Metodologia de pesquisa de morbidade referida em grupos homogêneos de trabalhadores ou populações expostas a fatores de risco específicos
Francisco Drumond Marcondes de Moura
O objetivo da pesquisa de morbidade referida é realizar um levantamento dos agravos à saúde produzidos por determinados fatores de risco ou cargas de trabalho que afetam um determinado grupo homogêneo de trabalhadores: mecânicos, gráficos, metalúrgicos, comerciários, pescadores, trabalhadores da saúde, bancários, coletores de ferro-velho, professores, motoristas, etc…
Esse levantamento é realizado a partir de informações obtidas dos próprios trabalhadores, por isto é denominada de morbidade referida: é um indicativo do perfil de doenças que podem estar atingindo um grande número de trabalhadores e que pode ser verificada e validada por procedimentos de investigação diagnóstica levada a cabo por trabalhadores da saúde, com formação em saúde do trabalhador dos serviços de diagnóstico da rede do SUS.
A pesquisa de morbidade referida sempre deve envolver uma organização de trabalhadores – sindicatos ou organização de portadores de doenças relacionadas ao trabalho, etc…
A pesquisa valoriza o conhecimento que o trabalhador tem do seu trabalho e reconhece a sua capacidade de estabelecer hipóteses que forneçam pistas sobre a relação entre determinados agravos à sua saúde com determinados riscos ou cargas de trabalho presentes no seu trabalho.
A partir da demanda de uma organização de trabalhadores ou da identificação, em um determinado território, por qualquer dispositivo do SUS, de grupos de trabalhadores expostos a determinados agravos à sua saúde, que podem ser objetos de uma pesquisa de morbidade referida, deverá ser definida uma equipe técnica responsável pela coordenação do projeto que, inicialmente, procederá ao inventário sobre o que já se conhece sobre aquela situação. Esta pesquisa bibliográfica levantará o acúmulo nacional e internacional do conhecimento especializado sobre o problema.
Esse conhecimento é compartilhado com representantes das organizações de trabalhadores e, em conjunto com eles, é estabelecido uma seqüência de encontros envolvendo os técnicos, os representantes sindicais e pelo menos 5 trabalhadores que possuam suficiente vivência com o processo produtivo que se pretende investigar. Este grupo inicial acompanhará todo o processo de desenvolvimento da pesquisa, sendo por esta razão aqui denominado de Grupo de Acompanhamento.
A tarefa inicial deste grupo será o de construir um mapa de risco daquele processo produtivo, reconhecer e reconstruir coletivamente a organização deste trabalho, levantar os agravos e as queixas de saúde mais habituais e proceder à elaboração de um questionário, que seja capaz de apreender esta realidade quando for aplicado ao conjunto dos trabalhadores expostos ao mesmo processo produtivo. Este questionário deve ser produzido em duas reuniões, que serão gravadas para que nada se perca.
Um esboço inicial do questionário será produzido, pela equipe técnica do projeto, a partir dos materiais obtidos destes dois encontros, sendo discutido pelo Grupo de Acompanhamento de forma que seja avaliado se corresponde ao objetivo pretendido.
Aprovado pelo Grupo o questionário é aplicado em 30 trabalhadores expostos aos mesmos agravos. Os questionários deverão ser aplicados pelos integrantes do Grupo de Acompanhamento.
Os resultados destes 30 questionários serão avaliados pelo Grupo de Acompanhamento quanto à sua sensibilidade de apreender a relação de causalidade entre o trabalho e o perfil de saúde/doença dos trabalhadores.
Após passar por este teste inicial, o questionário poderá ser modificado, ampliado ou complementado, até atingir a uma forma considerada definitiva e replicado às dezenas, centenas ou milhares, de acordo com o tamanho do grupo de trabalhadores em investigação.
A aplicação massiva do questionário envolverá os:
- grupos de base territorial de abrangência da pesquisa;
- trabalhadores envolvidos no Grupo de Acompanhamento;
- 30 trabalhadores envolvidos no teste inicial do questionário, conforme o caso.
Os dados da pesquisa são sistematizados para discussão no Grupo de Acompanhamento, de forma a ser discutida uma apresentação final dos resultados, a ser divulgado por variados meios para a base dos trabalhadores pesquisados (boletins, vídeos, assembléias municipais, assembléias gerais, etc…).
Da mesma forma, o Grupo de Acompanhamento levantará as mudanças que se fazem necessárias no processo produtivo investigado, apontando para as alternativas conhecidas de modificação ou aquelas sugeridas pelos próprios trabalhadores. Estas reivindicações de mudanças devem compor o relatório final e serem divulgadas na base dos trabalhadores. A partir desse ponto a organização dos trabalhadores assume integralmente a coordenação do processo.