liepmann, traduz o dinamismo complexo do fenômeno patológico. A expressão gráfica tanto quanto por meio de palavra articulada ou gestos, corresponde indubitavelmente aos campos 44 a e b e à parte inferior da área 9 de Brodmann (13, 14), da mesma forma que a compreensão da leitura resulta do trabalho conjunto desses campos com os de tipos 10 e 46 daquele grande anatomista, segundo tivemos oportunidade de frisar (117, 118). Ora, focos circunscritos na região parietal, consoante a situação no córtex ou na profundidade do giro angular, acarretam perturbações várias da leitura e da escrita mediante dinamismo análogo ao que agora há pouco mencionamos – o que também se patenteia no esquema abaixo igualmente organizado por Liepmann (fig. 31).
Inversamente, tivemos ensejo de estudar em data recente, de colaboração com o Dr. Paulo Pinto Pupo, um paciente internado no Hospital de Juquery em que se manifestaram perturbações agráficas e apráxicas em consequência indireta de neoplasma situado na região frontal, face orbitária (120). Apesar da integridade de estrutura histológica da região parietal esquerda, a desintegração de feixes emanados do lobo frontal bem como a degeneração das vias fronto-parietais no hemisfério direito (figs. 30 a 40) faziam impossível a cooperação dos órgãos respectivos.
Em qualquer desses casos é possível evidenciar que a patologia mental seja por alterações dinâmicas, seja por desarranjo anatômico irremovível, se reduz à patologia dos órgãos encefálicos. E que a distribuição das desordens, às vezes meramente casual, pode também operar-se segundo as conexões fisiológicas dos territórios correspondentes. Para apreciar o papel de cada um deles no conjunto mórbido cumpre, porém, distinguir a função normal a que se acha preposto.
Fig. 30 – Esquema horizontal das desordens apráxicas, segundo Liepmann – H.E. – zona que hemisfério esquerdo corresponde à mão direita. H.D. – zona que no hemisfério direito corresponde à mão esquerda. C.o., C.p., C.t. – origem cortical das vias associativas occipitais, parietais e temporais para o “centro” da mão no hemisfério esquerdo. As vias análogas para o hemisfério e as que deste se dirigem para H. E. estão representadas por linhas interrompidas para indicar a importância secundária. As ligações de H.E. para com H. D. são traduzidas por 2 linhas eferentes. C.i. cápsula interna. (Na gravura original as vias associativas e as ligações transcalosas vêm desenhadas em vermelho e as fibras de projeção de H.E. em lilás).
Foco em 1 ou em 2: paralisa da mão direita e dispraxia da esquerda.
Foco em 3 (no corpo caloso): dispraxia da mão esquerda.
Foco em 4 (no lobo parietal): apraxia ideo-cinética da mão direita e dispraxia da esquerda.
Foco em 5 (capsular): paralisia da mão direita sem dispraxia da esquerda.
Fig. 31 – Segundo Liepmann
Foco em 1: alexia + agrafia
Foco em 2: alexia pura com hemianopsia
Foco em 3: agrafia pura apenas para com a mão direita
Foco em 4: agrafia pura bilateral.
Fig. 32 – M.C. – Síndrome do lobo frontal acrescido de agrafia e apraxia. Menigeoma paramediano na região orbitária. – Fragmento do autógrafo. Diversas tentativas para assinar o próprio nome. É o mesmo doente a que se referem as figuras 33-40.
Fig. 33 – Corte frontal logo adiante dos polos temporais. Tumor bem delimitado a comprimir a substância nervosa, destruindo-a em parte.
Fig. 34 – Corte ao nível dos polos frontais – Tumor com focos de desintegração hemorrágica. Edema do hemisfério esquerdo. Aderências da face orbitária desse hemisfério ao tumor, com atrofia da córtex; divertículo meníngeo. No hemisfério direito, ao nível da circunvolução orbitária externa, pequeno foco de desintegração (Mét. de Weigert). | Fig. 35 – Corte frontal. Grande edema do hemisfério esquerdo, principalmente na região da ínsula; dilatação do espaço de Virchow-Robin. Cláustro quase desaparecido; cápsulas extrema e externa assaz esmaecidas; conservação das fibras eferentes da face externa do putamen. Braço anterior da cápsula interna menos corado que o do lado oposto. Dilatação do ventrículo lateral esquerdo com desvio do septo para a direita. Dilatação do ventrículo do septo. Focos de desintegração no hemisfério esquerdo abaixo do núcleo caudado. Mais abaixo, divertículo meníngeo. Degeneração do fascículo longitudinal superior (ângulos externos do ventrículo lateral direito). Conservação das fibras do corpo caloso (Mét. de Weigert). |
Fig. 36 – Corte frontal. Mesmas lesões que no corte anterior. Mais nítida a degeneração do fascículo longitudinal superior; além disso, a do inferior e a dos feixes arqueados (zona medular de F1 e F2). (Mét. de Weigert) | Fig. 37 – Corte frontal. Edema do hemisfério esquerdo em muito menor grau. Cápsual externa notadamente esmaecida; degeneração de vias fronto-parieto-temporais. Degeneração das vias de associação ântero-posteriores do hemisfério direito: fascículo longitudinal superior, feixe fronto-occipital, feixes arqueados e feixe longitudinal inferior (Mét. de Weigert). |
Fig. 38 – Corte frontal. Mais nítida e mais extensa a degeneração dos feixes associativos no hemisfério direito (Mét. de Weigert). | Fig. 39 – Corte frontal. Degeneração da cápsula externa esquerda, muito menor. No restante, as mesmas lesões que no corte anterior. (Mét. de Weigert). |
Fig. 40 – Corte frontal. Nítidas as dilatações e a assimetria ventriculares. Restos de lesão da cápsula externa. As mesmas lesões que nos cortes anteriores (Mét. de Weigert). |
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RESUMO
O autor salienta a importância semiológica e mesmo terapêutica dos conhecimentos anátomo-patológicos hoje acumulados a respeito das doenças mentais.
Menciona as causas que têm dificultado a sistematização de tais dados: perturbações mentais chamadas endógenas, desordens consideradas funcionais, outras devidas a repercussão anatômica ou fisiológica e finalmente a ausência possível de distúrbios em caso de lesões cerebrais mesmo extensas. Explica assim a diversidade de interpretação das diferentes escolas psiquiátricas, cujas concepções enumera rapidamente.
Mostra como podem conciliar-se os fatos à luz da fisiologia cerebral; examina esta quanto aos elementos anatômicos propriamente e às condições fisiológicas principais, concluindo que as funções correspondentes aos diferentes órgãos do encéfalo representam fenômenos de categoria especial, regidos por leis naturais particulares.
Explicam-se assim as variações mentais conforme a raça, o sexo, o indivíduo, por um lado; e por outro, os tipos de reação psicótica e a chamada “estrutura das psicoses”.
Alude, a seguir, às doenças mentais dinâmicas ou funcionais e depois às de caráter irregressível, onde considera os sintomas locais e à distância, sejam eles funcionais assim chamados ou anatômicos.
Depois de mostrar que as doenças dinâmicas são passíveis de tornar-se lesionais e que o mesmo pode suceder com os distúrbios expressos pelos sintomas, passa aos casos clínicos que constituem o motivo central da presente exposição.
Para documentar o trabalho o autor escolheu 12 fotografias de peças anatômicas referentes a observações pessoais e 20 cópias de pneumoencefalografia relativas a outros casos clínicos também de observação pessoal; todos os pacientes foram internados no Hospital de Juquery, em cujo Arquivo Clínico figuram os protocolos em extenso.
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RÉSUMÉ
L’auteur révèle la portée sémiologique et même thérapeutique des données anatomo-pathologiques acquises jusqu’à présent vis-à-vis des maladies mentales.
Il cite les causes qui en ont embarrassé la systématisation, à savoir : des troubles mentaux dits endogènes, d’autres appelés fonctionnels, d’autres encore par répercussion anatomique ou physiologique, finalement l’absence possible de troubles malgré des lésions cérébrales voire même larges. Ainsi s’explique la divergence des interprétations accueillies par les diverses écoles psychiatriques, dont les conceptions sont passées brièvement en revue.
Il rappelle comment on peut harmoniser les faits au point de vue de la physiologie cérébrale : après l’avoir abordée dans les grands traits anatomiques et dans ses conditions physiologiques principales il conclue que les fonctions affectées aux divers organes encéphaliques sont des phénomènes d’un ordre particulier, soumis à des lois naturelles spéciales.
On explique ainsi les variations mentales suivant la race, le sexe, l’individu, d’un côté ; les types de réaction psychosique et la « structure des psychoses », de l’autre.
Il fait allusion alors aux maladies mentales dynamiques ou fonctionnelles, puis `celles irremovibles, considérant ici les symptômes engendrés sur place ou à distance, qu’ils soient fonctionnels ou bien anatomiques. Les maladies dynamiques, à son tour, peuvent en des circonstances devenir lesionnelles, ce que est valable aussi pour les troubles que traduisent les symptômes.
A l’appui de ses considérations l’auteur présente quelques cas personnels qui constituent le sujet central du présent travail. Il a choisi pour cela 12 photographies de pièces anatomiques relatives à des observations anatomocliniques et 20 clichés pneumoencéphalographiques qui se rapportent à des observations cliniques. Tous ces malades ont été admis à l’Asyle de Juquery (S. Paulo, Brésil) ou figurent leurs dossiers psychiatriques.
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ZUSAMMENFASSUNG
Der Verfasser hebt die grosse Wichtigkeit hervor, welche die anatomischen Kenntnisse, über die wir heute verfügen, für die Semiologie und sogar Behandlung der Geisteskrankheiten besitzen.
Er erwänt die Gründe, welche die Systamtisierung solcher Feststellungen erschwert haben, nämlich die sogenannten endogenen geistigen Störungen, ferner die als funktionell betrachteten Störungen, andere, welche anatomischen und physiologischen Ursachen zugeschrieben werden müssen, und schliesslich solche mit sogar ausgedehnten cerebralen Läsionen, bei welchen geistige Störungen fehlen können. Er erklärt auf diese Weise die Unterschiede der Auslegung von Seiten der verschiednen psychiatrischen Schulen, deren Auffassungen er kurz erwähnt.
Der Verf. Legt dann dar, wie die Tatascahcen sich im lichte der Hirnphysiologie in Einklang bringen lassen; er studiert diese hinsichtlich dae anatomischen Elemente selbst und der hauptsächlichen physiologischen Bedingungen und schliesst, das die Funktionen, die den verschiedenen Teilen des Gehirns entsprechen, Erscheinungen spezieller Art darstellen, die sich nach besonderen Naturgesetzen richten.
Auf diese Art erkären sich die geistigen Variationen je nach Resse, Geschlecht, Individuum nach der einen Richtung hin; anderseits sind es die psychotischen Reaktionsformen und der sogenannte „Aufbau der Psychose“.
Der Verf, bezieht sich sodann auf die dynamischen oder funktionellen Geisteskrankheiten, sodann auf diejenigen unwiderruflicher Art, bei welchen er die lokalen und entfernt ausstrahlenden Symptome berücksichtigt, mögen diese funktionell oder anatomisch bennant werden.
Nach der Erwähnung, dass die dynamischen Krankheiten unter Umständen sich bei Leiden mit Läsionen ausbilden Können, sowie dass die gleichen Erscheinungen bei der Störungen, die sich durch Symptome kundgeben, auftreten können, geht der Verfasse zu den klinischen Fällen über, die den eigenglichen Gegenstand de vorliegenden Arbeit darstellen.
Um seine Arbeit zu dokumentieren, wählt der Verf. 12 Photographien von anatomischen Stücken aus, an die sich persönliche Beobachtungen knüpfen, sowie 20 Pneumoencephalograpien von anderen klinischen Fällen ebenfalls eigener Beobachtung; alle Kranke sind im Hospital de Juquery (São Paulo, Brasilien) interniert, in dessen Archiv sich die ausführlichen Protokolle befinden.
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