Psicoses do grupo paranoide de Kleist

PSICOSES DO GRUPO PARANOIDE DE KLEIST1

O termo paranoide na acepção de Kleist tem um sentido diferente do termo paranoide na psiquiatria em geral. Os autores falam em paranoide quando se trata de uma psicose esquizofrênica do tipo delirante, ou de uma reação delirante, porque não há uma diferenciação nítida entre o desenvolvimento alucinatório delirante e o processo delirante na acepção comum dos psiquiatras.

Kleist chamou Paranoide um grupo marginal ou atípico em relação à Paranoia, descrita desde Kraepelin como um distúrbio em que há conservação geral da personalidade, há um estímulo afetivo excessivo, uma auto-apreciação muito grande, característica do paciente, e principalmente, porque não há distúrbios alucinatórios e como não há também decadência mental, o indivíduo se conserva até o final da vida plenamente íntegro, sem ter nenhum distúrbio demencial.

Kleist abordou, em 1911, a chamada paranoia aguda de Thompson. Ele mostrou que a paranoia aguda não é realmente uma paranoia, é um quadro delirante agudo, marginal às formas progressivas, de maneira que tem um decurso benigno, resolve-se habitualmente bem em pouco tempo ao passo que as outras formas são permanentes.

Na Paranoia, no sentido clássico de Kraepelin, há duas modalidades fundamentais de delírio: aquele que tem um sentido persecutório e outro em que há expansão como característica, a forma expansiva. Kleist mostrou que tanto a forma persecutória como a forma expansiva aparecem como característica fundamental em certos quadros mórbidos que regridem totalmente, que são as formas benignas que ele começou a distinguir desde 1908, quando ele isolou o grupo das psicoses benignas da motilidade que tinham sido descritas por Wernicke. 

A partir daí desenvolveu uma série de grupos clínicos, entidades bem definidas que tem todos em comum o fato de terem uma origem genética. Isto é, aparecem como formas endógenas, portanto autóctones (como ele chamou), não dependem de nenhum estímulo patológico, nem dependem de circunstancias quaisquer, lesionais ou outras. Esses grupos todos têm em comum o fato de serem reversíveis, de não deixarem nenhum traço depois da incidência da fase aguda embora tenham uma possibilidade de repetir-se, como na chamada Psicose Maníaco-Depressiva”, por fases que podem ser similares à anteriores ou fases distintas entre si e, às vezes, com polos opostos. 

A primeira classificação que Kleist fez dessas formas psicóticas do grupo benigno, publicada em 1928, foi uma em que ele fez uma comparação com as formas clássicas, conforme se mostra no Quadro I.

Confronto com as endógenas constitucionais, publicado em 1928. Adaptado em 1943 – Revisão em 1971.

Notem as várias formas clássicas conhecidas: havia a paranoia, como um elemento mais progressivo, e a forma benigna por excelência, conhecida como psicose circular, em que aparecem períodos de agitação (não só agitação, mas expansão) e períodos de depressão, é o característico da mania e da melancolia, chamadas “doenças do humor” pelos alemães.

Kleist mostrou que há um grande grupo de psicoses que se filiam a essa tendência genética para psicose circular, mas que não são PMD, não são nem mania e nem melancolia: ele as denominou de Psicoses Cicloides porque é o adjetivo que se presta mais para derivação de “circular”.

No primeiro apanhado que ele fez, incluía como psicoses confusionais, a Confusão Agitada e o Estupor, depois ele descreveu fases distintas de agitação confusional e de confusão estuporosa. Quanto às Psicoses da Motilidade ele conservou até o final como dois tipos, duas fases distintas – a forma hipercinética e a forma acinética. Finalmente, o que ele chamou de Psicoses da Individualidade que são formas que correspondem à Confabulose Expansiva, que ele manteve até o final, e a Hipocondria, que depois ele desdobrou em Agitação Hipocondríaca e Depressão Hipocondríaca. A segunda classificação que ele fez, apareceu mais tarde, em 1947.

As Psicoses Paranoides têm as duas modalidades: expansiva e persecutória também, mas a expansiva é caracterizada por um aspecto fundamental que é a inspiração, quer dizer o estímulo afetivo, a tendência para a expansividade e ao mesmo tempo concepções delirantes que são um pouco distintas da forma da paranoia propriamente. Aparecem como um quadro agudo e com essa característica fundamental. 

A psicose que ele chamou depois de Alucinose Aguda que se distingue da forma progressiva de alucinose que é a esquizofrenia, tem como característico o aspecto de ser persecutório. Há, portanto, uma analogia entre a Paranoia Expansiva e a Psicose Paranoide de Inspiração Aguda e entre a forma persecutória da paranoia, delírio persecutório, e a forma de Alucinose Aguda que também é persecutória, persecutória porque o indivíduo se sente alvo de atividade dos demais, geralmente com fim persecutório. 

Depois ele isolou a Psicose de Referência, que também é aguda e a Psicose de Estranheza: o indivíduo não reconhece o lugar onde está e é um quadro que aparece como uma crise no curso normal da sua vida. Isto é distinto de certa sensação de estranheza que alguns epilépticos têm – e epiléptico, às vezes, tem uma sensação de estranheza, numa situação qualquer, mas é uma coisa passageira, não constitui um quadro clínico como no caso da Psicose de Estranheza. Posteriormente, foram acrescentadas outras formas.

Com relação às Psicoses Epileptoides temos os Estados Crepusculares Episódicos, com duas modalidades de sensação, o já vivido (que é o oposto da estranheza) e a perplexidade como elemento característico, mais próximo da estranheza, mas distintas, ligadas com a carga genética para a epilepsia (nas formas paranoides é menos característica esta ligação com a gênese epiléptica). Os Estados Hipnicos Episódicos e os Impulsos Mórbidos Periódicos, o impulso deambulatório, chamado de poriomania, ou o impulso de beber, ou dipsomania, além de outros impulsos periódicos, que são formas marginais da epilepsia porque têm em comum, a tendência genética para a epilepsia, mas clinicamente aparecem distintos do quadro da epilepsia, mesmo porque não há convulsões a não ser que apareçam tardiamente.

Mais tarde ele reformulou esta classificação e ampliou o grupo das paranoides como se mostra no Quadro II.

  1. Observação – ordem modificada na presente tradução. Comparação entre as sucessivas classificações (adaptação de 1970)

 Na primeira coluna à esquerda, está a segunda classificação que Kleist fez em 1947. Ele fez uma modificação incluindo todos os grupos das psicoses afetivas, todas elas, quer as que tinham evolução por fases e as que tinham evolução por surtos.

Assim, temos a doença maníaco-depressiva do humor, que não foi ele que descreveu; as Psicoses da Motilidade hipercinético-acinética (como se fosse uma psicose de duas fases distintas, dois polos), a Confusão Estuporoso-Agitada, a psicose delirante ansioso-extática. Essa forma delirante é a que tem um aspecto de ansiedade, e outro de êxtase, portanto, com duas fases e uma outra que tem uma fase única, ou monofásica.

A Psicose Ansiosa se confunde muito com a Melancolia Ansiosa, mas se distingue por vários característicos que são importantes na descrição clínica, pode haver tambem uma confusão com a Psicose de Referência, que também é ansiosa.

A Depressão Hipocondríaca ele isolou da Agitação Hipocondríaca, que descreveu como sendo unipolar, ao passo que as outras duas psicoses anteriores – Psicose da Motilidade e a Confusão Mental -, têm os dois polos que podem manifestar-se em épocas distintas da doença – aqui são dois polos distintos, não há uma hipocondria agitada estuporosa, há formas distintas entre si. A melancolia ansiosa tem esta característica, a depressão hipocondríaca é uma forma distinta, são monofásicas todas elas. A psicose de estranheza que ele tinha estabelecido e depois suprimiu, a psicose de interpretação, que é perplexa e distinta da psicose delirante, a psicose de beatitude que acredito como sendo uma concessão ao trabalho de Leonhard que tinha criado a psicose de beatitude ansiosa e beatífica. Kleist admitiu isto, mas depois suprimiu a psicose de inspiração, que já estava desde o início, que é extática, com êxtase, a confabulose expansiva e a agitação hipocondríaca. Ele acrescentou, então, a confabulose que não estava no início, e as outras formas todas que constituem um total de 13 formas fásicas sem contar aquelas três epileptoides – as fásicas são 13 formas características, de Kleist.

Em 1953, quando ele publicou uma classificação que abrangia todas as condições neurológicas, psíquicas, psiquiátricas, psicopáticas, todas as manifestações clínicas, num contínuo, ele isolou no grupo das psicoses bipolares ou multifárias as doenças anteriores, conservou todas elas, a P.M.D., a psicose da motilidade com as duas fases, a psicose confusional com as duas fases, e a delirantes ansioso-extática, ele não apresentou como bifásica ou bipolar, mas incluiu a psicose de interpretação com dois aspectos, ansiedade e êxtase, criando a psicose de interpretação ansioso-extática (ele reformulou depois isso, como nós veremos, dividindo em dois grupos distintos). As formas monopolares, unipolares ou simples, inclui a melancolia que já era forma clássica conhecida, a psicose ansiosa se manteve, a melancolia ansiosa, ele deixou de mencionar mas depois restabeleceu em 1960, que geralmente é um quadro clínico bem definido, a psicose de referência ansiosa, que foi mantida – mais tarde ele restabeleceu como independentes, a melancolia ansiosa e a psicose de referência ansiosa, a depressão hipocondríaca ele manteve; o estupor depressivo ele manteve ainda e mais tarde o desdobrou como vamos ver a seguir; suprimiu a psicose de estranheza e a psicose de interpretação – mais tarde reformulou, mantendo estas duas entidades clínicas; a mania já anteriormente conhecida, foi mantida, suprimiu a psicose de beatitude e mais tarde incluiu a alucinose ansiosa que não estava incluída neste grupo; a psicose de inspiração extática ele manteve e a agitação hipocondríaca também.

Todas estas formas têm uma existência real, nós as encontramos frequentemente na clínica, basta estarmos prevenidos para este tipo de patogênese, e analisarmos o quadro patogenicamente e não só pela descrição.

Em 1960 ele reformulou, este quadro que foi publicado postumamente, ele fez, tinha feito um estudo com Saige e Saige verificou em dois hospitais, um de mulheres apenas, de crônicos, e um para homens, procurou verificar a ocorrência das formas de Kleist; publicou um trabalho volumoso de mais de 50 páginas e, então, apresentou (seige0 a classificação que Kleist tinha refeito.

Vemos, então, esta classificação (1960) – em vez de chamar a estes grupos de monofásicos e bifásicos, ele deu outra classificação que nós vemos agora, dividindo as formas amenciais, formas afetivas, formas delirantes e formas da motilidade, grupo I, II, III, IV. Como ele tinha posto a classificação anterior, de 1953, para confronto, eu modifiquei também, a disposição das psicoses apenas para mostrar a correlação, pois são todas elas as mesmas que já tinham sido publicadas anteriormente. Vemos, que todas elas já foram vistas, antes, as cicloides, as paranoides nós vamos ver hoje, temos a psicose ansioso-agitada (notem que há a psicose ansiosa e a psicose ansioso-agitada) que é distinta da psicose de referência, que é ansiosa também e da melancolia ansiosa. (Vamos ver depois porque é diferente), a depressão hipocondríaca, ele manteve ainda; e o estupor depressivo que ele desdobrou em depressão ansiosa com estupor e a depressão ansioso-estuporoso-agitada – numa delas tem a possibilidade de apresentar-se como estupor ou como agitação e, às vezes, no mesmo paciente aparecem o estupor e a agitação – esta forma corresponde àquilo que os antigos chamavam de mania estuporosa ou melancolia agitada – são formas que foram definidas apenas pela aparência geral, mas que, patogenicamente, são distintas entre si (depois vamos ver por que motivo).

A psicose de estranheza, que ele reconstituiu, a psicose de interpretação perplexa, que ele também reconstituiu, a psicose de beatitude ele não manteve mais, tinha suprimido já em 1953, a alucinose ansiosa ele acrescentou no grupo das paranoides, a psicose de inspiração já estava conhecida anteriormente, também assim a confabulose expansiva e a agitação hipocondríaca. As formas, portanto, paranoides, seriam estas, que nós vamos ver rapidamente hoje, – algumas delas são conhecidas, nós vamos mencionar um pouco antes. São formas atípicas, nós as reunimos em outro quadro mostrando porque a atipia.

Antes de descrever as formas clínicas, vemos que patogenicamente, há uma distinção entre elas. 

Esboço de esquematização quanto ao dinamismo cérebro-patogênico, 1958 (revisão em 25/07/1969) – A. Silveira

Notem quanto à patogênese – aqui são todas as formas diatéticas, inclusive as formas cicloides e as formas epileptoides. O que interessa hoje para este grupo de psicoses em que há concepções delirantes, porque participa delas a esfera intelectual. Naquelas cicloides predominam a esfera afetiva de preferência. Muitas nós já mencionamos anteriormente e não vamos voltar hoje – são aquelas da afetividade predominando no quadro clínico dando a agitação hipocondríaca e depressão hipocondríaca, as confusionais em que há a forma agitada e a forma estuporosa, as formas da motilidade com a fase hipercinética e com a outra acinética. Nós já mencionamos antes e não vamos voltar a falar delas hoje.

Deste grupo que corresponde a formas delirantes fásicas, abrange um grupo em que há o elemento fundamental, por ser delirante e paranoide, em intelectual – a patogênese é intelectual. Mas esta patogênese intelectual se traduz no quadro clínico através de sistemas diferentes, então, temos as formas em que prevalece a afetividade, é o caso da psicose de estranheza que é perplexa (aqui há o elemento de estranheza, que é a falta de relacionamento com o mundo exterior, que dá a impossibilidade do indivíduo de se situar no momento e daí vem esta sensação angustiante de estranheza com perplexidade devido a este mesmo fator – o indivíduo não consegue corresponder o que se passa no mundo exterior) – então o colorido fundamental é intelectual, mas a esfera que dá o colorido clínico é a afetividade e participa também diretamente a conação neste processo de relacionar os aspectos entre si. Logo, os três dinamismos são inseparáveis em qualquer contato com a realidade exterior, mas clinicamente prevalece um determinado setor ou uma esfera da personalidade.

Pergunta (não transcrita). Resposta: é, geralmente aqui há fator conativo – ligação com a epilepsia que é o elemento conativo, mas o quadro clínico decorre da interferência direta da conação neste processo de contacto com a realidade, daí, então, a perplexidade, nós vemos pacientes, mesmo em Souzas, que têm dificuldade em compreender o que se passa com eles – um paciente no primeiro momento disse que o que ele queria dizer não acompanhava o pensamento, depois quando estava melhor, disse que custava compreender, não conseguia compreender – então, não sabemos o que estava em jogo, a perplexidade ou de fato esse processo de dissincronização entre a expressão verbal e o pensamento. A estranheza perplexa é um pouco diferente da referência, em que há também ansiedade, em vez de perplexidade é a ansiedade que predomina no quadro, e o aspecto de referência é fundamental, quer dizer, é a inteligência que dá o colorido mais típico a esta psicose. 

Há uma diferença entre referência e perplexidade não só porque as duas coisas se referem ao mundo exterior, mas na referência o indivíduo relaciona as coisas consigo mesmo, e na estranheza ele não consegue relacionar consigo, então, são dois polos distintos no contato com a realidade exterior (normalmente falseada). 

As psicoses delirantes são as que a inteligência dá o característico fundamental, então, são mais concordantes porque a esfera que patogenicamente interfere, no caso, é a intelectual, o sistema que apresenta o quadro clínico como característico é também intelectual, mas num grupo entra a afetividade como sintoma patogênico, temos, então, a forma delirante que é ansioso e extática no mesmo tempo – é delirante, portanto, é a elaboração intelectual que está em jogo no quadro clínico mas há um colorido ansioso e, às vezes, momentos de êxtase que revelam de certa maneira, uma incapacidade de relacionar com o mundo exterior – é a afetividade que leva a esta dificuldade.

A inspiração é também delirante, mas parte do indivíduo para o mundo exterior e o colorido conativo dá o colorido do êxtase, esta ruptura momentânea com a sequência da elaboração mental e o indivíduo fica em dificuldade em resolver, fica em estado quase de dissociação, de desagregação como o mundo exterior.

Nós chamamos de construção, porque aqui está em jogo a elaboração mental no plano mais diferenciado. Neste grupo nós temos as três formas de Kleist que são a intepretação perplexa – a perplexidade dá o colorido intelectual do quadro, embora seja também intelectual, mas num nível diferente destes, o da delirante, que é apenas ligado com a percepção aqui com a elaboração mental, com a dedução, com a indução. A interpretação dos dados se torna, então, perplexa, às vezes. Isto é característico de todas as formas delirantes no início do surto – os franceses chamaram a atenção para isto, aquela fase que chamavam de ruminação, em que o indivíduo fica perplexo, sem compreender o que se passa com ele – é uma fase que precede a exteriorização do delírio (nas formas progressivas) – aqui só aparece como um dinamismo agudo, benigno, que regride totalmente. 

As confabuloses também é a produção, portanto, é o fator conativo que está em jogo e há um aspecto afetivo que é a expansão, expansividade.

Na alucinose há o elemento ansiedade que traduz a participação no quadro, então, embora seja uma psicose geneticamente ligada com a esfera intelectual e no dinamismo também a esfera intelectual também participa diretamente, há uma graduação nestas psicoses, se nós quisermos analisar o quadro clínico, uma graduação no sentido que numa predomina a afetividade, noutra a conação, e noutra a inteligência como fundamental característica no quadro clínico. 

Se nós virmos, assim, apenas separados, parece apenas um arranjo esquemático, mas na realidade, nós encontramos isto com muita frequência no quadro clínico e se nós tivermos a atenção voltada para este aspecto, nós não deixamos passar muitos sintomas que, às vezes, parecem secundários, mas são característicos no quadro e que permitem a diagnose diferencial correta. A patogênese é que é a razão de ser. 

Aqui nós temos as formas fásicas, só as fásicas, foi a última formulação de Kleist, esta que apareceu postumamente.

Observações: deslocamos o grupo do 4.° lugar para o 2.°. Esta não é a ordem originária das psicoses do grupo. Consideramos o quadro de psicose delirante ansioso-extática como combinação das formas simples: alucinose ansiosa e psicose perplexa de interpretação.

Notem, então, que ele dividiu em psicoses do humor, psicoses hipocondríacas, que ele desdobrou destas do humor, as psicoses afetivas, distintas da hipocondria, e as afetivas delirantes que têm um característico particular, finalmente as amenciais.

Ele procurou mostrar esta relação que há entre as esferas da personalidade, no sentido de Wernicke, que ele adotou, modificado por ele, em que há a esfera tímica (…a reação afetiva em conjunto), a esfera autopsíquica, a esfera alopsíquica, a esfera cenopsíquica (com relação à realidade). Ele, então, distinguiu os vários níveis, chamando o grupo das psicoses do humor que são aquelas em que aparece um distúrbio global da personalidade, a psicose se caracteriza por uma modificação total do psiquismo, a melancolia, a mania, e a melancolia ansiosa, e a forma mista, a PMD que ele chamou doença maníaco depressiva do humor, é o termo que os alemães usam, em geral. Nós já mencionamos isto anteriormente, e não vamos voltar a isto. 

As psicoses hipocondríacas – nós deslocamos no grupo – eram a quarta na ordem e passamos para o segundo lugar, porque está entre a forma global do humor e as formas afetivas – aqui é uma relação muito primitiva e é ligada com o próprio corpo do indivíduo. Nós temos, então, a depressão hipocondríaca e a excitação hipocondríaca. O característico é que tanto uma quanto a outra tem como fundamental as sensações viscerais – o indivíduo sente como não tendo vísceras como no caso da síndrome depressiva de Cotard.

Pergunta (não transcrita). Resposta – a depressão e a agitação é o comportamento do indivíduo na parte afetiva, mas o comum é a sensação visceral, o indivíduo sente que não tem vísceras, foram trocadas as vísceras e que de certa maneira aparece nas formas progressivas, nas chamadas somatopsicose, é que a parte vegetativa é o conjunto da concepção delirante, mas no mesmo tempo agitação ou depressão de acordo com o tipo, com o impulso afetivo no sentido da expansão ou no sentido da inibição. Há aqui, então, uma queixa hipocondríaca, como acontece na hebefrenia também, mas a grande distinção é que na hebefrenia o elemento é discordante, a forma expansiva e a forma depressiva da hebefrenia também apresenta queixas somáticas, o indivíduo sente o corpo dividido, não é mais o próprio corpo, foi modificado, mas não é a superfície externa do corpo, não é o esquema do corpo que foi alterado, e sim a sensação visceral – é interoceptiva e não proprioceptiva (proprioceptiva é ligado com o próprio corpo, sensação muscular, e a interoceptiva que é ligada com o mundo visceral) no caso a hipocondria se refere às vísceras, inclusive o cérebro, o indivíduo se queixa que o cérebro não funciona mais, que está substituído, que está atrofiando, enfim, de acordo com a cultura que o indivíduo tem, pode apresentar uma explicação delirante (é afetiva – Landini) é afetiva, afetiva, mas como este característico particular de ser a própria versão vegetativa. Corresponde, então, não à timopsique, mas à somatopsique, no caso de Kleist, das esferas de Kleist.

As formas afetivas propriamente nós temos um característico com esta, porque há uma ansiedade muito grande, que também acontece na depressão hipocondríaca, não só queixa de…… mas também uma ansiedade, o indivíduo sofre realmente esta situação, não é uma formulação abstrata como acontece nos casos da assim chamada histeria em que o indivíduo não liga muito a relação das queixas que está com a situação do humor; aqui não, na hipocondria o paciente sofre com isto e há uma distinção para com a forma progressiva da esquizofrenia – a hebefrenia depressiva. Na psicose afetiva a ansiedade predomina no quadro clínico, então, há uma concepção delirante que é mais acentuada do que nas formas hipocondríacas…

Nas formas hipocondríacas simplesmente, um delírio mais estruturado, há uma agitação e no mesmo tempo uma ansiedade muito grande. O característico fundamental, então, é que reúne esses três aspectos, mas é diferente da depressão porque aqui, é o elemento delirante que predomina no quadro. Nós vamos ver também que acontece esse aspecto na psicose ansiosa que tem um componente estuporoso ou agitado. Esta forma, a psicose ansiosa agitada que ele descreveu antes, há o colorido da ansiedade que é muito grande, acentuado, e que é a causa de o paciente ficar perambulando, ele não pode estar num lugar devido à ansiedade, não é como no caso dessa outra, a psicose ansiosa estuporoso-agitada, que a agitação faz parte do quadro clínico sem ser por ansiedade simplesmente, quer dizer, a ansiedade é secundária no estado de agitação e estupor. Na forma ansiosa (agitada) a agitação é que é secundária. Lá em Souzas há um paciente que tem esse quadro de agitação ansiosa, agitação, ela se queixa, notem que a queixa dela é constante, “eu posso sair? Tou bom? Posso sair? É quase um quadro epiléptico a insistência, persevera numa ordem de ideias só, mas ela tem uma certa ansiedade que é evidente, inclusive nos movimentos que ela faz continuamente e na agitação que decorre dessa ansiedade, então não é uma pessoa agitada que tem um colorido ansioso secundário, como acontece na forma estuporoso-agitada.

Na psicose ansioso-agitada o elemento delirante é importante, na depressão ansiosa prevalece o ânimo depressivo, e na psicose ansioso-estuporoso-agitada, há os dois aspectos, há ansiedade acentuada e há a ideias delirante também. Nós vimos um caso lá em Souzas desse tipo; na forma aguda nos hospitais é muito mais frequente, o indivíduo entra com um estado de ansiedade muito grande, às vezes tem movimentos estuporosos, parece um histérico, na acepção comum, e às vezes é tão acentuado isto que o indivíduo confunde com a psicose progressiva por que é um quadro muito acentuado. Nós vimos um paciente nessas condições, era um paciente (eu não sei se referi o caso ou não) que foi por sinal visto o diagnóstico por um psicoanalista, o Dr. Isaias Melsohn, a família trouxe de Minas Gerais para São Paulo, já tinham consultados todos os luminares da psiquiatria lá do Rio, em M.G. e em S.P. também vieram procurar o Dr. Isaias que por conhecimento direto, veio indicado para mim, mas como não estava naquela ocasião, estava fora, o Dr. Isaias tinha conhecimento direto com a família e a família, então, levou o Dr. Isaias Melsohn para examinar a paciente e ele diagnosticou, então, um quadro assim, um quadro benigno, não era uma forma progressiva como parecia, mas este paciente esteve internado num sanatório particular, tinha uma agitação tremenda, às vezes parecia um histérico, alguns diziam que era histeria, era um homem comerciário de uns quarenta anos, ele tinha quadros de estupor, depois se agitava tremendamente, foi posto numa cela por este motivo, ele rasgou os colchões, lambuzou de fezes toda a cela em que estava, depois depredou a torneira numa agitação tremenda e às vezes, com momentos de estupor bem acentuados. Era uma ansiedade muito grande, e uma forma delirante, ele se sentia perseguido, estavam destruindo a família dele, estavam destruindo os filhos. O Dr. Isaias Melsohn, embora analista, fez diagnóstico correto – psicose benigna de Kleist – deu prognóstico bom, de modo que isto foi contradição a todos os psiquiatras que tinha examinado o paciente – os professores de S.P e do Rio, que acharam que o quadro não havia mais nada a fazer, fecharam o diagnóstico e cruzaram os braços – o que poderia fazer? Ele propôs um tratamento de choque, inicialmente, depois cardiazol para diagnosticar o quadro clínico, e creio que ele associou insulina, não me lembro bem. Quando voltei, tempo depois, me contaram o caso, a família procurou por mim angustiada, pois o Dr. Isaias Melsohn tinha feito um diagnóstico benigno que ninguém tinha feito, e eu disse que se ele tinha feito diagnóstico de psicose benigna, podia estar certo que o caso era este pois ele conhece bem os quadros clínicos – e realmente o paciente levou 8 meses nesse estado e saiu completamente do surto. Vinte anos depois mandou o filho para se tratar com o Dr. Isaias Melsohn, pois reconheceu que o Dr. Isaias Melsohn tinha acertado com ele, resolveu o caso dele e ele ficou bom, voltou a trabalhar, era um comerciante de grande iniciativa, mas esta capacidade de iniciativa foi eliminada temporariamente pela psicose com grande quadro estuporoso e agitação ao mesmo tempo, para os psiquiatras também foi uma surpresa no ver ficar bom um paciente que eles tinham diagnosticado erroneamente e só podiam cruzar os braços, o diagnóstico estava fechado completamente e o paciente retornou completamente à normalidade e muitos anos depois, até 20 anos depois não recaiu no quadro novamente. 

Pergunta: É genético?

Resposta: Sim, é genético, do lado epileptoide, também no caso. 

Pergunta: Por que o cardiazol? (Landini)

Resposta: No caso do estupor, ele ficava momentos em estado de estupor – associou insulina também, quer dizer o elemento afetivo, e depois, para estimular mais, o cardiazol. Sei que cedeu mas levou muito tempo, uns 8 meses talvez, então, parecia ser progressivo o quadro, e era arrastado para este lado, em todo o caso é uma forma que se encontra nos hospitais psiquiátricos, em alguns de agudos. Conosco já seria mais difícil de encontrar, talvez fosse possível que apareça um quadro assim. 

Descritivamente pode-se confundir uma psicose ansiosa e uma depressão ansiosa, há o estupor momentâneo e a agitação também, que confunde com a forma ansiosa, agitada, mas o quadro diverge em primeiro lugar, porque esta forma ansiosa agitada pode aparecer com fases alternadas, como acontece na maníaco-depressiva, não é necessário que apareça isso, mas pode aparecer, inclusive. A forma agitada e a forma estuporosa são formas simples. Descritivamente é difícil distinguir, mas se formos procurar como se constitui o quadro clínico, não é difícil nós termos uma possibilidade de diagnóstico diferencial. 

As formas afetivas delirantes, quer dizer, afetivas porque são todas com a esfera da afetividade fundamentalmente envolvidas, são ligadas com a paranoia, por isso chamam paranoides, e são delirantes – o que as distingue das outras, é que o delírio é um elemento que constitui o quadro clínico mas não é fundamental do quadro, não é o que distingue o quadro clínico, Nessas formas temos, então, a alucinose ansiosa em que há, nós já mencionamos, ou alucinações mesmo, ou automatismo mental – o paciente começa a escutar vozes que o atormentam, nós vimos vários casos em que havia eco do pensamento, automatismo mental, portanto, às vezes, transmissão do pensamento ou recebimento do pensamento, que é o elemento mais comum nas psicose em geral, o fenômeno de automatismo mental. Mas na alucinose ansiosa este elemento alucinatório é o fundamental, quer dizer, é isso que caracteriza o quadro clínico. O paciente pode ter uma desta manifestações senso-perceptivas alucinatórias ou o automatismo mental, mas, é o essencial do quadro, e o comportamento do paciente decorre apenas disso. Às vezes, parece que está fabulando, porque são muitas as interferências deste tipo automático ou ele se baseia nestes, realidade para ele, para raciocinar, mas a técnica do raciocínio é aceitável. Na confabulose não, há a expansividade como elemento característico, no quadro clínico, e a fabulação é o que domina o quadro, então, é mais ligada ao aspecto delirante do que propriamente para o distúrbio senso-perceptivo, há mais elaboração e mais produção também. É sempre o elemento conativo que estimula, vamos dizer assim, proporciona o aparecimento do quadro, quer a alucinose, quer na confabulose, mas aqui o elemento conativo da personalidade influi na produção do contacto com o mundo exterior, falseando-o. Na confabulose é na elaboração delirante. 

Na psicose ansiosa de referência e na psicose de estranheza, nós temos dois aspectos também, como já mencionamos antes, do contato com a realidade exterior, interpretando a realidade. Ou o indivíduo atribui os fatos que se passam no exterior a alguém que está se referindo ao próprio paciente, então é referência no paciente. Os autores, os espanhóis em geral, dizem auto-referência e não é autorreferência, ele não se refere a si mesmo, a referência é a ele próprio, então referência é a si, ou simplesmente referência – tudo o que se passa ele interpreta como relativo a ele – Kleist mostra que isso é uma tendência normal do indivíduo. Se um indivíduo passa na rua, e alguém lhe chama “Doutor”, a tendência é olhar logo para ver se é com ele próprio – isso é comum – ou então, se a pessoa chama, por exemplo, “Psiu”, a pessoa automaticamente se volta para ver se é com ele que se fala. Esta tendência de referir as coisas a si mesmo, que é que dá a ligação do indivíduo com o mundo exterior pode anormalmente aparecer exagerada, dando esse quadro de referência e a ansiedade é uma consequência desta referência, não é só a referência por si própria, mas ela traz uma ansiedade ao paciente que é um elemento secundário. Há a concepção delirante não baseando necessariamente em alucinações, às vezes nós vimos que pode haver automatismo mental, ou mesmo alucinação, mas fazem referência ao paciente, não são ligadas diretamente com ele, não são vozes imperativas, porém, não são vozes que o injuriam, que depreciam ou dizem alguma coisa sobre ele, são vozes que fazem uma referência indireta a ele, ao paciente. Há, portanto, o elemento de elaboração que é o fundamental no quadro clínico.

Na psicose de estranheza nós temos o inverso, o indivíduo não relaciona os aspectos do mundo exterior com a situação dele próprio, e isso é muito mais acentuado do que acontece na epilepsia e também não é assim temporária, constitui um quadro clínico de meses, semanas ou meses, em que há estranheza da situação e há perplexidade porque o indivíduo não compreende o que se passa – o elemento conativo e o afetivo ao mesmo tempo. 

Na psicose de inspiração que há êxtase, é a psicose em que há expansão, o indivíduo se mostra como na confabulose, produtivo, relaciona tudo o que se passa com ele próprio, mas no sentido de que as ações partem dele para o mundo exterior, sente uma certa noção de grandeza, certa euforia que é característica deste quadro e não das formas delirantes em que não há esse aspecto de euforia, ou de expansão e o êxtase aqui é um êxtase não por incapacidade momentânea, mas sim, pelo excesso de estímulo em que o indivíduo fica quase desligado como acontece na mania improdutiva – vai se estimulando o trabalho mental, chega a um ponto, em que ele chega quase ao êxtase, mas não por falta de contato com o mundo exterior, mas sim por excesso de contato, em que não acompanha com o pensamento o que se passa em torno dele, ou estímulos que vêm de entorno dele. 

Na psicose perplexa de interpretação há um dinamismo comparável, à de referência, somente aqui não há referência, somente o indivíduo, é em geral, interpretando os fatos como elemento simbólico; o indivíduo fica perplexo e quer saber o que significa isso. É, portanto, no plano da simbolização que está o distúrbio fundamental. Em alguns pacientes é tão característico este quadro que chama a atenção de toda agente, quer dizer, é um comportamento estranho e quando ele volta ao normal ele descreve isso de uma forma muito precisa. Tivemos em Souzas um paciente que via uma cruz e não sabia o que queria dizer aquilo, depois, ele ia à cidade e parece que era à tarde e se apagaram as luzes, então, ficou perplexo, queria saber o que teria acontecido, que a presença dele fez apagar as luzes, estava tão preocupado em interpretar as coisas – é um caso muito característico dessa psicose perplexa de interpretação. 

E há uma outra forma, esta bipolar, múltipla, multifária de Kleist, a psicose delirante ansioso-extática, nesta se distingue da estranheza porque aqui há um êxtase também do quadro clínico, não só por ser delirante, o delírio não é secundário a este quadro de ansiedade ou de distúrbio senso-perceptivo, é concomitante e às vezes, é um elemento ligado diretamente com a ansiedade e extática. Nós vimos quadros que nós achamos que correspondem a uma fase destas e fundamentalmente à alucinose. Na alucinose nós temos um fator senso-perceptivo, ou alucinação ou automatismo mental, ansiedade muito intensa que está ligada com este aspecto persecutório, e que, às vezes, é também interpretado de modo delirante. Nós achamos, então, que este quadro delirante ansioso-extático de Kleist corresponde a uma fusão da alucinose ansiosa com esta psicose de interpretação que é a perplexa. Somam-se num paciente os dois aspectos dando, então, este quadro que Kleist denominou psicose delirante ansioso-extática. É possível que seja uma mesma psicose, quer dizer, dois grupos que se fundem no mesmo indivíduo dando a confusão estuporosa agitada em algumas vezes. A forma confusional estuporosa-agitada corresponde à sucessão de duas fases no mesmo paciente, da mesma forma que na psicose da motilidade hipercinético-acinética, pode suceder-se como fases – nós achamos que o mesmo…. que é delirante, quadro delirante de Kleist. De fato, Kleist primeiro descreveu a alucinose ansiosa que ele suprimiu e pôs no lugar a psicose de beatitude em que há ansiedade e êxtase, na terminologia de Leonhard, e depois ele tornou atrás e tornou a suprimir. E acho que esta psicose, então a psicose delirante ansioso-extática é uma fusão de duas formas distintas, de alucinose e de interpretação perplexa. 

Estas manifestações clínicas dão, às vezes, uma exteriorização que depende do paciente, na fase de inspiração, por exemplo, nós vimos indivíduos, pacientes que começavam a dirigir os carros na estrada, inclusive ele sentiu como se fosse capaz de dirigir todo o trânsito nas vias. Outro paciente, lá do Hospital do Juqueri, eu trouxe um diapositivo hoje, fazia nessa fase, em que tinha um estado de inspiração, ele se exprimia mais por desenhos, fazia desenhos complexos, muito complicados que uma análise poderia tomar como grande ponto de partida para interpretação – segue projeção do desenho feito pelo paciente referido

Bem, de fato, é difícil porque os animais estão aqui invertidos, é uma folha de anamnese, em que ele fez o desenho. Eu não trouxe hoje, mas ele produziu uma infinidade de desenhos, em cada fase que ele tinha produzia o mesmo desenho. O mesmo tipo, o fundamental, é a mesma coisa. 

Este paciente, nesta fase, tinha inspiração, ele se dizia descendente dos condes de Bandino, Conte de Bandino, lá na Itália. Ele era italiano, e aqui está a mãe dele, tem um símbolo da família do lado materno e do lado paterno ele fazia uma coisa bem complicada. Notem aqui os animais que aparecem todos eles com o mesmo tipo, aqui há a serpente, há outros que nós não sabemos o que são, há uma ema com estas duas orelhas que são um pouco estranhas, não é? E com um bico enorme. Notem que todos os animais têm o sexo bem evidente, os órgãos sexuais bem evidentes, é claro que a ema não tem, e este animal, que nós não sabemos o que é, é híbrido, parece um crocodilo, mas um crocodilo quadrúpede e a cauda é rugosa, e a curiosidade que estes dois animais ultrapassam a margem – isso é artifício do diapositivo. Em cada fase ele tinha estes desenhos, inclusive em quantidade. Ele foi para a colônia, mas mesmo na colônia ele fazia os desenhos e depois mandava para mim, em folhas de anamnese. Há alguns que representam o pai também, com uma malha, como se fosse um guerreiro antigo e um grou na mão. Era inspiração, e nessa fase de inspiração, ele achava que descendia dos condes Bandini, depois que passava dizia que tudo isso é fantasia, mas para mim é realidade, era uma realidade para ele, tinha bem noção disso, mas em cada fase que aparecia ele reproduzia o mesmo quadro clínico; com uma expansividade muito grande. Um sujeito que se não me engano era operário, não tinha nenhum nível especial, mas desenhava, como estão vendo, muito bem, e isso era feito a lápis comum. Depois passou para outra fase com outro tipo de desenho, mas padronizado como sempre. Tinha remissão integral, mas ficou na colônia para sempre – e tinha remissão integral. Ele dizia que vinha inspiração, aliás inspiração por causa do desenho, não inspiração psicose – avisava os enfermeiros e pedia papel para desenhar. Este foi considerado como esquizofrênico porque ali estava fazia anos, no hospital, mas de fato ele não tinha mais ninguém em São Paulo e lá estava bem, em bom contato com os demais, então, quando tinha a fase aguda, tinha todas aquelas coisas, ficava brincando muito com um e outro, achava que era dono de tudo, dava ordens aos enfermeiros, etc. Passava aquela fase, estava bom, mas ia para São Paulo fazer o que? Então preferia ficar lá no hospital. Ele ajudava muito o pessoal, tinha um contato muito bom. 

Este paciente nós apresentamos na primeira vez que apresentamos as psicoses degenerativas, antes de 1940, pouco antes de fazer nossa tese de docência e representamos como elemento característico deste quadro. Depois nós vimos um estudo feito por Walter Risso, nos EUA, recentemente em relação a van Gogh. Walter Risso é alemão, e ele fez o diagnóstico baseado em Kleist. Foi a única vez que eu vi um psiquiatra fazer um diagnóstico psiquiátrico baseado em Kleist. Ele mostrou que van Gogh não era esquizofrênico como se pensava e não era P.M.D., era uma forma benigna de Kleist – naquelas fases tinha, então, aquela expansividade e é forma de inspiração exatamente o diagnóstico que ele fez. Ele publicou isso já há alguns anos, acho que em cinquenta e pouco. 

Van Gogh realmente devia ser um também um tipo destes; na inspiração, naqueles momentos ele tinha uma série de elementos delirantes que traduzia nas configurações. O elemento epileptoide também está bem evidente, pois ele chegou a mutilar-se e coisas deste tipo. 

Este paciente tinha caracteristicamente períodos de inspiração que depois cediam por completo. Não foi um van Gogh porque aí também depende da capacidade do indivíduo. 

Este quadro já apresentamos antes da patogênese, então, as formas aqui nós temos a delirante ansioso-extática que predomina a gênese afetiva, nós só mencionamos os quadros das paranoides.

A agitação e a depressão hipocondríaca no nível afetivo também básico em relação ao instinto nutritivo, no caso à propriocepção visceral, a psicose de referência e estranheza são polos opostos, a reação afetiva predominante, mas outros sistemas também, como sistemas cerebrais que dão colorido ao quadro. Na patogênese conativa, além das psicoses da motilidade que são cicloides, temos a confabulose expansiva e a alucinose que são os elementos delirantes, portanto são as paranoides, a confusão estuporoso-agitada, também é do sistema intelectual, mas ligado com o elemento epileptoide, geneticamente falando, é, portanto, uma forma cicloide, em que é o elemento da epilepsia e o elemento da P.M.D. ou fásico afetivo em geral. As formas de inspiração e de interpretação perplexa são dois aspectos em que há o elemento perplexidade ou êxtase com manifestação conativa, mas elas têm gênese intelectual, fundamentalmente a patogênese. As formas da direita são apenas episódicas ou periódicas, são as formas epileptoides de Kleist.

Pergunta (Landini) – Esta hipocondríaca, ela é monofásica pela agitação e pela depressão ou pela hipocondria?

Resposta: – Não, é pela agitação, quer dizer o colorido é permanente (tenho dúvida quanto à última frase, pois Landini e o Prof. falavam ao mesmo tempo) então a agitação é que mostra uma fase ou outra. 

Kleist primeiramente descreveu como uma forma única sem duas fases, depois separou as fases, mas que podem associar-se no mesmo paciente.

Nós vimos, então, que a confusão principal destes grupos é que há mecanismos delirantes, há alucinações e há o comportamento anormal, patológico, no comportamento explícito, as confundem mais com a esquizofrenia, mas as formas das esquizofrenias que se confundem com estas não exatamente as correspondentes, a não ser na alucinose, por exemplo, na confabulose. Eu fiz um quadro que já apresentei aqui para esta correlação.

[QUADRO VI – CONFRONTO ENTRE AS PSICOSES DIATÉTICAS E A ESQUIZOFRENIA, SEGUNDO KLEIST (Aníbal Silveira) – quadro reproduzido no final do texto devido ao seu tamanho]

O que dá o colorido comum são as esferas da personalidade atingidas, num caso, nas formas benignas de Kleist, nós temos o elemento de remissão integral, completa nas formas progressivas nós temos a participação permanente e progressiva, portanto. Nós vemos, então, as formas da individualidade de Kleist, a depressão hipocondríaca, e a agitação hipocondríaca, confundem-se com a forma depressiva e pueril da hebefrenia. O fundamental é que no caso da hebefrenia há uma discordância entre a reação do indivíduo, reação psíquica subjetiva e aquelas queixas que ele apresenta no caso, ao passo que na depressão e agitação hipocondríaca há uma concordância, entre o elemento depressivo e a queixa vegetativa que ele apresenta. Na forma acinética e hipercinética confundem-se não com a forma apática, ou com a forma autista e sim com a catatonia em que há o elemento acinético característico da catatonia ou a forma paracinética, que tem uma, como nós dissemos antes, um componente hipercinético, mas fundamentalmente, o que caracteriza o quadro é a distorção dos gestos, dos atos, então é paracinética por este motivo. A forma iterativa se confunde mais com as formas progressivas nas formas de impulsos periódicos e com as formas benignas também, da mania e da melancolia. Os estados hípnicos episódicos não tem nenhum equivalente na negativista nem na procinética, mas os impulsos têm ligação direta com a forma procinética em que o indivíduo age quase que subserviente, como espelho, ou então com as formas catatônicas propriamente, acinética e hipercinética… excessiva, periódica, mas nesses impulsos acontece que o indivíduo age de acordo com o impulso. Na catatonia acontece que o indivíduo age de acordo com o impulso, na catatonia há discordância entre o impulso que ele apresenta e o fato dele manter-se no mesmo lugar, então, há agitação no lugar sem se deslocar; na poriomania, pelo contrário, não há agitação mas há uma deambulação intensa, e às vezes de quilômetros – o indivíduo foge do lugar em que está sem saber porque, seguindo um impulso de fuga, simplesmente. 

Nos estados crepusculares a confusão é mais com as formas progressivas intelectuais, e não diretamente com as formas mutista ou prolálica das esquizofrenias. 

Na alucinose aguda há confusão com a correspondente alucinose – que é progressiva – a distinção está em que na forma aguda temos uma compreensão do quadro facilmente, quer dizer, a alucinose dá uma reação concordante com isso; na forma progressiva o indivíduo não reage de acordo com os estímulos patológicos da alucinação, de tudo que há uma discordância entre o comportamento dele e o fenômeno daquelas vozes que são, às vezes, imperativas, às vezes agem no comportamento dele de maneira muito acentuada. 

Na alucinose há o elemento alucinatório ou o automatismo mental, mas o indivíduo não tem este colorido de sentir-se subjugado, digamos assim aos estímulos senso-perceptivos, ele reage e revela de uma maneira e dá a entrevista, a sensação exata que ele reconhece aquilo como uma coisa estranha à personalidade dele, ao passo que na esquizofrenia, na alucinose progressiva, o indivíduo aceita aquilo naturalmente e não dá muita importância  ao fenômeno alucinatório; o característico mais marcante é justamente este, o indivíduo já está habituado com aqueles fenômenos e não dá uma reação de revolta ou de mostrar que está subornado momentaneamente a uma força exterior. 

Na confabulose expansiva e progressiva também é característico á a mesma. A expansividade aqui é mais concordante ao passo que na progressiva há uma expansividade e no mesmo tempo uma interação do estado anterior sem se modificar muito durante os períodos de entrevista. 

Na forma de inspiração aguda e a inspiração progressiva também o fator extático, aqui, é mais característico, do que na forma progressiva da esquizofrenia. Demonstrando o quadro clínico no paciente, é fácil, perceber-se isso. Se nós basearmos apenas na descrição, vamos verificar um paciente da forma extática, inspiração extática aguda, com a forma progressiva, seguramente. 

Assim, também, a interpretação, o elemento perplexidade é característico desta forma de interpretação; na esquizofrenia em que há também a forma de interpretação, forma delirante, nós temos um correspondente a esse aspecto, mas sem aquela característica da perplexidade – é mais uma falta de contato, uma interrupção momentânea, uma inibição da atividade comum do paciente ligado com distúrbios perceptivos. 

Em relação às formas progressivas, a fantasiofrenia se confunde com a confabulose expansiva e a confabulação se torna um aspecto mais colorido na fantasiofrenia e, às vezes, é difícil distinguirmos de uma forma benigna de confabulose, que é expansiva, ou se é uma forma de fantasiofrenia. E aí entram vários fatores que às vezes há componentes como podemos ver aqui, mistos, inclusive, de outro ciclo, como na epilepsia, que mantém este estado, persevera o paciente, o paciente persevera nessa situação e só mais tarde podemos ver a explicação do porquê.

Lembro-me agora daquele paciente que tem este quadro de fantasiofrenia e que teve, inclusive, convulsões, e parece que é este aspecto que dá um colorido um pouco estranho, que podia confundir-se com uma forma atípica ou benigna de Kleist (a confabulose). 

De modo que nós vemos que há a possibilidade de confundir-se o quadro clínico se não tivermos um critério patogênico para distinguir o quadro. Se nós ficarmos somente com o critério descritivo, nós vemos que é difícil nós podermos situar um paciente, bem claramente, numa certa faixa de classificação nosológica, e isto é importante para o tratamento – inclusive Leonhard está voltado mais para o aspecto descritivo, de modo que, lendo os trabalhos de Leonhard, nós temos, às vezes, dificuldade para situar um paciente, se é uma forma benigna ou se é uma forma progressiva, porque ele está mais na descrição – admite remissão na esquizofrenia, também, o que não se admite na orientação de Kleist. Vamos ficar por aqui. 

Pergunta (Landini) – Parece que tem…destas descrições de autismo, como o senhor conceitua isso?

Resposta – Autismo? O autismo pode ser como um elemento que aparece como sintoma só, como na criança se nota isso. O autismo, como autismo foi descrito por Bleuler, como característico no adulto, quer dizer, o autismo seria uma falha de ligação com o mundo exterior, o indivíduo fica interiorizado.

Pergunta (Landini) – Seria afetiva, não é?

Resposta- Bom… o dinamismo pode ser afetivo, falta de impulso para contactuar com o mundo exterior, mas pode ser por elemento conativo, o indivíduo não está em autismo propriamente, mas está dando atenção a fenômenos alucinatórios, automatismo mental que é mais característico. Então, não seria autismo, só em aparência que seria autismo. Pela descrição, o indivíduo não fala com a gente, não presta atenção, mas se nos prestarmos atenção para o comportamento dele, psicológico, vemos que está dando atenção a alguma coisa, – está desligado de nós, simplesmente. Seria uma forma de falso autismo, não é autismo no caso. 

O autismo mesmo, depende de fator afetivo, então, nós o pomos nesta faixa de afetividade, na esfera afetiva, mas o sistema que dá o característico é o intelectual. Na forma apática, nós também temos um desinteresse, então, a apatia leva também a um certo distanciamento com o mundo exterior – é um autismo secundário – mas a apatia que é fundamental, é a falta de iniciativa para agir, é, então, um elemento que é afetivo, mas que se traduz clinicamente pelo sistema conativo.

Pergunta (não transcrita)

Resposta – É, mas todos consideram apenas o aspecto de desligamento com o mundo exterior, não leva em conta…

Seria uma prevalência do nível subjetivo do indivíduo, quer dizer, preocupação, ou voltar-se para si próprio, que seria o sentido técnico do autismo – uma carga afetiva muito intensa e ele se volta para si mesmo, mas quase sempre esse autismo é decorrência de uma sensação afetiva muito intensa, então, fica bloqueado completamente, uma inibição, ou então, uma volta para outros fenômenos subjetivos que não são evidentes. Não é o característico da esquizofrenia, como argumenta Bleuler, em todas as formas pode aparecer. É que ele, embora querendo ver o dinamismo do quadro, ligou-se ao fator descritivo. Se nós lermos a observação, vemos que há muita participação da parte intelectual, inclusive, só que está desligado do mundo exterior, realmente. Vamos, então, ficar por aqui, vendo o paciente melhora este aspecto. 

QUADRO VI2
(Aníbal Silveira)

Legenda e explicações relativos ao quadro anterior: São um total de 16 formas de Psicoses Diatéticas (6 ciclóides, 3 epileptóides e 7 paranoides) e 26 formas esquizofrênicas (4 hebefrenias, 8 catatonias, 8 de forma paranoide, 4 confusionais e 3 parafrenias). Estão representadas grifadas as formas esquizofrênicas mais típicas do grupo – a forma paradigma daquele grupo que são: a Hebefrenia depressiva, a Catatonia acinética, a Fantasiofrenia e o Embotamento incoerente. As 3 parafrenias são: o Delírio circunscrito, a Psicose progressiva de referência e a Psicose Progressiva de Interpretação. As formas que estão entre parênteses são as formas atípicas extensivas, no caso, as 3 formas parafrênicas, a Catatonia iterativa de evolução por surtos e a Esquizofrenia Confusional por surtos. Nesta nova representação, o Prof. Aníbal Silveira reformulou a patogênese de algumas formas: A alucinose e confabulose, tanto aguda quanto progressiva são de sistema conativo. A psicose aguda de estranheza, a psicose aguda de inspiração e a psicose aguda de referência são de sistema afetivo. A psicose aguda de interpretação é de sistema intrinsecamente intelectual. Reformulação similar ocorre dentro do grupo das formas paranoides progressivas.

Quadro extraído do trabalho: “A classificação nacional das doenças mentias. Sugestão para a revisão” (Arq. da Assist. aos Psicopatas do Estado de São Paulo: (73-101). Aníbal Silveira.

  1. Texto organizado por Roberto Fasano Neto, em 2003, a partir de aula de Aníbal Silveira proferida em 31/12/71, em Campinas, sem referência de quem a compilou, sendo revista, em 30/01/23, por integrantes da Comissão de Revisão do CEPAS: Flávio Vivacqua, Francisco Drumond de Marcondes de Moura, Paulo Palladini e Roberto Fasano Neto. ↩︎
  2. Este quadro, posteriormente, foi reformulado pelo Prof. Aníbal Silveira, quanto à classificação de algumas das psicoses do grupo paranoide. Trancrevemos a seguir a nossa versão atualizada, com a devida legenda e esclarecimentos adicionais – Roberto Fazzani (2015) ↩︎