PSICOLOGIA FISIOLÓGICA¹
(Aníbal Silveira)²
BREVE NOTA HISTÓRICA
Desde meados do século XIX a Psicologia vem firmando mais decisivamente a tendência para filiar os processos psíquicos ao dinamismo cerebral. Passaremos em revista somente as fases principais dessa orientação, e em traços rápidos para não fugir aos limites da presente obra.
Wundt – coube ao grande psicólogo de Leipzig romper com a orientação meramente especulativa da introspecção, ao erigir a fisiologia cerebral em método de psicologia fisiológica. O próprio termo “psicologia fisiológica” como expressão de conceito doutrinário deve ser a ele atribuído, com as ressalvas que adiante mencionaremos. Nas “Vorlesungenüber die Menschenund Tierseele”, em 1863, e principalmente nos “Grundzuge der physiologieschen Psychologie”, em 1874, 1880, não somente Wundt estabelece clara distinção entre várias categorias de fenômenos psíquicos, mas se detém largamente nas correlações entre função e estrutura – esta baseada na anatomia cerebral de Meynert.
E mais, chega a estabelecer as sedes cerebrais correspondentes às distintas funções.
Distingue Wundt as seguintes fases no trabalho mental: (1.°) as sensações, que vão integrar as representações mentais; (2.°) estas, quando referentes ao estímulo real constituirão percepções e quando atinentes à imagem subjetiva denominar-se-ão por isso concepções imaginárias; (3.°) a seu turno a percepção, passiva ou ativa, dará origem a noções subjetiva, cuja gradação vai da noção complexa à noção geral e às formas de intuição; há ainda a considerar, (4.°) o conceito, como expressão de correlações sistemáticas, isto é, conhecimentos deduzidos.
Caracteriza como apercepção a entrada da percepção para o foco central da consciência. Pelo aspecto localizatório, atribui aos “centros sensoriais” do córtex cerebral a função de percepção, ao passo que a apercepção constituirá atributo de outro órgão mais especializado, situado na região frontal do cérebro; a sensação propriamente dita estaria afeta aos núcleos cinzentos intracerebrais subordinados ao manto cortical.
O grande passo efetuado pela psicologia sob o influxo de Wundt foi libertar-se do jugo metafísico. Todavia, o eminente psicólogo não pode escoimá-la de alguns vícios, enquadráveis em dois grupos: (1. °) o de endossar a doutrina dos “centros cerebrais”, já então desacreditada perante a verdadeira fisiologia do cérebro – e utilizá-la para estabelecer o paralelismo psicofisiológico; (2. °) a redução de todos os atributos subjetivos, inclusive sentimentos, emoções, volição, a fenômenos de consciência, isto é, de apercepção.
¹Trabalho do Prof. Aníbal Silveira, publicado na Revista Maternidade e Infância.
²Fellow em neurofisiologia – atividade elétrica do córtex cerebral – John Simon Guggenheim Memorial Foundation (1941-1942).
Contra este desvio fundamental logo se ergueram os fatos do próprio rumo psicológico aqui mencionado, urdidos sob orientação mais ampla.
Ziehen – “As doutrinas aqui professadas divergem acentuadamente da de Wundt, que domina os centros alemães, e se aproximam de modo íntimo da chamada psicologia associativa dos ingleses”. É como se exprimem desde 1880, no prefácio da “Physiologische Psychologie”, o psicólogo e psiquiatra de Jena. E pouco adiante: “Ao introduzir na interpretação dos processos psíquicos o recurso (Hilfsgrosse) particular da chamada apercepção, Wundt ladeia numerosas dificuldades na explicação do fenômeno: onde aparece um fato psicológico dificilmente explicável para ali empurra ele a apercepção”. Na orientação de Ziehen “a psicologia se atém exclusivamente aos fenômenos psíquicos a que correspondem processos paralelos na fisiologia cerebral”. Ademais, como psiquiatra, recorre ele aos conhecimentos anátomo-clínicos, aos dados da experimentação em animais e à dissociação de funções estabelecida nas doenças mentais ao encarar os problemas psicológicos. É, a nosso ver, o que lhes empresta colorido humano, colocando-os em plano construtivo. Da mesma forma que Wundt, distingue Ziehen da sensação, a representação e a percepção. Em vez de utilizar, porém, o termo “apercepção” de Leibniz e Wundt, designa como percepção (Wahrnehmung) o fenômeno de tornar-se consciente a sensação. Situa tais fenômenos, bem como os conceitos – concretos e abstratos – em regiões distintas no córtex cerebral. Recorre, aliás, para isto, a noções neuranatômicas muito mais diferenciadas do que as utilizadas então por Wundt. Também merece relevo a maneira pela qual define os afetos e o tono afetivo não apenas como independentes dos processos intelectuais senão também como reguladores destes e das ações. Apesar de adquirir mais sólida base anátomo-clínica e experimental, a psicologia fisiológica não conseguiu desvencilhar-se, com Ziehen, de relevantes senões. Por outro lado, acham-se aí confundidas funções subjetivas de conação e atos objetivos; por outro lado, consideram-se expressões necessariamente idênticas “psíquico” e “consciente”. E Ziehen acentua: “Para nós, processos psíquicos inconscientes constituem de início conceito totalmente vazio, que ainda enfrentaremos mais tarde como hipótese, porém desde já com grande desconfiança (“aber von vornhereineingrosses Misstrauenent-gegenbringen”) (Pag. 3 e 4).
Essa mesma posição doutrinal se mantém na 12ª edição, largamente refundida, publicada quase 30 anos mais tarde. Não obstante, Ziehen discute aí farta documentação bibliográfica relativa a fenômenos conscientes, inconscientes e subconscientes; e em numerosos passos cita McDougall, o qual tão claramente distingue das ações explícitas o componente conativo.
Dois novos rumos trouxera a Psicologia Fisiológica até o conceito atual. Na escola personificada em Ribot passou ela a se apoiar de preferência nos dinamismos funcionais, deixando de lado os aspectos meramente estáticos das correlações psico-estruturais. E as concepções eminentemente inovadoras de Pavlov lhe trouxeram nova compreensão; baseada agora em experimentação animal de tipo altamente diferenciado.
Ribot – o característico fundamental do método de Ribot advém da doutrina fundada por Augusto Comte, no sentido de que o exame dos fenômenos patológicos permite aperfeiçoar os conhecimentos relativos ao estado normal correspondente. Reconhecem-no – como também em relação a Claude Bernard, igualmente inspirado em Comte – com razão Achilles Delmas e Bol ao apreciarem o método psicopatológico: “Théodule Ribot, que, por intermédio de Taine, se liga a Augusto Comte, o mestre da filosofia contemporânea, exprime-se por forma análoga: “O método patológico utiliza ao mesmo tempo, a observação pura e a experimentação”. É um poderoso meio de investigação, que tem sido fértil em resultados. Com efeito, a doença é uma experimentação da ordem mais sutil… instituída com processos de que a arte humana não dispõe… A fisiologia e a patologia – tanto as do espírito como as do corpo – não se opõem uma à outra como coisas antagônicas, mas antes como duas partes do mesmo todo” (De la méthode dans les sciences, pag. 300)”.
Embora também Ziehen, e mesmo de certa forma Wundt, houvessem recorrido aos distúrbios mentais ao analisar os fenômenos da psicologia, cabe a Ribot prioridade em recorrer àqueles como parte integrante do método de pesquisa psicológica. Ademais, dois traços distanciam da obra psicológica dos autores precedentes a construção do grande psicólogo francês: a supremacia concedida aos sentimentos na estrutura da personalidade e a concepção dinâmica do inconsciente e dos fenômenos da consciência.
Em “La psychologie des sentiments”, não apenas caracteriza as emoções, que classifica em simples e complexas, mas analisa sob o aspecto dinâmico os sentimentos propriamente ditos; e distingue no instinto de conservação manifestações fisiológicas, outras defensivas – medo, e ofensivas – cólera; da mesma forma que redige capítulos especiais aos sentimentos “sociais” morais e religiosos.
“Lembraremos que para nós …a consciência não é uma entidade, mas uma soma de estados, condição da atividade cerebral, o qual existe quando estas existem, falta se estas faltam, desaparece quando elas desaparecem. E frisa adiante a relatividade dos estados de consciência na unidade subjetiva: “A unidade subjetiva, no sentido psicológico, consiste, pois, na coesão, durante um tempo dado, entre certo número de estados claros de consciência – acompanhados de outros menos claros – e uma multidão de estados fisiológicos que, sem se acompanharem de consciência como aqueles congêneres, agem tanto quanto eles e mais que eles.
Ao retomar, ulteriormente, o problema do trabalho intelectual de abstração, acentua – em contraste com o intelectualismo então dominante nas teorias psicológicas – o papel psicodinâmico dos processos inconscientes no próprio raciocínio: “O pensamento simbólico; tem-se repetido frequentemente, constitui pensamento por substituição. (“- Psiquiatria Geral”) Esta fórmula não é admissível senão sob a condição de reconhecer-se que o substituto pressupõe, exige, a existência contemporânea (actuelle) do substituído. Há substituição quanto à consciência, não quanto à operação total. Para resumir tudo em uma palavra: a psicologia da abstração e da generalização é em grande parte psicologia do inconsciente”.
Não foi dado a Ribot tirar todas as consequências de que o método psicopatológico é capaz para o conhecimento da psicologia normal. Atribuímos isto, em parte à insuficiente análise clínico-psiquiátrica de que dispunham os psiquiatras da época. A esse respeito são pertinentes as considerações de Foll e Baud, que logo comentaremos. Na maior parte, porém foi isso devido a não dominar inteiramente o pensamento médico-filosófico de Comte no qual se inspirou conforme foi dito. Apreciando a nova senda aberta pelo psicólogo francês, dizem Boll e Baud:
“Grande parte da obra de Ribot reflete tais preocupações, mas o esforço do ilustre psicólogo não podia levar a resultados definitivos senão na medida em que os fatos psicológicos por ele interpretados estavam solidamente estabelecidos. Ora, nesses fatos podemos distinguir três grupos:
- Certo número se prende a sínteses que não resistiram à prova do tempo. Os acasos da vida haviam aproximado Ribot a Charcot; o psicólogo aceitou as ideias do médico, em particular a teoria da histeria e do hipnotismo: dessa teoria quase nada subsistiu; e não é difícil conceber que uma interpretação clínica errônea possa unicamente extraviar o psicólogo que nela se baseia.
- Certos outros fatos, clinicamente exatos, se reportavam a transtornos que desorganizavam a substância nervosa, é o caso principalmente de Doenças da memória.
- Outros fatos patológicos, finalmente, com os que Ribot passa em revista nas Doenças da vontade, fazem supor a existência de uma patologia dessa “entidade”; ora, parece que tal entidade se esvai quando procuramos defini-la como função autônoma, o que as pretensas doenças da vontade não sejam senão casos particulares de mecanismos deficientes.
“Ribot parece, aliás, ter reconhecido que o terreno da experimentação patológica era muito pouco sólido, pois o abandonou nos ensaios de síntese, tais a Psicologia dos sentimentos, o Ensaio sobre a imaginação criadora, a Evolução das ideias gerais; a despeito da tendência nitidamente acentuada para a pesquisa objetiva dos fatos, Ribot é por vezes levado aí a interpretações subjetivas, a construções teóricas, das quais o mínimo que podemos dizer é que não são infirmadas nem verificadas pelos fatos. Logo, os resultados devidos a Ribot foram limitados pela insuficiência dos materiais que as ciências médicas lhe forneciam”.
Cabem a este respeito três observações. Acreditamos que mesmo com a insuficiência de materiais disponíveis, seriam possíveis conclusões mais aprofundadas, pois Audiffrent, discípulo de Comte e médico, construiu na mesma época (1869, 1874) monumentais estudos sobre as funções cerebrais. Igualmente não concordamos com os autores em que Ribot considerasse “entidades” disposições subjetivas complexas como a vontade: o trecho que há pouco citamos sobre “estados de consciência” revela claramente o espírito positivo e atual ainda hoje do grande psicólogo. E, finalmente, aquelas considerações teóricas que aludem Boll e Baud são verificáveis pelos fatos clínicos uma vez que se analisem estes mais a fundo e não apenas pelo significado superficial.
Ribot apontava, de resto, para os inconvenientes de se tratarem fenômenos subjetivos, biológicos em última análise, por métodos peculiares então às ciências básicas. Assim, embora reconhecendo as tendências gerais da psicologia da época para recorrer à experimentação e às aferições precisas – diretrizes que apreciou com justeza ao analisar as escolas alemãs, advertia: “Seria precipitado introduzir no estudo dos fenômenos psíquicos a medida, o cálculo, o método quantitativo, característico das ciências que atingiram a maturidade.”
Pavlov – Ainda mais nitidamente que Ribot, estabeleceu o insigne fisiologista de Koltushy – hoje Pavlov – correlações entre funções psíquicas e dinamismos fisiológicos do cérebro. Ao precisar as condições para o aprendizado e a assimilação intelectual, assim define ele os estados de consciência: “Sob esta luz a consciência aparece como a atividade nervosa de certa parte dos hemisférios cerebrais que possua em dado instante, nas condições do momento (present), certa atividade em grau ótimo – provavelmente moderado. (“- Psiquiatria Geral”) Ao mesmo tempo as restantes partes dos hemisférios permanecem em estado de excitabilidade mais ou menos atenuada (diminished). Na região cerebral em que há o ótimo de excitabilidade novos reflexos condicionados se formam facilmente e a diferenciação se desenvolve com êxito.
Coerentemente, depois de haver demonstrado à exuberância os fatores psicológicos da digestão, utilizou Pavlov os reflexos a que chamou condicionados, ou condicionais, como método fundamental na experimentação psicológica: “O estudo dos reflexos condicionados constitui a real, verdadeira fisiologia dos hemisférios cerebrais, como o estudo da circulação sanguínea constituem a fisiologia do coração e dos vasos sanguíneos.” É justamente nesta particularidade metodológica, em que a atividade cerebral é investigada no animal intacto e colocado em condições psicológicas precisas que reside, em nosso ver, a originalidade essencial da escola pavloviana. Os fenômenos em si mesmos concordam com os que se consideram – sob terminologia diversa – em outras escolas psicológicas.
Dos atos atinentes à manutenção do indivíduo e da espécie, os quais por um lado exigem “completa síntese da atividade interna do organismo…e por outro lado são excitados de modo estereotipado por estímulos externos e internos precisos e não numerosos” diz Pavlov: “Denominamo-los reflexos incondicionais especiais e complexos. Outros lhes atribuem nomes vários: instintos, tendências, inclinações etc. Aos estímulos para tais atos chamamos, por conseguinte, estímulos incondicionados”. (“- Psiquiatria Geral”) Mas qualquer fenômeno natural inteiramente alheio a essa atividade instintiva pode associar-se, ao acaso ou deliberadamente, ao ato – por exemplo, o de comer. “Dessa forma, quando o centro subcortical para o reflexo alimentar se excita, todos os outros estímulos que atingem simultaneamente os mais finos receptores dos hemisférios parecem visar este centro, direta ou indiretamente, e com ele podem tornar-se firmemente ligados todos os estímulos que nesse momento caiam sobre os mais delicados receptores dos hemisférios cerebrais. (“- Psiquiatria Geral”) Ocorre, então, o que chamamos reflexos condicionais, isto é, o organismo responde com atividade complexa bem definida a uma excitação …à qual não responderia previamente”. Tanto os reflexos condicionais quanto os incondicionados podem estabelecer-se como seriados ou como complexos e ser, quanto à dinâmica, ora eficientes, ora inibidores. Da mesma forma que esses conceitos, os de dominantes condicionais, de analisadores sensoriais, de atividade cortical criadora, conservadora ou transformadora, de fase paradoxal, de inibição transmarginal, podem reconhecer-se, como dissemos, em graus diversos, em outras correntes doutrinárias. Porém Pavlov os articula em sistema essencialmente dinâmico; e os entrosa de modo a ligar estreitamente a psicologia e a fisiologia – de forma que “se realiza o método natural e inevitável de pesquisa e se fundem finalmente a psicologia e a fisiologia, o subjetivo e o objetivo – a verdadeira questão que há tanto tempo inquietava o pensamento humano.”
Esses vários dinamismos funcionais se estabelecem hierarquicamente tanto em relação à espécie como no decorrer da evolução individual. Nesse sentido evolutivo, diz Frolov, “a primeira dessas formações é o sistema dos centros ou gânglios subcorticais, os mais próximos adjacentes ao córtex cerebral. Esta é a região dos reflexos ou instintos incondicionais – que em terminologia psicológica se denomina também região da emoção e dos desejos”. “Sobre este sistema e baseado nele se acha o segundo, constituído pelos centros de reflexos temporários ou condicionados. Como ressalta de tudo quanto dissemos antes, este sistema representado pelos sistemas neuronais da substância cinzenta dos hemisférios cerebrais – tem a vantagem de assegurar uma orientação consideravelmente mais ampla do organismo e de ligar-lhe a atividade – através dos sentidos ou órgãos receptores – com todos os fenômenos do mundo exterior.” “Nos animais, esta região superior do córtex representa uma projeção imediata do mundo exterior e é um conjunto de analisadores. No caso do cérebro humano, não obstante, durante o processo de desenvolvimento e durante a aquisição da linguagem e a conquista do trabalho instrumental, aparece outra estrutura fisiológica, quer dizer – um órgão que se forma com base no supramencionado sistema, que sintetiza e generaliza a atividade das projeções imediatas e que se substrato material para nova capacidade, de origem mais recente: a capacidade de abstração”. Para Pavlov, desejamos acrescentar aqui, a sede deste terceiro sistema se encontra na região frontal do córtex.
Porém, o imortal pesquisador foi além, nessa concepção dos sistemas de contato com a realidade exterior. Focaliza de modo extraordinariamente preciso problemas psicológicos que só encontramos tratados com essa profundidade na escola positivista. Referimo-nos à função da linguagem como fator de abstração e a instituição da palavra articulada e do sinal como recurso e como consequência deste dinamismo psicológico. “O mundo animal em evolução – dizia em 1935 – adquiriu ao atingir a fase do homem um suplemento excepcional ao mecanismo da atividade nervosa. Para o animal, a realidade é assinalada quase exclusivamente pelos meros estímulos – e os traços que estes deixam nos hemisférios cerebrais – carreando diretamente para as células especiais dos receptores do organismo, visual, auditivo e outros. É isso o que igualmente possuímos, sob forma de impressões, sensações e concepções a respeito do ambiente, seja natural e genérico, seja o social, com exceção das palavras – audíveis e visíveis. Esse primeiro sistema de assinalagem da realidade é o mesmo no nosso caso e no caso dos animais. Mas a palavra constitui um segundo sistema de assinalagem da realidade, o qual é peculiar a nós somente, erigindo-se em sinal dos sinais primários”. E acrescenta: “Contudo, é fora de dúvida que as leis essenciais que regem o desempenho do primeiro sistema de sinais necessariamente regulam também o segundo, porque se trata de trabalho efetuado pelo mesmo tecido nervoso.” E em outra conferência, ainda com relação à linguagem: “Finalmente aconteceu que mediante estes novos sinais eram designados tudo quanto o ser humano percebia no ambiente e no seu mundo inteiro e semelhantes sinais começaram a servir-lhe não apenas para comunicar-se com outrem, mas também quando estava a sós”. E acentua a preponderância da primeira ordem de sinais, ou seja – de imagens, nos artistas; ao passo que nos pensadores é a segunda categoria de sinais, os derivados das imagens através da linguagem, que prevalece. Igualmente analisa a diversa participação de cada um desses sistemas na estrutura psicológica de grupos étnicos distintos.
Por outro lado, a correlação temporal entre aparecimento da linguagem e maturação funcional do córtex frontal, seja em sentido filogenético, seja na evolução do ser humano, permite adequadamente a Pavlov reconhecer a participação da palavra no processo mental de abstração.
O MOMENTO CONTEMPORÂNEO
Chegamos assim à fase contemporânea da psicologia fisiológica, fundamentada em conhecimentos precisos e exaustivos da estrutura cerebral e ao mesmo tempo norteada por noções positivas, dinâmicas, despidas de cogitações metafísicas e de limitações preconcebidas. Psicologia eminentemente viva, que recorre à experimentação animal – finalmente diferenciada – à embriologia, à arquitetônica cerebral comparada, aos fatos anátomo-clínicos rigorosamente investigados e, com esses ensinamentos institui o termo de comparação para a vida subjetiva. (“- Psiquiatria Geral”) E que a esta última encara sob os multiformes aspectos, quer conscientes, quer alheios à alçada da consciência, não fragmentários, mas integrados em sistemas cujo desempenho normal deve ser harmônico.
Como veremos dentre em pouco, tal concepção constitui a zona de confluência entre a orientação introspectiva da psicologia – gradativamente libertada da tutela metafísica – a escola objetivista da investigação cerebral e a doutrina filosófica, enciclopédica, das funções cerebrais, elaborada sucessivamente por Gall, Broussais, Blainville e Comte. “Realmente, julgamos lícito filiar àquelas três orientações doutrinárias os campos que hoje integram a psicologia fisiológica.” (“- Psiquiatria Geral”) Da escola da introspecção emergiu o cabedal mais precioso da psicologia contemporânea, os fatos extraconscientes: o principal sistema atual para os investigar, o psicoanalítico, assenta em fatos objetivos, é certo, porém reconstituídos através do mundo subjetivo do analisando. Cabem no âmbito das pesquisas objetivistas as aquisições da experimentação animal, inclusive a dos reflexos condicionais, a anatomia comparada do sistema nervoso, a neurofisiologia contemporânea, em parte os estudos anátomo-clínicos. Finalmente, os principais conhecimentos anátomo-clínicos, as deduções mais fecundas da anatomia fina do cérebro – como as de Brodmann particularmente, os sistemas melhor estruturados da chamada “patologia cerebral” – tais como os de Meynert, de Wernicke, de Kleist, utilizam em vários graus os princípios sistematizados Poe aquela terceira corrente filosófica, há pouco mencionada. Eles representam assim o aspecto convergente, comum a todos esses tipos de pesquisar.
Procuramos sintetizar, a seguir, tais postulados de natureza filosófica, pois que presidem eles à feitura do presente capítulo:
- No domínio cerebral, como nos demais setores do organismo, existe íntima correlação ente o plano funcional e o plano estrutural: no caso, funções neuropsíquicas e organização anatômica do encéfalo;
- A cada função psíquica simples corresponde necessariamente um órgão cerebral distinto;
- A identificação prévia da função psíquica é indispensável à pesquisa do órgão correspondente, da mesma forma que a estática se depreende da dinâmica;
- Tanto no plano dinâmico quanto no plano estrutural a pesquisa só se torna eficaz quando procede do complexo para o simples ou do todo para as partes;
- A estrutura e as correlações anatômicas dos órgãos cerebrais permitem compreender-lhes as funções psíquicas, porém estas obedecem a leis próprias e não são redutíveis a fenômenos de outra qualquer categoria, nem mesmo aos fisiológicos.
Seria longo e ultrapassaria o âmbito deste apanhado discutir esses vários itens ou mostrar de que modo se urdiram no decorrer das investigações psicofisiológicas. Somente os evocamos para tornar compreensível o encadeamento das considerações seguintes.
PARALELO DINÂMICO-ESTRUTURAL COMPARADO
Duas ordens de estudos evidenciam claramente a correspondência entre o nível psicológico da personalidade e o nível de organização anatômica do sistema nervoso. Por outro lado, a anatomia comparada dos elementos nervosos na série zoológica e a evolução embriológica desses mesmos elementos em cada tipo da série, particularmente no homem, demonstra que a integração estrutural do sistema nervoso processa segundo princípios gerais bem definidos. Por outro, a chamada psicologia animal comparada e a psicologia evolutiva humana permitem estabelecer os princípios gerais que presidem a maturação psíquica tanto em sentido filogenético quanto no decorrer da própria ontogênese. Confrontadas entre si essas duas séries de princípios básicos, as de ordem anatômica e as de sentido dinâmico, daí resulta como aquisição positiva o paralelo psicofisiológico. Vejamos em traços muito genéricos os elementos de comparação.
Estrutura comparada do sistema nervoso – Nos termos inferiores da série zoológica nada existe de comparável ao sistema nervoso propriamente dito. Entretanto, a partir dos celenterados – dos tipos mais evoluídos dos espongiários – ocorre a reunião de células especiais em gânglios, dos quais partem filetes que vão a periferia: aparece aí, portanto, o esboço de organização neuronal. Nos radiários se inicia a subdivisão de gânglios nervosos ao nível do esôfago e surgem conexões interganglionares, o que constitui um anel periesofagiano; ademais, o gânglio supraesofagiano se torna mais volumoso que o ventral. Em sucessivos graus da escala, desde os anelídeos, os gânglios ventrais, uma para cada metâmero, se ligam em série por meio de filetes, estruturando-se assim uma dupla cadeia ventral. Ao atingir-se o nível dos artrópodes esse complexo neuronal representa já um esboço seguro de sistema nervoso: não só a cadeia ganglionar ventral é duplamente ligada ao gânglio encefálico, como esse se avoluma e denota predomínio de funções. (“- Psiquiatria Geral”) Delineia-se aí, como frisa Gegenbaur, a correlação funcional entre gânglio nervoso e órgão sensorial periférico, por isso que àquele gânglio vão ter as conexões com as antenas – órgão táctil – e com os órgãos visuais. Entretanto, é só no domínio dos vertebrados que as estruturas nervosas se dispõem em sistema na acepção verdadeira. Aqui, os elementos nervosos se agrupam de maneira tão específica e progridem tão amplamente de classe que o sistema nervoso constitui certamente o caráter distintivo fundamental nessa divisão zoológica.
Vejamos também rapidamente os diversos tipos evolutivos. “Como traço peculiar a todas as classes vertebradas, o sistema nervoso central abrange duas porções principais, abrigadas respectivamente na coluna dorsal e no crânio: a medula espinhal e o encéfalo.” (“- Psiquiatria Geral”) Este se compõe, no tipo adulto, o cérebro posterior, o cérebro médio e o cérebro anterior. Mostram-no na figura 1, esquemas de Huxley que tomamos, simplificando-os, de Beaunis.
De como se originam e como envolvem no mesmo indivíduo os vários segmentos encefálicos, diremos adiante: por ora só mencionaremos os traços evolutivos comparados. Assim, nos peixes o cérebro posterior (cerebelo) e o cérebro médio (lobo óptico) predominam largamente e o cérebro anterior aparece minúsculo. Este último se desenvolve proporcionalmente muito mais, nos anfíbios, do que os demais segmentos; além disso, das duas partes que o compõe – manto cortical e núcleo estriado – a primeira já sobrepuja à outra em volume, o que não acontece no termo zoológico antecedente. Ao nível dos répteis ocorrem importantes modificações: no cérebro anterior, o manto cortical se avantaja ao passo que o septo se limita em extensão, e ao mesmo tempo novas zonas se acrescem ao estriado, o qual fica assim subdividido em paleoestriado e neo estriado; no cérebro posterior o cerebelo aparece, segundo Ingvar e Kappers, dividido em três segmentos, posterior, médio e anterior, neste já identificável o flóculo em estado rudimentar. É ainda o cerebelo que vai assumir maior complexidade na classe das aves: aqueles três segmentos se subdividem, e se enriquecem ao mesmo tempo as vias de ligação para com as demais porções encefálicas. Finalmente, nos mamíferos duas características comuns a toda as ordens assinalam o progresso fundamental na organização do sistema nervoso: no cérebro posterior aparecem novas estruturas cerebelares – o neocerebelo, isto é, os lobos cerebelares; no cérebro anterior, as estruturas se avolumam de tal forma que constituem dois hemisférios cerebrais propriamente ditos, de cuja ligação mútua resulta o aparecimento de nova via comissural, o corpo caloso. O cérebro e o cerebelo constituem, portanto, nos mamíferos, as estruturas encefálicas dominantes, quer pelo volume, quer pela primazia funcional.
Nem em todas as ordens de mamíferos o manto cerebral se comporta da mesma forma; todavia, desde os primeiros tipos ele representa aquisição real-neopálio, em adição ao olfativo ou arquipálio, existente até a classe das aves. Desprovido de circunvoluções, isto é, lisencefálico, nos tipos de mamíferos inferiores e em alguns mais altamente situados, torna-se pregueado – girencefálico desde os carnívoros, assumindo o máximo de complexidade morfológica nos primatas, especialmente antropóides. O pregueamento, correlato à divisão funcional do manto cortical, tem início nos marsupiais superiores, com o aparecimento do sulco cruzado; ao nível dos carnívoros já se acha diferenciada a zona silviana, ao mesmo tempo que porções situadas posteriormente ao sulco cruzado mostram diversos giros, e que aparece o sulco Silviano, ao mesmo passo que o sulco central e o arqueado assumem posição definida e que neopálio oculta por completo o arquipálio; no homem, finalmente, as circunvoluções atingem o máximo de plenitude. No córtex humano surgem zonas funcionais específicas, isto é, peculiares ao tipo evolutivo; ao mesmo tempo, a disposição dos diferentes giros revela muito maior variação individual, que se faz sentir também na extensão dos campos arquitetônicos.
Dinamismo comparado do sistema nervoso – A essa diferença progressiva das estruturas nervosas na série animal corresponde a variação no modo de reagir perante os estímulos ambienciais, peculiar aos vários tipos zoológicos. Não é oportuno entrar agora neste domínio, o da chamada psicologia animal, que será discutida em outro capítulo. Vêm a ponto somente algumas notas genéricas, a fim de salientar a correlação dinâmico-estrutural para, como dissemos, constitui o substrato da hodierna psicologia fisiológica.
Nos termos ínfimos da série não existe, evidentemente, reação neural: os processos aí são meramente vegetativos, subordinados à irritabilidade, e servem quase exclusivamente à nutrição. O advento de gânglios nervosos torna possível a reatividade reflexa: rudimentar e global a princípio, começa esta a se diferenciar e distribuir-se por metâmeros desde que surge a cadeia ganglionar segmentar. Com o aperfeiçoamento do aparelho nervoso, nos artrópodes, qual a individualização do gânglio cefálico, ocorrem novos tipos de integração: (a) no contato sensorial com o ambiente já se esboçam pelo menos o tacto em sentido estrito, a musculação e a visão; (b) a motilidade, quer espontânea, quer reflexa traduz certa elaboração do estímulo; (c) é possível obter-se a liberação motora sob forma de convulsão provocada – como demonstrou Noriega experimentalmente.
Ao aparecimento do cerebelo, com os vertebrados, corresponde a subordinação da necessidade nutritiva às funções instintivas na vida de relação, as quais se exprimem, no início da série, pela atividade sexual.
Paralelamente, na motilidade, o equilíbrio estático se subordina à orientação e à locomoção – sob diversas modalidades -, como também se diferenciam no córtex zonas prepostas às funções sensoriais: nos vertebrados lisencefálicos podem reconhecer-se zonas destinadas ao tacto em geral, à musculação, à olfação e à visão. Mesmo nas classes iniciais dos vertebrados a procriação, a seu turno, pode submeter-se a impulsos mais diferenciados – os do instinto materno, ao que nos mostram verificações de Savaya. Observações e experiências desse autor evidenciam a proteção para com a prole em peixes de toca e em aves. Em níveis subsequentes, os dos carnívoros, os impulsos sexuais aparecem mais adaptados e gradativamente sujeitos à vida gregária; por outro lado, toma vulto no dinamismo cortical a zona preposta à audição, que corresponde aos giros silvianos nesse termo da escala. Subsequentes aperfeiçoamentos, nos primatas, levarão o indivíduo à construtividade, ao contato subjetivo para com o meio, à imitação, ao aprendizado no sentido de experiência espontânea e de domesticação. Simultaneamente à mais completa discriminação, no córtex cerebral, da sensibilidade táctil e proprioceptiva, intervém a tendência para agir sobre o ambiente, para a utilização de aparelhos, para a marcha ereta e para a construtividade. Enfim, no homem, as características fundamentais – correlatas ao exuberante desenvolvimento das circunvoluções cerebrais – giram em torno da marcha ereta e da utilização de engenhos por um lado; por outro, da sociabilidade como função subjetiva diretriz na autodeterminação, da previsão, da simbolização e do recurso à linguagem articulada. No próprio indivíduo humano a diferenciação da estrutura cerebral, na acepção de maturação, se traduz, no plano subjetivo, em condições normais, pela subordinação progressiva ao ambiente social.
CORRELAÇÃO PSICOFISIOLÓGICA NO HOMEM
Desenvolvimento do sistema nervoso – Essa variação progressiva e paralela, dinâmico-estrutural pode apreciar-se também na organização nervosa do indivíduo. Vejamos rapidamente o que se passa no tipo humano – que é o que interessa no momento – e iniciemos a revisão pela estrutura. Naturalmente não cabem aqui pormenores, que serão encontrados nos manuais de embriologia.
Transformada em tubo a goteira neural, fica o sistema nervoso do embrião humano dividido logo em duas porções: uma visiculiforme, anterior, à qual se segue um prolongamento tubular – a futura medula espinhal. O inflamento anterior compreende a princípio três vesículas cerebrais: anterior (prosencéfalo), média (mesencéfalo) e posterior (rombencéfalo), como se verifica na figura 2, tomada de Hochstetter. (“- Psiquiatria Geral”)
Logo a seguir, a primeira e a terceira se bipartem respectivamente em telencéfalo-diencéfalo (segmentos 1-3 na figura 2) e metencéfalo-mielencéfalo (6-7, figura 2); o mesencéfalo (4, figura2) conserva-se unitário. Em cada uma destas cinco vesículas secundárias a parede se diferenciará rapidamente, surgindo assim as estruturas reconhecíveis dede o fim do período fetal.
Semelhante diferenciação não se processa, porém, de maneira uniforme nem simultânea. Por isso, as estruturas que daí resultam representam níveis distintos de integração, embora pareçam equivalentes pelo fato de se encontrarem situadas na mesma sede anatômica geral quando examinadas no exemplo a termo. Até o quarto mês do período fetal o prosencéfalo ainda se acha em estado rudimentar, ao passo que as estruturas das últimas vesículas se reconhecem claramente. No 5. ° mês o principal elemento do diencéfalo – o tálamo óptico – já exibe a forma definitiva, ao passo que o manto cortical é ainda rudimentar e o estriado se mostra mal diferenciado e em situação periférica. Dentro desse período são, portanto, acentuadas as analogias para o sistema nervoso adulto nos tipos vertebrados inframamíferos.
Para tornar mais claras essas particularidades genético-evolutivas apresentamos no Quadro I as diferentes segmentações.
No homem, caso particular dos primatas, o desenvolvimento telencefálico se faz rapidamente e em vários sentidos, desde o início da fase fetal. A vesícula – até então dotada de ampla cavidade – tem as paredes formadas pelo arquipálio, pelo neopálio, praticamente equivalentes em extensão, e pelo estriado, o qual já se encontra subdividido em paleoestriado e neoestriado. A superfície externa dessa vesícula telencefálica mostra-se ainda lisa, tal como ocorre nos termos inferiores da classe. Logo, porém, se processam profundas modificações morfológicas e estruturais: o neocórtex se amplia de tal forma que passa a recobrir as demais estruturas, enquanto na norma dorsal se escava o sulco longitudinal, cujo aprofundamento determina a divisão do telencéfalo em dois hemisférios; os elementos celulares do neocórtex multiplicam-se profusamente e as fibras que deles emanam – constituindo o centro oval – vão em parte dar origem ao corpo caloso, ligação entre os pontos homólogos de ambos hemisférios, em parte estabelecer as vias associativas aferentes e eferentes e as vias de projeção. A primitiva cavidade ampla e única, fica então reduzida ao sistema ventricular, escavado na grande massa fibrosa (substância branca) que representa a maior parte dos hemisférios cerebrais e é circundada pelo manto cortical (substância cinzenta); nesta mesma substância branca ficam encravados os diversos núcleos cinzentos. A figura 3, original de Krieg, representa, de modo esquemático, a disposição relativa dessas diferentes estruturas.
O extraordinário desenvolvimento do manto cortical, em contraste com a capacidade reduzida do continente craniano, é o que faz no consenso unânime – com que o primeiro se apresente cheio de dobras – circunvoluções – separadas por sulcos de diferentes profundidades e de significação evolutiva diversa.
A ordem de aparecimento destes acidentes corticais obedece ao princípio da maturação diferencial das distintas regiões corticais, conforme se apreende claramente da belíssima coleção de 39 cérebros de fetos e neonatos em que Fontes estuda a morfologia do córtex cerebral, escolhendo-os entre 250 exemplares da coleção pessoal. Na terminologia portuguesa, os sulcos, consoante a profundidade se distingue em regos, sulcos e cesuras. O mais importante e caracteristicamente humano é o rego de Silvio, o qual se esboça no final do 1.° mês embrionário com ampla fossa, cujos bordos se vão gradativamente aproximando e após o 4.° mês já se tocam: a importância dessa região, como adiante lembraremos, advém de que aí se estabelecem as áreas corticais de cujo conjunto resulta a efetivação dos dinamismos da linguagem articulada, da compreensão através da esfera auditiva e das imagens motoras; ao sílvico seguem-se o rego calcarino (3.° mês) e o sulco-parieto-occipital (4.° mês), sitos na face interna do lobo occipital e ambos ligados morfogeneticamente, aos mecanismos mais profundos da apreensão visual; em seguida, novamente na superfície cerebral externa, se constitui o rego de Rolando: ao 5.° mês, segundo Fontes, que o considera “sulco cortical e por isso mesmo de aparecimento mais tardio”, embora já possa ser evidenciado ao 4.° mês como se verifica nos exemplares de Aranovich; no 8.° mês está definido o sulco occipital superior e no 9.°mês aparecem todos os demais sulcos e as cesuras, peculiares à espécie.
No feto a termo se reconhecem, pois, todas as características morfológicas definitivas do cérebro adulto. A maturação funcional, entretanto, não se acha terminada. As pesquisas de Flechsig demonstraram que algumas zonas do córtex cerebral estão mielinizadas no recém-nascido, ao passo que outras se mielinizam no decorrer do 1. ° mês de vida extrauterina e outras ainda completam tal processo entre o 2. ° e o 5. ° mês. Semelhante diferenciação não se distribui ao acaso pelo manto cortical: as áreas correspondentes denotam tipo estrutural específico, segundo adiante lembraremos.
Evolução funcional do indivíduo humano – Não entraremos aqui em questões de psicologia evolutiva humana propriamente, que serão focalizadas em outros capítulos. Veremos tão só alguns aspectos de maturação funcional do sistema nervoso humano, os quais exprimem as diferentes fases de organização da estrutura.
É possível observar-se motilidade fetal desde o 2. ° mês: são, todavia, movimentos deflexos, ou reflexos rudimentares, sobremodo lentos em que prevalece o caráter tônico. A partir do quarto mês, tornam-se mais acentuados, ainda sob predomínio da fase tônica, porém já gradativamente dotados de componente rápido, como é sabido. Por ocasião do nascimento a movimentação do feto deve reconhecer-se como ativa e não meramente passiva, embora também de origem reflexa. Semelhante exteriorização motora não depende dos dinamismos corticais, pois que fetos anencefálicos também a exibem.
Logo após o nascimento começam a delinear-se as funções de relação para com o ambiente e em primeiro lugar as que mais diretamente servem à necessidade de nutrição. Assim é que o olfato e o paladar se manifestam desde o primeiro dia (Lhermitte); da mesma forma, as sensações viscerais determinam reações mímicas intensas, ao passo que a sensibilidade táctil e muscular só no decorrer dos primeiros meses é que vão influindo sobre o indivíduo. Igualmente no setor da audição e da visão, os estímulos atingem à fase de reconhecimento apenas por volta do quarto mês. Por essa época, já maduras as esferas sensoriais, inclusive as componentes do tacto, a criança começa a interessar-se pelo ambiente e a distingui-lo de si própria.
Inicia-se, então, a noção tridimensional do espaço, expressa pelo empenho de apanhar objetos ou seres que lhe caem no campo visual. A regência da motilidade pelo cerebelo vai-se afirmando na coordenação dos gestos e da estática, bem como na estabilização dos segmentos (manter a cabeça, o tronco).
As relações para com o ambiente passam a ser mais ativas, o que é traduzido nos deslocamentos de lugar, primeiramente pelo rastejamento, depois pela marcha cerebelar, isto é, a quatro membros. Simultaneamente, a mímica passa de expressiva a imitativa, denotando assim a identificação entre imagens visuais, cenestésicas e motoras. A compreensão de sons e de frases, já completa em geral, se acresce por essa época a articulação intencional de fonemas.
Dois novos fenômenos assinalam daí por diante, progresso decisivo na dinâmica cerebral. Por um lado, a seleção da atitude ereta não só na estática, mas também para a marcha revela que o lobo frontal do cérebro assumiu a regência para com o nível cerebelar. Por outro lado, a preferência pela palavra articulada como recurso expressivo e a especialização motora de um dos membros superiores atestam a prevalência de um dos hemisférios cerebrais na atividade psíquica. Daí por diante, como se conclui da experiência clínica, o cerebelo regerá os fenômenos neurológicos básicos ao passo que o hemisfério cerebral subordinado assumira os processos neurológicos diferenciados e o hemisfério dominante desempenhará as atribuições psíquicas por excelência.
Vemos assim que no indivíduo humano, como na série vertebrada, a evolução do sistema nervoso se traduz pela “migração” gradativa da regência funcional através de estruturas cada vez mais complexas e mais dependentes: do aparelho segmentar para o sistema paleocerebelar, deste para o sistema neocerebelar, daí para a zona cortical peri-silviana, para o córtex do lobo frontal e, finalmento do córtex frontal subordinado para o córtex frontal do hemisfério dominante. É o mesmo processo que se exprime, em diferentes concepções de morfogênese diferencial, sob os termos de “cerebração progressiva” (von Economo), de “telencefalização” (Tilney e Riley), de “corticalização funcional” (Dusser de Barenne).
No homem o correlato subjetivo desse fenômeno consiste na divisão harmônica de funções. É esta que possibilita a ação construtiva sobre o ambiente físico e social, mesmo remoto no tempo, calcada na continuidade, na simbolização e na previsão e inspirada na sociabilidade.
ESTADO ATUAL DAS LOCALIZAÇÕES CEREBRAIS
As considerações acima conduzem a um dos aspectos mais controvertidos e, de modo geral, mais deficientemente compreendidos da fisiologia cerebral: a localização de funções. Entretanto, semelhante problema constitui o tema central e fundamental da chamada psicologia fisiológica. Embora não entremos em pormenores, que ultrapassariam os limites pré-impostos pela natureza deste volume, cumpre focalizar os trâmites evolutivos da questão, os característicos atuais dela e algumas das principais aplicações no domínio médico.
Tal exposição, por sua vez, requer algumas referências a estruturas do encéfalo, o que também faremos de modo sumário.
O encéfalo humano adulto – No homem as estruturas provenientes dos segmentos encefálicos anterior, médio e posterior – sumariadas no Quadro I – diferem largamente quanto à importância funcional e ao espaço que ocupam na caixa craniana. (“- Psiquiatria Geral”)
O cérebro, resultante do telencéfalo e do diencéfalo, toma quase todo o espaço endocraniano; o cerebelo e os elementos correlatos preenchem a maior parte da fossa posterior e as estruturas mesencefálicas assumem proporções ínfimas. Recordaremos em traços muito breves as principais divisões topográfico-funcionais do cerebelo e do cérebro, apenas como base para as considerações psicológicas adiante expendidas.
O cerebelo é revestido externamente, como o cérebro, pela substância cinzenta em que as células nervosas se dispõem em várias camadas; a substância branca – fibras aferentes e eferentes – constitui a lâmina medular; núcleos cinzentos acham-se imersos na substância branca principal, corresponde aos hemisférios cerebelares.
A embriologia e a anatomia comparada permite dividi-lo topograficamente em dois órgãos; o paleocerebelo, representado pelo lobo posterior (flóculo e nódulo), pelo lobo anterior e pela parte espinhal do lobo médio; e o neocerebelo, constituído pela quase totalidade do lobo médio (ansoparamediano), isto é, hemisférios cerebelares propriamente ditos. (“- Psiquiatria Geral”) A experimentação e a clínica ratificam tal divisão. Dos três pares de pedúnculos cerebelares, o inferior e o médio representam vias centrípetas, sendo que o primeiro conduz ao paleocerebelo e o segundo às zonas neocerebelares; os pedúnculos superior (braço conjuntivo) englobam as vias centrífugas que emergem do neocerebelo e do paleocerebelo. (“- Psiquiatria Geral”)
O cérebro oferece estrutura muito complexa. Os dois hemisférios, simétricos quanto à morfologia e à estrutura fina, comportam-se como duas unidades fartamente ligadas entre si pelas fibras do corpo caloso, principalmente. Cada um abriga três grupos de estruturas ontogeneticamente distintos: (1) o conjunto neocórtex-neoestriado, paleocortex-paleoestriado, (2) o conjunto dos núcleos cinzentos sensoriais e (3) o conjunto de elementos neurovegetativos: hipotálamo e estruturas anexas.
Os estudos sobre o arranjo celular do córtex cerebral – Brodmann, Campbell, vonEconomo e Koskinas, mostraram que este se compõe de seis camadas bem diferenciadas em quase toda a superfície do cérebro humano (neocórtex); as variações regionais dessas camadas, projetadas sobre a superfície externa, permitiram levantar “mapas topográficos” característicos de cada espécie. (“- Psiquiatria Geral”) A diversidade estrutural desses campos ou áreas citoarquitetônicas corresponde à diversidade funcional das diversas zonas do manto cerebral. Examinado o córtex quanto às fibras mielínicas que emanam das células nervosas ou que a elas conduzem, verifica-se a existência de variações quantitativas e qualitativas concordantes com aquelas variações topográficas: é a distribuição quanto à mieloarquitetonia (Mauss, Vogt). Tanto pelo arranjo celular quanto pela disposição das fibras mielínicas se evidencia que certos campos individuais oferecem alguns caracteres em comum, o que permite agrupá-los em tipos regionais. Assim, Brodmann distribui em 11 regiões os 52 campos estruturais que individualizou: 6 na face externa e em parte na face interna do hemisfério, 4 na face interna exclusivamente e 1 na região frontal da ínsula. Von Economo, que identificou 109 campos corticais em vez de 52, os reúne em 7 regiões, quase as mesmas de Brodmann: frontal, parietal, insular, occipital, temporal, límbica e hipocâmpica; estas duas últimas representam o paleocórtex humano, o qual se reduz a apenas um dozeavos da superfície total, segundo cálculo de von Economo.
Tais regiões estruturais não correspondem de modo exato aos lobos cerebrais da anatomia macroscópica, da mesma forma que os campos estruturais não coincidem com os limites das circunvoluções. É que num caso se trata de unidades funcionais do córtex, noutro apenas de aparência exterior. Cumpre notar que desta falta de correspondência discordam as pesquisas recentes de Sanides. Empregando novas técnicas para coloração combinada, de células e fibras, Sanides mostrou que os campos se separam ao nível do fundo dos giros. Há, pois, correspondência entre limites girais e limites areais, na nova carta arquitetônica. Abstemo-nos de comentar esses dados, pois não o comporta a extensão de um capítulo.
Com as variações de estrutura do manto cortical concorda, em fundamento, a diversidade na época de mielinização. Tomando para termo de comparação, não o critério de centros associativos e centros de projeção como fazem os autores em geral, mas a distribuição dos tipos estruturais dos campos, como fizemos, verifica-se que a carta mielogenética de Flechsig corresponde à realidade clínica. “Flechsig evidenciou o seguinte processo de maturação no córtex humano:” (“- Psiquiatria Geral”)
- algumas áreas apresentam fibras mielinizadas por ocasião do nascimento e, por isso, as denominou prematuras;
- outras iniciam a mielinização na 6.ª semana – intermediárias; e
- outras não a iniciam antes do 2. ° mês – pós maturas.
O conjunto desses campos mielogenéticos individuais compõem territórios mielogenéticos primordiais (ou prematuros), intermediários e terminais (ou, pós-maturas). Os primeiros correspondem a campos sensoriais especializados – visual, auditivo, olfativo, gustativo – e os do tacto; os demais se distribuem pelo córtex occipital, parietal, temporal e frontal, o que a nosso ver, exprime a sistematização de funções, como logo lembraremos.
A substância branca dos hemisférios cerebrais, como há pouco dissemos, encerra fibras nervosas de vários grupos e em diversas direções:
- Feixes e vias longas de associação, que ligam áreas distintas do mesmo hemisfério;
- Vias aferentes e eferentes que decorrem entre porções específicas do manto cerebral e núcleos cinzentos determinados, sensoriais;
- Vias de projeção da zona motora piramidal para a ponte cerebral e da zona extrapiramidal para núcleos motores;
- Vias cérebro-cerebelares aferentes e eferentes;
- Vias comissurais, especialmente o corpo caloso; em pequena proporção,
- Fibras que ligam núcleos hipotalâmicos a outras estruturas e entre si.
Foi certamente o conhecimento da dinâmica cerebral efetuada através desses grupos de fibras o que permitiu chegar-se à fase atual, já bem positiva, dos estudos localizatórios do cérebro.
Evolução do conceito de localizações cerebrais – Deve-se a Gall (1758-1828) a demonstração com dados fisiológicos e anatômicos precisos de que o córtex cerebral representa um conjunto de órgãos individuais e de que tais órgãos podem ser identificados pela sede e pela função específica. Combateu energicamente a doutrina médica mais adiantada do tempo – a de que os atributos intelectuais fossem apanágio do cérebro e que as afeições tivessem por sede as vísceras – opinião essa endossada por Bichat, Cabanis, Richerand. Todas as funções psíquicas, afetivas, conativas e intelectuais, sustentou o grande fisiologista de Viena, resultam do funcionamento do cérebro. Ao mesmo tempo, utilizando a anatomia comparada estabeleceu que a organização psíquica não é privativa do homem. Investigando o domínio das funções psíquicas como expressão da fisiologia cerebral, foi ele, nesse sentido, o criador da psicologia fisiológica, embora tenha infundido à genial construção caráter filosófico, portanto muito mais amplo do que esse que o termo subentende. Essa profundidade mesma fez com a doutrina de Gall não fosse prontamente assimilada pelo pensamento da época e permitiu assim que produzisse resultado a campanha violenta e sem tréguas logo desencadeada contra a “frenologia”. Com a publicação das memoráveis “funções do cérebro” ficou solidamente fundamentada a doutrina das localizações cerebrais, que demonstrava a pluralidade de órgãos do córtex e que baseava as manifestações psíquicas na fisiologia do encéfalo. Paradoxalmente, porém, foi acoimada de fantasista e como tal desprezada pela escola objetivista. Em geral, os autores que a combatem revelam não haver lido Gall ou pelo menos não lhe haver apreendido a grandiosidade da construção. Contrataram com esses detratores as apreciações de Ackerknecht, de Berger, de Riese, de Temkin.
Com as experiências de Flourens, de Fritsch, de Hitzig, de Munk, de Nothnagel, de Schaeffer, o conceito de “localizações cerebrais” passou a ser o de centro cerebrais independentes, prepostos à sensibilidade em geral, à motilidade e às funções sensoriais especializadas. O lobo frontal se apresentava, diante desses investigadores, como “zona muda”. Mesmo os estudos anátomo-clínicos pareciam reforçar semelhantes concepção do “centrismo”, que se opôs à teoria fisiológica-filosófica do funcionamento cerebral. Por um lado, as investigações de Ferrier, de Hughlings-Jackson, de Munk, de Bianchi, de Sherrington, os estudos anátomo-clínicos, especialmente de Meynert e de Wernicke evidenciavam a especialização funcional das diversas zonas do cérebro e a cooperação entre elas para o trabalho psíquico em condições normais. Por outro lado, a topografia cerebral apreciada pelo aspecto da estrutura celular – Brodmann, Campbell, von Economo e Koskinas, quanto às fibras mielínicas – Mauss, Vogt, Flechsig, ou às conexões neuronais dinâmicas – Dusser de Barenne, constitui base anatômica segura para a moderna compreensão do dinamismo encefálico.
As localizações sob a luz atual – O que ruiu perante as aquisições objetivistas no domínio cerebral foi a concepção dos “centros autônomos” e não a das “localizações cerebrais”. Esta, ao contrário, se reforçou com as novas pesquisas e adquiriu mais amplas perspectivas no setor clínico. Assiste, pois, razão integral a Lhermitte: “Mas se não é defensável a ideias de centros depósitos de imagens, de palavras, de recordações, ou criadores de ideias, volições e sentimentos, isso não significa que a doutrina das localizações cerebrais esteja anacrônica, como parece que alguns supõem, e que o psicólogo necessite de libertar-se dela para dominar melhor a realidade moral dos fenômenos psicológicos. Ao contrário, tudo nos demonstra não apenas que todo fato de consciência é subentendido pela atividade nervosa, mas ainda que se não há no cérebro centros – no sentido estrito do termo – há regiões determinadas cujas modificações fisiológicas ou mórbidas se acompanham de repercussão precisa na esfera psicológica”.
Semelhante repercussão não só é precisa, mas também específica para cada região cerebral, conforme o demonstram a clínica e a experimentação. Neste último domínio o recurso técnico mais importante de todos os tempos foi sem dúvida o método da “neuronografia fisiológica” descoberta por Dusser de Barenne em 1910 e aperfeiçoado em colaboração com McCouloch, principalmente: consiste em aplicar estricnina a minúsculas porções de áreas corticais e registrar os efeitos fisiológicos obtidos à distância; desde 1934 o registro inclui também as variações de potencial bioelétrico (eletrocorticograma). Ficou demonstrado que a distribuição desses efeitos se faz segundo as conexões neuronais, e o “mapa neuronográfico” – já obtido em relação ao gato, ao macaco, ao chipanzé – veio confirmar a distribuição areal segundo a citoarquitetonia, a mieloarquitetonia e a mielogênese. (“- Psiquiatria Geral”) Ademais, a “neuronografia fisiológica” demonstrou que algumas áreas específicas, como veremos depois, acarretam em outras inibição funcional e não a hiperatividade. Acrescido esse remate dinâmico às “cartas cerebrais” e aos princípios da embriogênese e da evolução filogenética do sistema nervoso, de que fizemos menção, o conceito localizatório atual pode resumir-se com os seguintes traços principais:
- Em primeiro lugar, aqueles dados mostram que o encéfalo não consiste na justaposição de centros isolados, mas em verdadeiro sistema de órgãos. As analogias estruturais evidenciadas pela histologia fina documentam a realidade desses “sistemas celulares” como os postulava Audiffrent desde 1869.
- Em relação a qualquer sistema, e, portanto, a cada órgão componente, a atividade pode ser apreciada pelo aspecto vegetativo (anatômico), dinâmico (bioelétrico) ou funcional (neurológico e psíquico). Estes três níveis de integração correspondem de certa forma ao princípio da “corticalização” ou “telencefalização” na anatomia comparada. Assim quanto mais diferenciado o órgão em apreço – ou sistema – tanto mais acentuado o predomínio do nível psíquico sobre os demais.
- Isso vale dizer que entre os diversos sistemas funcionais, e especialmente entre os órgãos do mesmo sistema, a distribuição de funções se processa harmonicamente e de modo específico. Daí o conceito de hierarquia funcional, da qual decorrem tanto a regência de umas áreas para com outras do mesmo sistema, quanto a difusão orientada do estímulo através do sistema. A sede dos órgãos respectivos – determinada segundo critério ontogenético – permite prever em cada sistema qual a área que rege e qual a subordinada.
- Ademais, em ambos os hemisférios cerebrais e cerebelares os órgãos simétricos são estruturalmente homólogos, o que denota que os referidos sistemas são duplos: entre eles não só há hierarquia – no sentido antes referido – como solidariedade funcional; esta explica a alternância, no estado fisiológico, e a possibilidade de suplência em caso de lesão. Como substrato para essas três modalidades de correlações temos, no primata especialmente, as conexões transpedunculares, as intrahemisféricas e as transcalosas, respectivamente.
- O critério de integração funcional prevalece sobre o espacial: assim, órgãos situados na mesma zona anatômica – frontal, parietal, temporal, por exemplo – podem apresentar menos afinidade entre si do que para com as áreas distantes a cujo sistema pertencem.
- Analogicamente, o fator sucessão cronológica dos sintomas – clínicos ou experimentais – vale mais que a sede da lesão, para esclarecer quais os fenômenos primários e quais os acessórios.
- Finalmente, é imprescindível notá-lo, o que se localiza não é a função – psíquica, neurológica ou vegetativa – porém sim o órgão que a desempenha. Donde só se poderem identificar os órgãos correspondentes às funções elementares, como já reconhecia Brodmann.
Aplicações clínicas – Para mostrar como essa orientação das doutrinas localizatórias é fértil em resultados para a neurologia e para a psicopatologia, aludiremos rapidamente à grande obra de Kleist no domínio da patologia cerebral. Reunindo sólida orientação doutrinária a experiência pessoal coligida no decorrer de mais de 30 anos, o insigne patologista de Frankfurt am Main estabeleceu uma carta funcional que ao mesmo tempo corresponde aos dados na ontogênese cerebral, aos mapas arquitetônicos (Brodmann, Vogt, von Economo) e aos resultados anátomo-clínicos aprofundados.
Kleist divide o cérebro em 9 regiões primárias, fundamentais, de modo geral corresponde cada uma a uma esfera da personalidade: I, lobo occipital: esfera visual; II, lobo temporal: esfera auditiva; III, lobo centro-parietal: esfera táctil; IV, área subcentral: esfera gustativa; V, lobo frontal: esfera labiríntico-mioestética; VI, lobo orbitário e VII, cíngulo, retroesplênio: esfera cenestésica; VIII, lobo piriforme e IX, lobo amônico: esfera olfativa. Em cada esfera distingue, a seguir, zonas funcionais de três tipos – sensorial, motora, psíquica – as quais podem combinar-se formando zonas mistas psico-sensorial, psicomotora ou sensorial-motora. Essa distribuição é esquematizada nas figuras 4 e 5, reproduzidas de outro trabalho, nas quais simplificamos as pranchas V e VI de Kleist. Tais zonas não se disseminam de modo indiferente pelas diversas esferas: pelo contrário, em nosso modo de ver, o arranjo peculiar delas revela, por assim dizer, a hierarquia funcional da esfera subjetiva correspondente.
É de notar-se que apenas as esferas visual, cenestésica e olfativa – nos lobos occipital, cíngulo-orbitário e amônico-piriforme respectivamente – possuem exclusivamente zonas simples, dos três tipos; a gustativa contém tão somente uma zona mista, psico-sensorial; já nas esferas auditivas e táctil encontramos além dos três elementos básicos uma zona mista, respectivamente psico-sensorial e psico-motora; e, finalmente, no lobo frontal, esfera labiríntico-mioestética, aparecem todos os tipos mistos fundamentais. Revela notar que a distribuição das zonas de tipos simples, na superfície inter-hemisférica – figura 5 – estabelece continuidade, por esse aspecto, entre o córtex occipital, o cíngulo e a zona orbitária; e que essa faixa corresponde à grande via de áreas inibidoras que na documentação neuronográfica de Bailey, liga o lobo occipital e a convexidade cerebral ao polo fronto-orbitário.
A cada uma dessas zonas dentro das diferentes esferas, correspondem funções psíquicas e neurológicas cujos distúrbios se externam clinicamente através dos sintomas “localizatórios”. E foi observando a estes sintomas, com técnicas clínicas minuciosas, secundadas por exames anatômicos exaustivos, que Kleist chegou a identificar os transtornos fundamentais em cada caso e a filiá-los assim ao campo arquitetônico cerebral correspondente. (“- Psiquiatria Geral”) A análise magistral das dissociações funcionais induzidas pela patologia permitiu ao grande construtor da psiquiatria estabelecer as funções neuropsíquicas peculiares às diversas áreas corticais. Trabalhou nisso metodicamente e de modo infatigável durante quase sessenta anos: o último estudo, sobre “afasia sensorial e amusia”, apareceu a poucos meses da morte.
Em 1934 compendiava o material clínico – estudado pessoalmente como psiquiatra e também, durante a primeira guerra mundial, como neurocirurgião. Resultou daí a “Gehirnpathologie”, na qual “além de aproximadamente 300 pacientes com ferimentos do cérebro, dos quais 276 estudados por extenso, foram utilizados 106 com lesões cerebrais em foco”. (“- Psiquiatria Geral”) São desse tratado os mapas funcionais do córtex humano, cuja tradução apresentamos nas figuras 6 e 7.
“Seria impossível sumariar, mesmo em um capítulo inteiro, as concepções psicofisiológicas de Kleist; mas é mister aduzir alguns comentários sobre as localizações aí figuradas.” (“- Psiquiatria Geral”) Tais cartas não constituem, ao contrário do que pretende Freeman, um mosaico, porém um plano dinâmico das funções cerebrais, segundo procuraremos mostrar. Várias características desse plano funcional devem ser salientadas. Assim é, por exemplo, que na superfície medial do córtex e na zona orbitária aparecem funções psíquicas ligadas ao próprio corpo, à regência da individualidade e à submissão desta à sociabilidade: inovação estranha na época, mas hoje plenamente confirmada pela neurocirurgia. Além disso, as funções representadas em ambas as cartas crescem em complexidade e em dependência a partir do polo caudal para o rostral, da base para as porções mais altas do manto, da face medial para a convexidade. Por fim, o fato de Kleist admitir funções intelectuais fora do córtex frontal revela, a nosso ver, que reconhece aí zonas de regência para com este último e não que aquelas sejam sede de órgãos intelectuais: traduzem, em suma, a existência de sistemas córtico-corticais.
Quando encarada sob aspecto dinâmico e positivo a doutrina das localizações cerebrais corresponde à realidade clínica. Ela se tem revelado muito eficaz na interpretação de quadros clínicos da psiquiatria e na utilização de recursos semiológicos. Assim, tem sido possível não somente identificar as funções psíquicas atribuíveis a diferentes regiões anatômicas mesmo no âmbito do lobo frontal, mas além disso reconhecer – mediante os sintomas psiquiátricos – a progressão de alterações orgânicas através de sistemas neuronais do cérebro. E semelhante correlação anatômico-funcional, utilizável para a compreensão dos diferentes distúrbios psiquiátricos, veio a encontrar novas confirmações nos recentes estudos com a intervenção cirúrgica no cérebro criada por Egas Moniz e a que este eminente neuropsiquiatra denominou leucotomia. Esta consiste, como o nome indica, em pequena incisão na substância branca subjacente ao córtex e se executa na região pré-frontal. Pela extraordinária difusão que encontrou em todos os meios psiquiátricos e pelas modificações que acarreta ao quadro clínico, a leucotomia – como acentua Barahona Fernandes – “constitui não somente método terapêutico cuja utilidade para indicações determinadas se não poderia negar, mas, igualmente, importante instrumento de pesquisa”. (“- Psiquiatria Geral”)
Lembraremos apenas algumas das opiniões mais autorizadas que frisam essa correspondência psicofisiológica. São expressões de Barahona Fernandes: “O estudo psiquiátrico da leucotomia nos conduz assim novamente ao estudo do cérebro e de suas funções, consideradas bem entendido no conjunto, mas com estrutura muito precisa e que se não poderia desprezar”. E a seguir: “Já não é possível desconhecer os fatos anátomo fisiológicos na explicação dos fenômenos psíquicos, da mesma forma que se não pode deixar de integrar os fatos psicológicos no conjunto da personalidade”. Freeman, na revisão de mil pacientes leucotomizados, afirma: “De modo semelhante, as áreas da base do cérebro situadas anteriormente às que entendem com a sensação visceral e o movimento são prepostas, ao que parece, ao estabelecimento da consciência em nível mais elevado, tais a consciência de si próprio em relação ao ambiente, a consciência da personalidade social e a consciência espiritual”.
Verificações análogas efetuou Fulton, o qual estuda de modo claro a similitude entre os resultados clínicos e os da neurocirurgia em primatas, especialmente quanto às alterações assim induzidas no domínio instintivo-emocional. “Deixando de parte o fato de que processos psíquicos complexos como esses há pouco referidos não se prestam para estudar localizações cerebrais, cumpre levar em conta que eles exigem o funcionamento harmônico de sistemas cerebrais e não de órgãos isolados.” (“- Psiquiatria Geral”) Além disso, é indispensável, em nosso entender, distinguir no quadro clínico em apreço as funções psíquicas correspondentes aos órgãos cerebrais regidos e as que dependem das áreas reguladoras, dentro de determinado sistema cerebral. Tal orientação que temos seguido tanto na investigação psiquiátrica como principalmente em referências às indicações para a leucotomia. Essa distinção se faz necessária, no caso particular desta intervenção cirúrgica no lobo frontal: “As áreas encefálicas que regem o lobo frontal são, segundo a experiência anátomo-clínica atual, a zona parieto-temporal e a zona parieto-occipital” … E estas “duas diretoras se ligam com a porções inferiores e com as superiores do manto do lobo frontal, respectivamente. No campo dos sintomas clínicos, os distúrbios que mais frequentemente ocorrem como sequência de repercussão à distância provém dessas áreas cerebrais. Ademais, para avaliar corretamente os resultados da leucotomia pré-frontal é indispensável estabelecer qual dos dinamismos cortico-corticais estava em causa: se o da liberação ou o da subordinação.
Não assiste razão, a nosso ver, aos que pretendem negar especificidade funcional a zonas distintas do córtex cerebral. Parece-nos ilógico e contrário à evidência clínica atribuir sintomas deficitários à redução quantitativa de substância cerebral – à maneira de Leshley, por exemplo. E não menos indefensável a hipótese de plasticidade cerebral, isto é, de que áreas específicas possam assumir função inteiramente nova, para explicar a recuperação funcional – a qual exprime o dinamismo de suplência, atrás referido. Os fatos anátomo-clínicos acumulados no setor da leucotomia seletiva ratificam, nessa ordem de ideias, as conclusões de Le Beau: “Duas conclusões decorrem do estudo psicológico dos doentes submetidos às operações frontais seletivas.1. ° – as modificações observadas não dependem somente de fator cirúrgico quantitativo… 2. ° – as modificações observadas são em prol da localização de funções diferentes nas diferentes partes do lobo frontal”. Fatos experimentais, não obstante, bem estabelecidos, têm que ser devidamente avaliados quanto ao significado teórico. Assim as demonstrações de Lashley, de que a destruição do córtex motor em primatas não acarreta abolição de retentiva motora: é mister, aí, levar em conta fundamentalmente a dinamismos intelectuais e não a motores.
Em sentido um pouco diverso, as tentativas para localizar funções complexas, tais as que constituem a consciência, a memória – ou meros conceitos, como o que acima citamos de Freeman em relação ao que designa ele como consciência espiritual de si próprio (spiritual consciousness), não poderão produzir algo de aceitável. É a conceitos desta ordem que recorre Alford ao pretender resolver a questão das localizações cerebrais. Por não haver feito distinção entre funções simples e fenômenos complexos, autores da categoria de L. R. Muller têm incorrido nessa incongruência. Na hoje clássica monografia de 1933 sobre “divisão funcional do sistema nervoso” e na 2.ª edição em 1950, o esquema funcional situa no córtex cerebral “memória”, “reconhecimento”, “consciência de si próprio”, “volição”, “razão”, “pensamento”, que Muller atribui a toda a corticalidade. Mas acentuada é a incoerência de Laubenthal, nesse domínio, ao versar o problema das relações entre “cérebro e alma”, no qual denota que não se despregou de concepções metafísicas. Deixa este autor de reconhecer que “conceitos psicológicos” não se prestam para finalidades localizatórias e de identificar os dinamismos psicológicos em que se decompõem as resultantes psíquicas “memória” e “atenção”. Citamo-lo: “nossas objeções contra o emprego de conceitos psicológicos hoje correntes para deduções quanto a localizações cerebrais valem também para os conceitos memória e atenção – Quanto mais operamos com estes conceitos na vida diária e também na clínica e nos deparamos com distúrbios dessas funções em pacientes com lesões cerebrais, tanto menos clareza existe sobre a essência mesma da memória”. E em outro passo: “Tais achados, como qualquer outro da patologia cerebral, simplesmente não podem significar (Erstrechtkonnennichtbesangen) que áreas cerebrais e “psiquismo” sejam idênticos. Poder-se-ia admitir, com possibilidades essencialmente melhores de fundamento que sejam aquelas apenas veículos para funções (Funktionstrager) do psiquismo e dessa forma instrumentos deste”.
Assim, ao que nos parece, duas fontes de erro têm contribuído para apreciações contraditórias no domínio atual das localizações cerebrais. A uma delas se reporta Fulton no ensaio que consagrou às localizações funcionais em relação com a lobotomia frontal: em regra, tem faltado as tais investigações a rígida correlação fisiológica entre sintomas e base anatômica. Outra, segundo nosso modo de ver, ainda mais relevante é que tem havido carência de orientação filosófica. Somente a essa conjunção de fatores negativos podemos atribuir o afã “antilocalizacionista”, o qual se contrapõe à evidência dos dados clínicos e anátomo-patológicos”.
VIDA AFETIVO-EMOTIVA. NUTRIÇÃO.
Evitando quanto possível entrar em problemas de psicopatologia ou de psicologia pura, vejamos em breve traços algumas correlações psicofisiológicas, focalizando em primeiro lugar o setor afetivo da personalidade.
Como afetividade entendemos o conjunto de tendências inconscientes instintivas, que impelem o indivíduo humano continuamente a satisfazer às necessidades da própria existência e a adaptar-se harmonicamente aos interesses gregários, ou sociais. É a acepção da escola positiva. Constitui a afetividade o setor principal da personalidade, que a unifica e ao mesmo tempo lhe regula o interesse pelo meio exterior e a atuação sobre este. Daí resulta que tal esfera mantenha contato apenas indireto com o mundo externo e, por outro lado, que os distúrbios dela se reflitam acentuadamente nos demais níveis da personalidade. Mesmo em condições normais estas inter-relações do indivíduo para com o ambiente fazem com que se apresentem gradações qualitativas nas diversas manifestações afetivas; e há que considerar aí condições subjetivas intrínsecas – comuns ao homem e a toda a série animal, dentro de certos limites – e manifestações secundárias, que se tornam peculiares à nossa espécie.
Conforme temos feito notar em outras oportunidades, a funções do primeiro grupo agora referido são necessariamente inconscientes e a elas se aplicam indistintamente as designações de móveis, impulsos, tendências ou instintos. A este propósito deixamos claro que não vemos razão para reservar o termo instinto para o caso da animalidade sub-humana. É verdade que mesmo em autores contemporâneos encontramos semelhante distinção, de sabor escolástico: “Como é sabido – escreve Rohracher- falamos em instinto quando o animal executa ações que nunca lhe haviam ensinado e que somente em futuro remoto, frequentemente só para a descendência do animal, se revelam altamente adequadas”. Mas o que caracteriza o instinto, e que aliás ressalta das expressões agora transcritas, são a inateidade e a autonomia para com a inteligência. Não cabe aqui fundamentar essas considerações, que apenas se destinam a justificar a terminologia adotada.
Desse conjunto de atributos instintivos intrínsecos, ao qual logo voltaremos, cumpre distinguir os sentimentos complexos de Laffite – para exemplo, o amor à pátria, o pundonor -, as afeições, os afetos, que representam manifestações conscientes desses impulsos na vida subjetiva e polarizada para o ambiente. O conceito de afetos é, pois, inseparável da noção da experiência do indivíduo em face ao ambiente físico e social.
Os autores em geral ilustram esta distinção, embora nem sempre o façam de modo explícito. Por exemplo, na monografia neurofisiológica o sentimento genérico (Allgemeingefuhl) quanto ao estado somático, que acompanha as sensações corporais, desencadeiam “estados de ânimo” (Stimmungen) que se mostram positivos – isto é, de tonalidade alegre – em estado hígido, e negativos – ou seja, penosos – quando é mau o estado geral somático, o que a seu turno se exprime no tono da musculatura corporal, principalmente ao nível do rosto.
“A vida afetiva (Gefuhlsleben) não é, porém, influenciada apenas pelas sensações gerais advindas do corpo, como a fome ou o cansaço: sofre também oscilações provenientes das impressões do ambiente sobre o sistema nervoso. Designamos com os termos “emoções” ou “afetos” tais oscilações da vida emotiva e psíquica (Gemuts und Seelenleben)”
É comparável a essa a acepção, mais precisa e descrita com outros termos, que se encontra na monografia de De Crinis: “A comoção (Ergriffenheit) exercida sobre o organismo pelos processos ambienciais constitui assim o fundamento do afeto. Ao tornar-se percepção subjetiva a comoção do organismo, realizam-se as condições preliminares (Voraussetzungen) para o afeto. Este pode assim definir-se abreviadamente, sob o aspecto psicofisiológico, como a comoção percebida”.
Também a emotividade, ou seja, o conjunto de emoções, na nossa acepção, deve ser separado da afetividade propriamente dita. Trata-se igualmente aí de reação derivada destes últimos atributos em face do estímulo – seja ambiental, seja subjetivo – em sentido algo diverso, aferente. A gama de modificações, vegetativas, motoras, intelectuais, e afetivas, que se entrelaçam na emoção, já a caracterizava claramente Ribot: “Para nós, a emoção é, na ordem afetiva, o equivalente da percepção na ordem intelectual: estado complexo, que se compõe essencialmente de movimentos produzidos ou detidos, de modificações orgânicas (na circulação, na respiração, etc.), dum estado de consciência agradável ou penoso, ou misto, peculiar a cada emoção”.
O mister de reger permanentemente a unidade interna, subjetiva e objetiva, sem que se perturbe a adaptação social, faz com que a afetividade compreenda dois grupos de instintos: os da individualidade e os da sociabilidade. Dentre aqueles, o da nutrição ou conservação individual constitui o impulso orientador de semelhante regência naquilo que entende com o sistema vegetativo, a qual se exprime através do consenso visceral. Os demais atributos afetivos participam desta unificação apenas a título indireto, através daquele. Cabe a denominação genérica de instintos ao grupo básico de atributos afetivos – ao qual designamos como da individualidade. Aos que promovem a integração do indivíduo na constelação social – os da sociabilidade, corresponde melhor a designação de sentimentos. Tal distinção, que só foi estabelecida em definitivo e cientificamente por Augusto Comte, em 1850, encontramos também nas áreas da psicologia hodierna em que se analisa de modo mais profundo o mundo subjetivo. É o caso dos autores de língua alemã, em contraste com os norte-americanos, em geral, que rejeitam a designação de instintos em referência ao homem. Leonhard, por exemplo, que não conhece a doutrina de Comte, distribui os instintos humanos em primitivos (Urinstinkte), e adaptados – egoísticos altruísticos, gregários e sociais (egotistische, altruistische, Gruppierungs, Gemeinschafsinstinkte) respectivamente. (“- Psiquiatria Geral”) A esse complexo grupo de instintos, Leonhard separa do grupo dos impulsos (Triebe) e do de sentimentos (Gefuhle), como integrantes da vida afetiva. “E focaliza ainda esse problema dinâmico-estrutural em sentido evolutivo, ao estudar – baseado em 200 casos clínicos – a participação dos “instintos”, adaptados e primitivos, na sexualidade humana”.
Na doutrina de Comte são 7 as funções que compõe os instintos egoísticos, ou individualidade, e 3 as que constituem o altruísmo, ou sociabilidade. E o amadurecimento psicológico, paralelo à maturação do sistema nervoso, consiste na submissão gradativa e contínua do primeiro grupo ao segundo, ambos embora inatos e não redutíveis um ao outro. Este processo de subordinação como sequência do amadurecimento psíquico é reconhecido por psicólogos atuais, tais como Allport: “A aprendizagem, agindo sobre os instintos e a hereditariedade, leva à formação de estruturas mais ou menos estáveis, entre as quais nomeamos a consciência moral, o autoconceito, e uma organização hierárquica da personalidade. Mas tal não sucederia de estes estágios não estivessem incluídos em nossa natureza como possibilidades inatas”. E, linhas abaixo, “Desenvolver-se é um processo que consiste em incorporar os estágios anteriores nos posteriores; ou, quando isto não é possível, em moderar tanto quanto se pode o conflito entre estágios anteriores e posteriores”.
Correlação entre funções e órgãos – Segundo lembramos ao iniciar o tópico presente, o conjunto da afetividade não se liga de modo imediato ao mundo exterior. Analogamente, o instinto nutritivo, que rege toda a integração vegetativa, não poderia estar ligado diretamente ao mundo visceral: torna-se necessária a existência de aparelhagem intermediária, autônoma de certa forma, entre aquele instinto e as vísceras. Juntamente com o da nutrição, o instinto de conservação da espécie (sexual) representa o conjunto inferior, hierarquicamente, do grupo da individualidade: dirige a maturação, depois o dinamismo, das glândulas sexuais em sentido lato. Essa posição peculiar de ambos na esfera da personalidade fez com que a escola positivista localizasse os órgãos correspondentes no córtex encefálico menos diferenciado: as regiões paleocerebelar e neocerebelar, respectivamente. Tal localização funcional se acha corroborada por experiências tanto contemporâneas quanto do período clássico das “mutilações cerebrais”, cuja discussão, entretanto não é oportuno neste passo. Parece-nos, porém, relevante acentuar a importante contraprova que está surgindo das pesquisas recentes de Weniger, em São Paulo. Admitindo que o câncer represente anomalia do processo nutritivo – como é geralmente aceito – procura verificar geneticamente a participação do cerebelo no processo cancerígeno: isto é, antes que a lesão se instale. Usa para isso camundongos de linhagem cancerosa, ainda indenes. E tem demonstrado que nesses exemplares ocorre anomalia grave das células de Purkinje, de modo significativo.
Outros instintos gradativamente menos grosseiros completam o setor egoístico da personalidade; os órgãos cerebrais respectivos podem identificar-se nas diversas áreas do córtex parieto-occipital, no indivíduo humano. Finalmente, dentre os atributos ou pendores altruísticos – apego, veneração e bondade, este último corresponde a órgão situado na porção alta da convexidade frontal. Tais localizações são também confirmadas por verificações anátomo-clínicas e mesmo, no que é cabível, pela experimentação em primatas sub-humanos e pela cirurgia cerebral humana. Deixando à margem essa questão das localizações funcionais no córtex cerebral, vejamos apenas, e em breves traços, outra modalidade de correlações psicofisiológicas. Referimo-nos às estruturas subcorticais que medeiam entre os instintos da conservação – individual e da espécie – e o conjunto visceral, mencionadas linhas atrás.
Substrato anatômico da regência vegetativa – Embora só em época relativamente recente haja sido objeto de pesquisas sistemáticas, tal aparelhagem é já também conhecida, pelo menos em parte, na experimentação e na clínica. Consiste ela na chamada regência do sistema autônomo – simpático e parassimpático – e se processa através dos “núcleos vegetativos” da região hipotalâmica. Situados em região cerebral filogeneticamente antiga, como foi dito, semelhantes núcleos centroencefálicos de substância cinzenta mantém ligações complexas com as estruturas vizinhas. São estas, conforme se acha bem estabelecido, as regiões paleocorticais, do cérebro: zona orbitária, cíngulo, retro-esplênio. Mantém-nas, também, inferíamos nós, possivelmente com os sistemas cerebelares dada a solidariedade que se manifesta na patologia. Experiências recentes, ulteriores à primeira edição deste capítulo, têm confirmado de modo indubitável esta suposição. Não vem ao caso comentá-las.
Conquanto a experimentação haja precisado correlações fisiológicas indiscutíveis, as deduções teóricas a respeito do dinamismo desses núcleos na vida psíquica têm sido não raro confusas e mesmo, em nosso entender, ilógicas. A princípio as investigações anátomo-patológicas, depois a neurofisiologia, e, por fim, as técnicas da neurocirurgia fina, revelaram que os referidos núcleos celulares regulam – além das funções sexuais em sentido lato – as trocas metabólicas viscerais, a sudorese, o calor animal, a circulação. Essas diferentes regências vegetativas competem especificamente a núcleos distintos, os quais se reúnem em três grupos no hipotálamo: anterior, médio e posterior. Mais recentemente os estudos bioquímicos puderam revelar afinidades específicas dos diferentes núcleos para com substâncias químicas; e essas descobertas de laboratório logo se mostraram poderosos recursos terapêuticos, no domínio da psiquiatria e mesmo em distúrbios emocionais não psicóticos. Por outro lado, as pesquisas atinentes aos dinamismos hormonais e aos processos bioquímicos de ativação e de impedimento da transmissão neuronal têm dado ênfase à participação do hipotálamo no funcionamento psíquico. Sob esse ângulo têm cabimento as considerações de Krapf: “Finalmente – e isto nos interessa aqui especialmente – intervém nas alternativas do estado de consciência (vigília, sono etc.) e codetermina a motilidade de tipo emocional (expressiva) e instintiva (impulsiva, provavelmente como estação “transformadora” de atividades hormonais em inervações e vice-versa. (“- Psiquiatria Geral”) Este campo de atuação médica – que focaliza em outro capítulo – põe em evidência sintomas vegetativos que decorrem de processos emocionais inconscientes e que só mediante a desmontagem psicoanalítica são passíveis de solução”.
As precedentes considerações de ordem neurovegetativa e psicofisiológica não autorizam, porém, segundo entendemos, a concepção teórica do hipotálamo como instância diretora da personalidade ou como sede dos fenômenos instintivo-emocionais. Semelhante ilação doutrinária, agora em voga, se exemplifica nas conclusões de Rof Carballo: “Já não é possível continuar considerando o córtex como o nível superior de integração. Nele se espraiam em grande superfície as projeções somatotópicas provenientes da pele, dos músculos, dos órgãos dos sentidos e, ao mesmo tempo, projeções somatotópicas viscerais muito menos diferenciadas, que com as anteriores estabelecem relações de contiguidade. Porém a integração fundamental que cria a unidade do ser vivo se realiza fora do córtex e mesmo fora do cérebro, no sistema centroencefálico, ao articular-se a totalidade da inervação visceral ou vegetativa com o sistema somático da vida de relação”. Força é ter presente que os núcleos vegetativos do hipotálamo são autônomos apenas em aparência: constituem aparelhagem subordinada fundamentalmente aos instintos de nutrição e sexual, como dissemos no início. Representam estação intercalada nas vias cortico-corticais entre cerebelo e cérebro, por um lado; e, por outro, no sistema através do qual o cerebelo rege o mundo vegetativo, em que se inclui o próprio encéfalo.
SONO E SONHO
Estado de vigília – Para que o indivíduo possa manter-se em pleno contato com o meio ambiente e agir sobre ele, indispensável se faz que todas as funções, desde as vegetativas e as de tono muscular, até as subjetivas adstritas aos motores afetivos e à conação, se coloquem a serviço das disposições intelectuais. (“O que é o estado de vigília?”) “Essa integração harmônica do mundo interno caracteriza o que se denomina vigília ou estado de alerta.” (“- Psiquiatria Geral”) Como é sobejamente conhecido, semelhante estado flutua continuamente em intensidade, na dependência de numerosos fatores subjetivos e ambientais, cuja inter-relação oferece extensa variação individual. Entre este vem em primeiro plano o desgaste de energia física e de tensão psicológica. Daí o dinamismo do sono, necessidade fundamental para a conservação do indivíduo. Esta consideração basta para evidenciar que o sono constitui fenômeno positivo e permite desde logo classificá-lo como atributo filiado ao instinto de nutrição.
Dinâmica do sono – Já não têm sentido as indagações sobre as causas do sono – em condições normais – como se consistiriam em fenômeno tóxico, ou em simples situação fisiológica condicionada, por exemplo. Da mesma forma, não se justifica as discussões mais metafísicas que fisiológicas, que prevaleceram por algum tempo, acerca da periodicidade do fenômeno: a manifestação rítmica representa o apanágio dos processos vegetativos.
Na incidência normal da função hípnica cessa por completo o contato, em sentido eferente, com o meio exterior; é isto não só no domínio subjetivo, pois também se abate o tono da musculatura preposta à vida de relação e diminui os reflexos osteo-tendinosos. A essa aparência exterior de inexcitabilidade corresponde, realmente, diminuição profunda – embora variável com a fase do sono, da atividade cortical; o que é hoje facilmente evidenciável mediante a eletroencefalografia.
Esta íntima solidariedade entre tonicidade muscular, motilidade intencional, vigília e afetividade, é demonstrada de modo extraordinariamente claro nas experiências em que W. R. Hess excita o hipotálamo, no gato, mediante o estímulo elétrico. (“- Psiquiatria Geral”) Comentando este aspecto de experimentação, conclui Hess: “Tal reciprocidade na dinâmica de grupo (teamwork) entre vários níveis funcionais, nada tem de extraordinário, entretanto: antes, constitui lei básica de funções sinérgicas ou, pelo menos, da coordenação delas”. Igualmente ilustrativas a esse respeito, quanto à inibição e quanto ao estímulo gradativos, da atividade bioelétrica cortical, da vigília e da tonicidade muscular, como fenômenos correlatos, encontramos as demonstrações de Magoun relativas à chamada estrutura reticular.
Sonho – Na fase de despertar, a atividade do córtex reaparece gradativamente, antes que o indivíduo retome contacto com o ambiente. Os motores afetivos constituem então o único estímulo de semelhante atividade; o trabalho mental assim despertado – o sonho – constitui por isso excelente via de acesso ao mundo instintivo. Se o desgaste de energia muscular foi insuficiente ou se problemas afetivos – conscientes ou inconscientes – preocupam o indivíduo, o cérebro não atinge a fase de repouso completo e a atividade onírica o exprimirá. (“- Psiquiatria Geral”) Seria deslocado entrarmos no dinamismo psicológico dos sonhos ou no significado da própria dramatização onírica. Cumpre, todavia, salientar que são os problemas instintivos, principalmente ligados à nutrição e às manifestações sexuais, que aí se exteriorizam, embora sob disfarces que a psicanálise codificou.
Correlação estrutural – A pesquisa anatomopatológica em casos de encefalite epidêmica com manifestações de letargia predominante revelou existir no hipotálamo um núcleo regulador da função hípnica. Tal núcleo se situa sob o assoalho do terceiro ventrículo, prolongando-se para trás até o nível do aqueduto de Silvio. Esta localização, entre o grupo posterior dos núcleos vegetativos do hipotálamo, demonstra a natureza da função em apreço.
SENSAÇÃO. PERCEPÇÃO.
Deixando de parte o setor conativo da personalidade, em que as correlações psicofisiológicas exigiriam comentários mais extensos para se tornarem compreensíveis, faremos algumas considerações sobre a outra zona de contato com o ambiente: as funções intelectuais e, especificamente, o trabalho sensorial.
É através dos sentidos que o intelecto se liga, em direção centrípeta, com a realidade exterior, no duplo mister de corrigir as concepções e prever os fenômenos. Cada sentido contribui a seu modo para a noção do mundo externo e, dessa maneira, para a própria sistematização das ciências, em última análise. Daí o número de categorias sensoriais, que os autores em geral ainda fixam em cinco, muito embora a clínica e a pesquisa anatomopatológica já houvessem demonstrado, de há muito, que o tacto em sentido lato compreende quatro sentidos. (“- Psiquiatria Geral”) Blainville, citado por Souza, subdividia o tacto em três categorias, desde 1829. Comte, secundado pelo eminente discípulo Audiffrent, desmembrou do tacto não só as categorias calorição e musculação – como Blainville –, porém também a eletrição. Existem, portanto, oito categorias sensoriais, e não cinco. O professor Agliberto Xavier as classificou segundo a especificidade, conforme a sinopse publicada por Souza e que data vênia reproduzimos:
Em qualquer dessas categorias sensoriais o trabalho fundamental se desdobrará em três fases e pressupõe a existência de três tipos distintos de estrutura: (1) órgão periférico, sobre o qual incide o estímulo: donde resulta a impressão sensorial; (2) elementos de condução – nervo sensorial, ou sensitivo – que efetuam a transmissão do estímulo; (3) núcleo cinzento sensorial, subcortical, que recebe o estímulo através dessas vias nervosas, donde sensação propriamente dita. “Entretanto, para que o aparelho sensorial preencha a finalidade que lhe é característica essas fases preliminares não bastam.” (“- Psiquiatria Geral”) A sensação não se torna consciente sem que sobre ela incida o trabalho especificamente intelectual, isto é, sem que haja percepção. Isto implica em mais dois tempos, pelo menos, e, em consequência, na extensão do trabalho a dois novos tipos de estrutura; (4) a condução da sensação através das vias sensitivas intracerebrais, isto é, cortico-subcorticais, e (5) exercício da função psíquica de observação, adstrita a determinadas áreas do córtex frontal. “Assim, entre o estímulo periférico e a reação intelectual a ele teríamos os seguintes passos principais: impressão sensorial, imagem sensorial (sensação), imagem primária (percepção).” (“- Psiquiatria Geral”)
Na realidade, o problema psicofisiológico se mostra muito mais complexo, tanto pelo dinamismo quanto pelas estruturas envolvidas no processo. Primeiramente, como fenômeno intelectual essencialmente ativo, a percepção depende do interesse, ou seja, da motivação afetiva que a determinou; e decorre da polarização do interesse para o estímulo em causa. Subentende, assim, a participação prévia das esferas afetiva e conativa da personalidade. No plano anatômico, devemos lembrar a concepção de Audiffrent, hoje plenamente sancionada pela anatomia cerebral e pela neurofisiologia: estabelece que de cada núcleo sensorial partem dois feixes de conexão, respectivamente para a região intelectual do cérebro (córtex frontal) e para a região afetiva (córtex parietal, têmporo-parietal ou occipital, ou mesmo cerebelar). Discutir a identificação dos núcleos cinzentos em apreço, ou pormenorizar outros aspectos pertinentes ao assunto, importariam em transpor os limites desta exposição. Procuramos, porém, resumir essa interpretação dinâmica com o esquema da figura 8.
Focalizamos aí o sentido da visão por ser o mais característico da organização humana, em consequência, aquele cujos dinamismo se acham melhor conhecidos. Segundo essa concepção o fenômeno da percepção propriamente dito consiste na fusão, ao nível do córtex frontal, entre o influxo carreado diretamente pela vibração do núcleo subcortical e o influxo que este último ali faz chegar através do córtex posterior. Desta série de processos decorrem outros aspectos que pode assumir a imagem primária: o da evocação, ou imagem mnêmica, ou recordada, dinamismo no qual o estímulo inicial parte da região afetiva para a intelectual e daí para o núcleo subcortical correspondente; o da ilusão sensorial, em que a percepção é falseada afetivamente porque a ressonância afetiva ou emocional sobrepuja o estímulo direto concomitante; o da alucinação – imagem alucinatória – quando anormalmente o estímulo afetivo faz vibrar o núcleo subcortical ao mesmo tempo que ativa a região intelectual – donde o não reconhecimento quanto à subjetividade da imagem. Nesta série de fenômenos psicofisiológicos, os dois extremos, percepção normal e alucinação, têm em comum, portanto a fusão dos dois influxos sensoriais, direto e indireto; e apenas diferem – no tocante à dinâmica – quanto à origem do estímulo que deu margem ao reconhecimento. Ao que nos parece é a este aspecto distintivo que se refere Hughlings-Jackson, segundo a menção de Russell Brain, o qual lhe endossa a interpretação: “As percepções normais, para Jackson, “simbolizam” um mundo de objetos físicos. Percepções ilusórias ou alucinatórias diferem das normais, não na qualidade perceptual, mas no malogro (failure) do valor simbólico. Elas já não simbolizam de modo acurado, ou talvez de modo algum, os objetos físicos.”
Buscaine descreve claramente a participação de vias intracerebrais e principalmente a fusão entre imagens subjetivas e estímulos periféricos no fenômeno da percepção. Considera, entretanto, a retina com sede desta convergência, o que não nos parece defensável: “Durante o fenômeno da visão consciente os estímulos que sobem da periferia suscitam mais ou menos nitidamente as recordações, pondo em atividade os agrupamentos celulares e as vias nos quais se concretiza a latência das imagens; e determinam, através dos mecanismos centroperiféricos, variações até na periferia retiniana. Portanto, no decorrer do fenômeno da percepção a periferia retiniana recebe os estímulos do mundo externo, e ao mesmo tempo os provêm do mundo cerebral do indivíduo. A retina funciona, assim, quase como uma tela para aparelhos de projeção, numa de cujas faces se projetasse uma imagem enquanto outra se projeta na face oposta. O “coincidir” de ambas as “imagens” – a considerar-se não no sentido grosseiramente óptico do termo, mas como complexo de processos nervosos particulares – leva ao reconhecimento”.”
ELABORAÇÃO. LINGUAGEM.
A imagem sensorial, como a referimos no item anterior, resulta da incidência de vários estímulos sensoriais, produzidos simultaneamente pelo mesmo fenômeno ou pelo mesmo ser, porém através de sentidos diferentes.
A dissociação subjetiva desses vários elementos – abstração ou contemplação abstrata – representa modalidade fundamental da elaboração intelectual; daí resulta uma imagem primária, não elaborada. O reagrupamento ulterior dos diferentes fatores dissociados – do qual advém a reconstituição subjetiva do ser exterior – constitui operação intelectual mais complexa, a contemplação concreta. Desta maneira, como o mostra Audiffrent, a imagem do mundo externo não resulta diretamente do estímulo sensorial. Trata-se, todavia, de imagem primariamente ligada ao exterior: tanto num caso como em outro ocorreu a percepção. O trabalho de elaboração ainda mais diferenciado – raciocínio indutivo e dedutivo – levará essas noções primárias a nova modalidade de imagem, construída mediante os processos de assimilação e diferenciação: imagem subjetiva por excelência. Essas diferentes fases de elaboração, de que resultam os vários tipos de imagem, dependem de órgãos cerebrais distintos.
A comunicação do pensamento, a seu turno, exige novo aperfeiçoamento da imagem, resultante da contração desta, sob o estímulo afetivo. A relação constante entre a sensação e a contração correspondente constitui o sinal na acepção de Comte. Semelhante aperfeiçoamento lógico constitui apanágio do grau mais elevado do raciocínio: o pensamento lógico ou do simbolismo abstrato. Todavia, o sinal pode resultar também da imagem em fase ainda não destituída da carga afetiva – a imagem primária. Cumpre ainda lembrar que cada estímulo sensorial desencadeia na realidade uma série de imagens primárias, uma central, que prevalece, e outras acessórias, suscitadas pela ressonância afetiva. Estas últimas não chegam à percepção normal, pois não se transmitem com a principal à zona intelectual do córtex, mas se detém na zona afetiva correspondente. Para não nos estendermos a respeito desses dinamismos intelectuais, procuramos reuni-los no quadro anexo III, que alteramos ligeiramente após a primeira edição.
A expressão ou linguagem constitui função intelectual específica e exige, pois, um órgão independente. Não somente rege a exteriorização do estado subjetivo, como assiste o trabalho intelectual de elaboração mediante a instituição dos sinais, como foi dito há pouco. É isto que permite à mente humana formular os pensamentos abstratos por excelência e chegar às mais arrojadas generalizações, que culminam com a formulação das leis científicas. Esta mesma específica função da linguagem na construção da lógica é admitida recentemente por Hess, que de resto não conhece a doutrina de Comte: “Finalmente, é de importância decisiva para o desenvolvimento de capacidades intelectuais o emprego de símbolos para determinados conteúdos da consciência. Por esse meio podem objetivar-se interdependências quantitativas e qualitativas. A transição que leva do ábaco (Zahlrahmen) para o cálculo mental com números abstratos e ainda para o cálculo escrito, demonstra a ligação entre trabalho mental e manipulação, mediante representantes concretos. Ao mesmo tempo faz-se conhecer como é possível, pelo emprego de símbolos, dominar relações complexas e ampliar a função do intelecto até a regiões que ultrapassam a limitada capacidade humana de representação mental (Vorstellungsvermogen). Exemplos disto são o tratamento e a solução matemática de problemas de Física, bem como o espantoso sucesso na objetivação simbólica de conteúdos de consciência sob o aspecto de fórmulas químicas”.
Para o estabelecimento do trabalho intelectual a este nível concorrem, portanto, como foi lembrado, todos os atributos subjetivos: desde os afetivos básicos – os da animalidade – até as qualidades conativas e as funções mentais de elaboração. Entretanto, e justamente por isto, na expressão se refletem graus diversos de elaboração, que utilizam de vário modo o dinamismo cerebral. Daí a complexidade que caracteriza os distúrbios da linguagem, o que se traduz pelas numerosas classificações das afasias e das apraxias, cuja revisão ainda não chegou ao termo, bem como pela patologia da leitura, da escrita e do cálculo. Na verdade, parece-nos que em todas essas ocorrências clínicas o que está em causa é o pensamento abstrato.
Por outro lado, na própria função psíquica linguagem há que distinguir três níveis de integração. Basta recordar as correlações psicofisiológicas da ontogênese e da filogênese para verificar que a expressão mímica se prende a fatores tão elementares da personalidade que ela já se manifesta em rudimento nos insetos, aperfeiçoando-se ao máximo nos primatas; a força verbal depende da organização humana, mas ocorre logo no início da vida extrauterina, ao passo que a forma gráfica – por mais abstrata – requer a maturação de zonas diferenciadas da personalidade. Assim se compreende que as alterações cerebrais orgânicas possam com maior facilidade acarretar afasias de compreensão do tipo da que Wernicke isolou, que das de tipo motor, embora tal peculiaridade seja em geral mascarada pelo déficit concomitante de outras funções intelectuais. Para que a utilização da expressão mímica se impossibilite é mister que as lesões se assestem em áreas ligadas ao dinamismo afetivo mais profundo. Essas distinções ressaltam com maior nitidez quanto a pesquisa se estende a grande número de pacientes, estudados sob critério rigoroso, como o fizeram Weisenburg e MacBride. Tendo verificado que as provas de Head para afasia revelavam falhas mesmo em adultos não afásicos e de nível superior, Weisenburg organizou extensa lista de outras em bateria, com a qual estudou 84 afásicos, porém com lesões cerebrais e a de 85 adultos – provenientes de ambiente hospitalar comparável – indenes sob o aspecto neuropsíquico. E, para só nos referirmos ao tópico em causa, tal investigação revelou aquela proporção decrescente entre os distúrbios da compreensão e os da articulação; e ao mesmo tempo confirmou que as perturbações dos afásicos excedem de muito deficiência de reação verbal.
Vemos assim que mesmo em referência à linguagem, função intelectual única, é ilusório pretender “localizar” o distúrbio psíquico em determinado foco de lesão cerebral. Muito menos admissível, à luz da fisiologia cerebral, é pesquisar tais “localizações” no âmbito de operações mentais complexas como aquelas que assinalarmos no quadro III na coluna direita. Conforme procuramos resumir ali, atenção, memória, consciência, resultam do entrosamento, em grau diverso, de outros processos – não funções simples – mentais, que registramos na 3.ª coluna. Cada uma daquelas atividades complexas subentende, pois, a cooperação das três esferas da personalidade, como quisemos frisar linhas atrás. Além disso, correspondem não a dinamismos cerebrais independentes, mas, ao contrário, a processos intimamemnte entrelaçados. Da mesma forma que não há consciência sem o complexo fenômeno da atenção, também não ocorre este último senão na vigência daquela.
Esta condição de entrelaçamento harmônico de funções para que se processe qualquer trabalho mental constitui o principal argumento da chamada psicologia holística (Ganzheitspsychologie). Estudando a participação da memória na integração do fenômeno percepção diz Ehrenstein: “…embora possam ser muito diversos os graus de consciência em que a experiência prévia incide sobre a experiência atual, nunca está em causa a simples adição de recordações a uma percepção; muito mais que isso, ambas as partes se fundem completamente em uma qualidade complexa, íntima e unitária, e na maioria das vezes não se pode separar do que deve ser atribuído às disposições perceptuais inatas aquilo que cabe à aquisição – e que frequentemente permanece inconsciente. A memória participa de cada percepção, sem que se trate de recordação consciente. A memória consciente constitui apenas fração do conjunto de funções mnêmicas (Gedachtnisleistungen)”.
Semelhante distinção entre disposições subjetivas inatas – isto é, inerentes à estrutura subjetiva, dizemos nós – e condições resultantes do exercício delas, parece estar claramente definida nas concepções de Hughings-Jackson citadas por Denis Williams; Williams reporta a Herbert Spencer (Hubert, sic.), e, portanto – fazemos notar aqui – à escola de Comte, as concepções jacksonianas que situam o homem em categoria particular. “Isto aparece claramente quando distinguem consciência subjetiva e consciência objetiva. A primeira é noção de si próprio no sentido amplo e mais elevado; a segunda, a do ambiente interpretada pelo próprio indivíduo”. Atualizando tal distinção e colocando-a em outras bases, Williams interpreta a consciência como estado subjetivo e não como função psíquica e a desdobra em dois componentes: capacidade de reconhecer (awareness) e a capacidade de reagir (reactivity). Ademais, introduziu nesse conceito o aspecto dinâmico localizatório posto em evidência pelas pesquisas de Magoun principalmente (ver referência neste capítulo). A primeira estaria ligada ao dinamismo cortical, esta outra ao tronco cerebral: “O paciente perdeu a capacidade de reagir (reactivity) a modificações do ambiente, mas reagirá parcialmente se a iniciativa for propiciada pelo comando, e mantém o reconhecimento (awareness) e a atividade reflexa. Em termos deste artigo, estado de consciência do paciente é perturbado pela redução global da capacidade de reagir (reactivity) com uma lesão limitada ao tegmento central do cérebro médio” Na nossa opinião, não é adequado “localizar” dinamismos assim vagos e gerais, um no tronco cerebral, outro em todo o córtex, e realmente nada tem isso a ver com “localização” de consciência. Todavia é aceitável e real o aspecto dinâmico, isto é, a verificação de que estruturas diencefálicas transmitem o estímulo para toda a atividade cortical. Compreende-se isto, neurofisiologicamente, uma vez que tais estruturas subcorticais se integram no dinamismo geral de ativação a um tempo metabólica e psíquica.
Temos como duplamente falseada – pelo conceito vago e pela interpretação errônea de fatos anátomo-clínicos – a conclusão de Alford: “Sumariando, pois, o que foi evidenciado neste capítulo, aparece que o toldamento de consciência ou a demência, ou ambos, só são produzidos por lesões prevalentemente destrutivas quando estas se localizam na região do tálamo esquerdo. E considerando toda a evidência sobre a localização de funções mentais, há indicações de que todas elas, ou quase todas, aí estão da mesma forma reunidas e localizadas”. Tal maneira de “localizar” funções psíquicas – mesmo que estas se considerassem em sentido estrito – fora do córtex encefálico representa grave desvio à luz da neurofisiologia, pois já se tornou anacrônica no século XIX, ao surgir a doutrina de Gall. Tal doutrina atribuía as funções mentais ao manto cortical, conforme acentua judiciosamente Berger: “Franz Joseph Gall, o fundador de Frenologia, tantas vezes injuriado, era excelente anatomista do cérebro e instituiu conhecimentos precisos em fisiologia e também na clínica das doenças cerebrais. Demonstrou ele, baseado nos fatos clínicos, que não é simplesmente o cérebro todo, porém predominantemente a crosta cinzenta do cérebro, denominada córtex cerebral, o que constitui o local que se relaciona com os processos mentais. Já com essa verificação, que todas as pesquisas ulteriores têm unanimemente confirmado, prestou imorredouro serviço para nossa ciência”. (“- Psiquiatria Geral”)
Retomando o tema das correlações funcionais apresentadas no quadro III, é preciso notar que a percepção só desperta o interesse do indivíduo – e, portanto, só determina atenção quando associada ao processo da simbolização. São muito expressivas a esse respeito duas experiências citadas por Frances.
“Riesen criou dois chipanzés até a idade de dezesseis meses em completa escuridão, e os mergulhou, de repente, em ambiente luminoso. Pode notar neles a ausência de sinais de atividade visual, exceto o reflexo pupilar e o nistagmo. (“- Psiquiatria Geral”) Todos os componentes ligados à percepção visual -reconhecimento de objetos, da alimentação, piscamento desencadeado pelo deslocamento de objetos diante dos olhos – estavam ausentes. Hayes realizou a contraprova destas observações, com um chipanzé que educou no próprio lar. Não só o jovem animal se orientava quanto aos objetos e a lugares, mas se mostrava capaz, aos três anos de idade, de reconhecer a significação de imagens: vendo numa revista a figura de um relógio, aplicou aí o ouvido; no caso de um fracasso de bebida levou o dono à cozinha e designou o móvel em que se encontravam os vinhos”.
FENÔMENOS PSÍQUICOS E ATIVIDADE BIOELÉTRICA DO CÉREBRO
A correspondência entre atividade psicológica e dinamismo fisiológico é ainda evidenciada por novos métodos de investigação neurofisiológica e clínica. Referimo-nos ao registro das ondas bioelétricas cerebrais – o denominado eletroencefalograma. Sob o aspecto propriamente topístico, a fisiologia normal, a patologia neuropsiquiátrica e a neurofisiologia experimental demonstram que as oscilações de potencial estão ligadas à atividade funcional do córtex cerebral. Em sentido dinâmico, tem sido possível revelar a dependência da atividade bioelétrica cortical para com os núcleos hipotalâmicos. Compreende-se isto facilmente, pois as manifestações de atividades bioelétricas nada mais representam que resultante de processo vegetativo: senão correlato – necessária embora – do dinamismo psíquico, porém não decorrência direta dele. É de esperar-se que principalmente o aglomerado celular hipotalâmico que rege a vigília centralize o estímulo de atividade bioelétrica cortical; e, pelas mesmas considerações invocadas nos tópicos precedentes, que em última análise se origine do córtex cerebelar o influxo em causa. E efetivamente, Magoun, que a princípio demonstrara os efeitos de estímulos e de inibição sobre a atividade cortical, exercidos pela substância reticular, estendeu a origem de ambos os fenômenos ao córtex do cerebelo.
Quanto ao ponto de partida dos impulsos bioelétricos, admite Kornmuller apoiado na experimentação, que tal atividade – como a excitabilidade em geral – advenha dos elementos neurogliais: o extrato lipoídico do cérebro de coelhos submetidos ao choque cerebral elétrico, provocou quando injetado no animal de contraprova, acentuada ativação no eletroencefalograma do último. (“- Psiquiatria Geral”)
Inicialmente limitado às pesquisas de neurofisiologia, o traçado da atividade bioelétrica cerebral logo se transferiu para a clínica – onde constitui recurso de extraordinário alcance – sem, contudo, perder o lugar privilegiado no laboratório. Para efeitos clínicos, dois tipos de frequência normal de tais ondas representam elemento de referência: o ritmo mais lento ou α – 8,5 ciclos a 12 por segundo, e o ritmo β – 12 ciclos a 25 por segundo. Semelhantes ritmos não se distribuem indiferentemente no conjunto traçado: um deles predomina, conforme a região cerebral considerada, obedecendo, portanto, à variação topográfica. (“- Psiquiatria Geral”) Tal distribuição regional, de conhecimento corrente na clínica, pode demonstrar-se experimentalmente, graças aos estudos minuciosos de Kornmuller, como função da diversidade na estrutura das diferentes áreas cerebrais.
Examinando-se o traçado em série no mesmo indivíduo e desde os períodos iniciais da vida extrauterina verifica-se que o ritmo rápido tende a predominar à medida que aumente a idade. No caso do homem, entre o nascimento e a puberdade no sentido do padrão lento para o rápido. Está demonstrado que esta aceleração no ritmo acompanha o processo de mielinização do manto cortical; mas outros fatores interferem por certo para acelerar a frequência da atividade cortical, pois mesmo até os 10 anos de idade não é excepcional que o ritmo fique abaixo de 7 ciclos por segundo. Possivelmente, acreditamos nós, a subordinação do córtex aos dinamismos reguladores subcorticais representará uma dessas condições. A partir da adolescência, em condições normais, o traçado assume o feitio próprio a cada indivíduo. Pode então definir-se – quanto à atividade básica – como de tipo α ou β, isto é, como dominado pelos ritmos que Berger descrevera, ou então como rápido ou como lento. A esse último tipo, em que a frequência é inferior a 8 ciclos por segundo, os autores, em geral, denominam δ (delta); cumpre, porém, lembrar que G. Walter emprega distinção muito mais precisa e reserva a designação δ para a frequência inferior a 4 ciclos, denominando θ (teta) à faixa de 4 ciclos a 7 por segundo. Semelhante classificação não é ociosa, como parecia ante as primeiras investigações clínicas, pois encerra problemas de ordem psicofisiológica, segundo logo diremos rapidamente. Recentemente Gastaud identificou outro ritmo, próximo de nove por segundo, a que chamou β.
Além da variação regional – ou seja, segundo a topografia do córtex cerebral – o individual a que agora aludimos, o eletroencefalograma pode alterar em função de condições fisiológicas especiais. Assim é que durante o sono as ondas bioelétricas se vão tornando mais lentas à medida que progride a fase de repouso cortical, como dissemos atrás, e aumentando em voltagem; ao retomar-se a atividade psíquica, próximo ao despertar-se muitas vezes em coincidência com a produção de sonhos, voltam a predominar as características individuais da vigília. Este reaparecimento se faz por surtos cada vez mais próximos, em que se modificam ora a frequência, ora a voltagem, e que constitui indício do tipo e da fase de sono. Também a influência sobre a atividade bioelétrica do córtex permite distinguir vários tipos de drogas que se utilizam como anestésico ou como hipnóticos; as que atuam eletivamente sobre o córtex – tais os brometos, por exemplo, as que diminuem a atividade cortical mediante a ação sobre os núcleos diencefálicos, enfim as que bloqueiam ou impedem o trabalho sensorial mediante a atuação sobre os núcleos correspondentes sem entretanto agir sobre os núcleos da vigília e, portanto, sem interferir com as ondas corticais. Outras substâncias, ainda estimulam o trabalho cortical, quer diretamente, quer através dos núcleos vegetativos do hipotálamo – o que igualmente se reflete na alteração do traçado cortical.
Inferências clínicas e psicofisiológicas – Essas três modalidades de modificação do traçado, a flutuação fisiológica, a variação individual e a distribuição topográfica das ondas, têm permitido conclusões de suma importância para a clínica e para o conhecimento do dinamismo psíquico. Mais recentemente encontrou novo campo de aplicação: o estudo dos fenômenos chamados reflexos condicionais. Nesta exposição só diremos, e em breve apanhado, daquelas consequências diretamente ligadas ao tema em consideração.
O primeiro campo clínico da aplicação do eletroencefalograma tem sido, desde o início, a epilepsia, em sentido amplo. Já as primeiras pesquisas, entre elas principalmente as dos Daves, dos Gibbs e de Lennox, estabeleceram correlações entre anormalidades do ritmo bioelétrico cerebral e manifestações – explícitas ou latentes – filiáveis ao tipo epiléptico. (“- Psiquiatria Geral”) com o avolumar-se dos dados clínicos, os autores referidos puderam mostrar que essas alterações, por eles denominadas disritmia, traduzem tendência heredológica para convulsões, presente mesmo em pessoas clinicamente livres destas. A tal respeito, o método de estudo dos gêmeos permite conclusões precisas. Citamos apenas o estudo monográfico mais recente da escola de Lennox, desta série. A pesquisa reunia então 200 pares de examinados, gemelares iniciada há cerca de 30 anos. Deixando de parte 27 pares cujo estudo longitudinal não está completo, investigam Lennox e Jelly não só a incidência dos tipos de disritmia. Nos 340 indivíduos relatados, havia “surtos paroxísticos de ondas com alta voltagem e de lentidão ou rapidez anormais (descargas convulsivas) em um termo ou em ambos dentre 105 pares de gêmeos”. Desses pares 30 eram monozigóticos e livres de alterações cerebrais: nesse grupo, a concordância quanto a disritmias paroxísticas – todos os tipos em conjunto – foi de 77%, contra apenas 4% nos restantes 75 pares. Quando consideradas apenas as disritmias mais características, de ondas em espícula a 3 ciclos por segundo, estavam elas presentes em 32 pares, dos quais 16 monozigóticos sem lesões cerebrais: a concordância no primeiro grupo se elevou a 94% e permaneceu em 6% no outro. Ao contrário quando não havia descargas bioelétricas ou a anomalia constava só de lentidão ou rapidez – o que se verificou em 23 pares, dos quais 20 da primeira categoria – a concordância intragemelar se apresenta como de 80% e 30% respectivamente. E acrescentam os autores: “Há ainda um ponto especialmente convincente. Em gêmeos monozigóticos sem evidência de lesões cerebrais a configuração das ondas em espículas a três por segundo é idêntica até em várias minúcias, como distribuição pelos diversos eletrodos, amplitude relativa de espículas e ondas e contornos de ondas”. A concordância elevada de determinado traço em gêmeos monozigóticos exprime, como é de reconhecimento unânime, que ele corresponde a fenômenos genéticos.
Mais do que essas varrições individuais que de alguma forma refletem o componente genético da personalidade, e às quais ainda aludiremos de passagem, as varrições fisiológicas da atividade bioelétrica se prestam a correlações psicofisiológicas. E a própria ausência das modificações previsíveis em determinadas situações psicológicas leva a conclusões diagnósticas. Vejamos apenas duas ordens de considerações:
- O estado normal de vigília se caracteriza, no traçado cortical bioelétrico, pela incidência dos vários ritmos, sem distribuição harmônica, segundo lembramos. A flutuação que se verifica nas diferentes frequências exprime então as variações fisiológicas da tensão emocional, da atenção, dos chamados estados de consciência. No probando que cochila ou que é sujeito a momentâneos lapsos de consciência, estes instantes se traem pelo aparecimento de breves surtos de ondas lentas – menos de 4 por segundo – especialmente ao nível da região frontal. A generalização deste fenômeno como foi dito, retrata o sono normal. Mais precisamente: retrata a inatividade das funções intelectuais, pois igualmente aparece sob a ação dos medicamentos depressores das funções corticais ou nos estados de coma quer espontâneos, quer induzidos deliberadamente como no tratamento pela insulina, pelo cardiazol, pelo choque cerebral elétrico. (“- Psiquiatria Geral”) Entretanto, durante o chamado “sono” hipnótico semelhantes alterações bioelétricas não se produzem. Isto demonstra que esse estado – como temos acentuado em outras ocasiões – não corresponde ao sono na acepção correta do termo. Se em seguida o paciente não for “despertado”, isto é, se não se desfizer a condição de polarização afetiva, passará ele a dormir realmente, como é sabido: e então o traçado revelará as modificações peculiares de ritmo e amplitude. Em recentes pesquisas em hipnose médica surgiram efeitos eletroencefalográficos que parecem contradizer a asserção de que a sugestão hipnótica não induz o ritmo lento. Segundo os autores de tais estudos, quando a hipnose atinge estágios profundos surge o tipo de pulsação bioelétrica peculiar ao sono. Tais achados merecem ser discutidos mais de espaço, o que não seria aparente, acreditamos. Basta lembrar que é possível induzir-se a hipnose, mesmo quando o paciente está dormindo e que, por outro lado, como foi dito, o hipnotizado pode entrar em sono fisiológico: o ritmo lento, nesse caso, será expressão deste último estado e não da hipnose.
- As ondas alfa aparecem de modo mais constantes e mais definido ao nível do córtex occipital, onde adquirem impressionante regularidade. (“- Psiquiatria Geral”) Na opinião da maioria dos neurofisiologistas, constituem ritmo de repouso intelectual e, no consenso unânime, são momentaneamente bloqueados pelo trabalho sensorial da visão. Efetivamente, o estímulo visual as interrompe de modo tão nítido que a incidência dele pode ser acompanhada no traçado correspondente. Parece fora de dúvida que não é simples incidência de feixe luminoso que bloqueia a atividade alfa: experiências concludentes, bem discutidas por Bertrand e colaboradores, mostram que o fator principal aí é o esforço intelectual para divisar formas. De resto, outras esferas sensoriais – audição, tacto, musculação – também dão margem à inibição do ritmo quando estimuladas. Sobressai, então o ritmo β, por isso interpretado como equivalente bioelétrico da atividade intelectual.
Nessa mesma ordem de ideias temos o comentário de Adrian: “O ritmo pode ser considerado, portanto, como ligado à falta de atenção; surge em outras regiões do cérebro (além da occipital e da parietal) que são interessadas pela atividade mental pois que a atenção solicita a atividade alhures (no texto se volta para alhures).
Quando a visão se acha normal há sempre qualquer coisa que atrai a visão, mesmo que a atenção predominante mobilize outras zonas (no texto: se volte para alhures), e por essa razão está, como norma, ausente quando estamos despertos. Mas à medida que somos tomados pelo sono fica mais difícil concentrar a atenção – e o ritmo se estabelece mesmo que os olhos estejam abertos; quando depois começamos a adormecer, o ritmo domina o cérebro por certo tempo e enfim é substituído por ondas lentas irregulares quando o sono se torna profundo”. (Explicação nossa entre parênteses)
A ausência de resposta inibitória quando o examinando recebe estímulos assume, portanto, grande importância diagnóstica e mesmo doutrinária. Assim, quando o estímulo luminoso deixa de bloquear a atividade ao nível do lobo occipital em um hemisfério apenas, pode afirmar-se que ocorre hemianopsia. Por outro lado, já se pode demonstrar que os estímulos térmicos, tácteis e musculares em pacientes histéricos com hemianestesia e com hemiplegia funcionais, deixam de acarretar no traçado eletroencefalográfico a resposta inibitória quando aplicados aos segmentos corporais que constituem sede dos sintomas. Como aduzem os autores citados, “semelhantes observações parecem oferecer um critério objetivo quanto à realidade biológica das anestesias simuladas”.
A sensibilidade das ondas α aos estímulos sensoriais e ao esforço mental constitui, de certa forma, dificuldade técnica no estudo de estímulos condicionais na acepção de Pavlov. Tal óbice pode ser contornado pelas pesquisas de Gastaut e colaboradores: “Nessas pesquisas o progresso consistiu em utilizar o ritmo α, mas outro da região rolândica melhor localizado e passível igualmente de ser condicionado”. Tal ritmo – de 9 ciclos por segundo, aproximadamente – “individualizado por Gastaut (1952) e, em razão da forma, denominado por ele “ritmo em arcos”, está presente em alguns pacientes, nessa região (rolândica). ” Apresenta “a preciosa peculiaridade de se bloquear com predominância contralateral e independentemente de qualquer bloqueio de, quando se aplicam ao paciente estímulos cutâneos ou cenestésicos; e esta reação é facilmente condicionável”.
Muito embora os trabalhos de eletroencefalografia clínica tenham desde o início revela indiscutível valor diagnóstico – e o livro agora citado, de Bertrand, Delay e Guillain constitui magnífico exemplo -, não nos parece justificável basear nessa técnica diagnósticos psiquiátricos gerais. “Temos procurado mostrar que quadros eletroencefalográficos tão frequentemente referidos em esquizofrênicos, em psicopatas e pacientes de outros grupos significam simplesmente que o referido indivíduo, doente ou “normal” pertence de modo direto ou remoto ao ciclo epileptoide. Investigações heredológicas efetuadas mais a fundo – de acordo com a acurada concepção de Kleist – poderiam confirmar esta interpretação, o que tem de fato ocorrido”. Nesse mesmo sentido se exprime Hill, ao apreciar “a eletroencefalografia como instrumento de pesquisa psiquiátrica”: “Parece mais provável que nunca, que os fenômenos eletroencefalográficos reflitam atividade do sistema nervoso em nível funcional relativamente alto e que se comprovem definitivamente como úteis para a compreensão do comportamento. Até certo ponto o progresso tem sido retardado pela preocupação com rótulos diagnósticos e com grupos clínicos, o que tem impedido apreciação psicofisiológica mais profunda”.
Fugindo a essa diretriz ilusória de relacionar atividade bioelétrica com quadros psiquiátricos pode Hill demonstrar nos pacientes em estudo o paralelo entre (dinamismos psicológicos e alterações do eletroencefalograma. Para isso foi necessário substituir o conceito genérico de “disritmia” por outro mais rigoroso: As anormalidades nos EEG consistem em (i) ausência, excesso ou anomalia na produção de um dos ritmos, (ii) presença de ritmo inesperado em determinada área, não comum; (iii) atividade de frequências mistas, combinadas de modo a formar “complexos” quer em uma área isolada, quer difusamente em todas as áreas”. (pag. 165. Aspas do original).
Dos estudos em larga escala chegou a correlações que procuraremos resumir, quanto aos ritmos α, β, e δ (menos de 4 ciclos por segundo) e θ (de 4 a 7 por segundo), respectivamente: “mecanismo de atenção visual e pensamento mediante imagens visuais”, mecanismo de início de movimento voluntário e aptidão (preparedness) para agir”, “transtorno da consciência e, quando generalizado, estado de inconsciência”; e finalmente “excitabilidade da substância cinzenta do tálamo e do hipotálamo e, pelo aspecto psicológico associação com o lado emocional da atividade psíquica”. Em outro local da exposição acrescenta Hill: “A resposta eletroencefalográfica a um estímulo afetivo no adulto é semelhante à que é determinada pela percepção ou pela imaginação: surto de bloqueio de α. À tensão emocional crônica se associam o bloqueio persistente de α e a difusão do ritmo rápido. Pode haver também aumento da atividade β na região central. Isto significa atenção constante e com prontidão (readiness) para a atividade motora”.
Em concordância com esta interpretação da atividade θ, Faure pode demonstrar, de maneira notável, que o chamado “choque cromático” – “choque afetivo”, em nosso entender – ante pranchas de Rorschach desencadeia surtos com esse ritmo.
As considerações precedentes, que não seria possível fundamentar neste apanhado, mostram que existe realmente correlação – ainda não explorada suficientemente – entre processos psicológicos e manifestações bioelétricas do cérebro.
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