PSICOSES EPILEPTÓIDES DE KLEIST1
Vamos ver hoje o grupo das psicoses epileptoides de Kleist. Em sua acepção, psicose epileptoide tem um sentido diverso do que psicose epiléptica. Os autores em geral dizem psicose epiléptica quando o paciente tem convulsão e apresenta o quadro convulsivo associado com distúrbios mentais.
Outros autores, como Gastaut e, especialmente, Landolt, encontraram alteração psicótica em pacientes que estavam em tratamento com anticonvulsivantes e apresentavam distúrbios mentais, daí atribuíram o distúrbio mental à normalização do EEG, o que não é verdade. Já salientamos que na epilepsia, mesmo na epilepsia clássica com convulsão, com ausência, pode o EEG ser normal, porque são dois critérios diversos de apreciação: um que aponta para a análise do fator genético, isto é, para uma condição que é permanente, que acompanha o indivíduo por toda a vida, como uma tendência para a convulsão ou para outras formas de reação anormal, como estado crepuscular ou como estado segundo, algumas vezes, ou simplesmente como irritabilidade exagerada; outra questão é o dinamismo cerebral anormal que se aprecia através do EEG.
São duas coisas distintas, mas como os autores em geral têm essa tendência para considerar a alteração do ritmo eletroencefalográfico como sinônimo de Epilepsia, isso cria essa confusão. Sabemos que uma das características da Epilepsia é a convulsão clássica, o denominado mal maior, às vezes associada com estado crepuscular que sucede a uma convulsão, geralmente transitório que dura momentos, mais raramente algumas horas: não constitui, portanto, uma psicose, é uma decorrência da alteração dinâmica do cérebro que deu resultado a convulsão e que ao retornar ao estado normal apresenta esse período de anormalidade que consiste na ação, na atividade sem a regência de consciência clara precisa, daí o nome de Estado Crepuscular.
Para Kleist as psicoses epileptoides não são consequentes a um estado confusional qualquer, de natureza exógena, de caráter infeccioso, nem consequente a uma convulsão de caráter endógeno da Epilepsia. Mas há uma série de condições mórbidas ligadas com a tendência genética para a epilepsia e que se expressam através de quadros clínicos mistos comuns na Psiquiatria ou então como quadro independente. Para dar uma ideia geral, para fazermos um diagnóstico diferencial, vamos analisar o quadro abaixo:
Aqui observamos uma série de condições endógenas que estão ligadas a uma tendência genética mais ou menos acentuada, passando pelas psicoses diatéticas e outros graus de diluição da carga genética epiléptica: a personalidade psicopática, os traços anormais de caráter, condições neuróticas e, finalmente, a participação da carga epilética na patogênese dos quadros ocasionais, principalmente, aqueles que decorrem do dinamismo conativo, que é essencial na dinâmica patológica epileptoide. Mas tais formas, portanto, não tem ligação direta com as formas epileptoides de Kleist.
Por exemplo, no grupo da Catatonia, a Catatonia acinética e a estereotípica são as duas formas mais características em relação à participação da conação, mas há também a participação da conação nas formas negativista e procinética. A Catatonia acinética, estereotípica e a paracinética são três formas progressivas de Kleist que se manifestam por distúrbios motores, principalmente, na estereotípica e na paracinética ou pelo comportamento explícito, isto é, por um bloqueio geral ou por uma liberação às vezes momentânea, impulsiva da motilidade, dos gestos e dos atos. Mesmo nas formas mutista e prolálica temos também uma participação menor da conação que se traduz no comportamento intelectual. No grupo da Hebefrenia, a forma apática também tem relação com a conação embora o ponto de partida patogenético seja o distúrbio da esfera afetiva. Finalmente, nas formas paranoides temos a participação direta da conação por consequência da carga genética epileptoide. Na forma de Influência o indivíduo tem como aspecto central na patogênese do quadro a atividade delirante, porém em função do que se passa no meio exterior, daí inferir uma influência do meio exterior. Na forma de Inspiração também é o elemento conativo que dá a liberação da atividade do indivíduo, ele é expansivo porque a reação é afetiva e a ação ou interpretação dos fenômenos delirantes parte do indivíduo para o meio exterior. Na forma progressiva assistemática temos a catatonia iterativa que está ligada com a progressividade porque é uma forma catatônica, mas tem um elemento ligado com a periodicidade que dá a reiteração dos atos, dos gestos e um componente que está mais ligado com a incidência da epilepsia que é o período de lucidez, períodos de remissão parcial (parcial, mas há uma remissão).
Nas formas progressivas combinadas temos a forma de catatonia acinética mutista e a acinética negativista em que há um elemento motor predominando e um elemento afetivo, secundariamente, apresentado, através do negativismo. A forma procinética e a prolálica tem os dois aspectos também de liberação motora, assim como a paracinética. Na forma prolálica há liberação intelectual, de reação imediata com palavras ao lado, com respostas ao lado. Na forma procinética e prolálica as duas tendências tanto no trabalho mental (comunicação) quanto na ação (atividade) dependem do estímulo conativo.
Dessa maneira, são formas que podem ser confundidas com as psicoses epileptóides. O paciente está num quadro psicótico, apresenta uma série de reações no campo da motilidade, no comportamento explícito, que se confundem com a reação característica da epilepsia. Se fizermos o EEG nesses pacientes é muito provável que encontremos disritmia, variável conforme a região atingida e daí os autores interpretarem, nesses casos que não são epilépticos, como decorrência da normalização do EEG: o indivíduo apresentou na fase aguda um EEG negativo, que é comum. Quando se repete o EEG há possibilidade de ser a disritmia positiva: daí se atribuir o período psicótico à normalização do quadro eletroencefalográfico cerebral.
Em relação às formas reversíveis simples temos a epilepsia do tipo Mal Maior, forma constitucional ligada com a tendência genética para a epilepsia. E há formas que se apresentam de um modo variável porque dependem de uma confluência de genes, de outras tendências genéticas, como acontece na epilepsia afetiva e na do tipo Mal Menor.
Na Epilepsia afetiva ocorrem aquelas reações intempestivas que aparecem nos pacientes que não tem convulsão, mas que tem um equivalente dessa ordem; começam a rir, por exemplo, não podem parar de rir, há uma aparente expansividade que não é agressividade, é uma liberação simplesmente, com característica afetiva e o indivíduo, enfim, entra em estado de convulsão e às vezes, cessa só com a reação afetiva, sem chegar à convulsão. Na variante psicomotora do tipo Mal Menor, temos um aspecto apenas intelectual que é a ausência, isto é, falta de estímulo conativo donde o bloqueio do trabalho mental sem convulsão, ou uma reação psicomotora intempestiva, a forma chamada impulsiva ou propulsiva na criança pequena, que está ligada com a mesma tendência genética e que é acompanhada também de um estado de inconsciência. Mas são incidentes que aparecem rapidamente, duram segundos, raramente duram alguns minutos, portanto, não chegam a constituir um quadro psicótico.
Nas formas de psicoses mistas temos a ligação da epilepsia com as psicoses circulares e com a esquizofrenia. Mas quando prevalece o elemento da epilepsia é fácil reconhecermos a ligação com a carga genética. Por outro lado, quando prevalece o componente afetivo, nas formas circulares ou nas formas de esquizofrenia, fica mascarada a participação da carga genética epileptóide.
Algumas vezes se confundem esses quadros com as formas diatéticas de Kleist2. Temos dois tipos: a forma simples episódica e as formas multifásicas que apresentam um componente intelectual ou afetivo. As formas simples constituem os impulsos mórbidos periódicos, a dipsomania, a poriomania como expressão desses impulsos e o Estado Crepuscular Episódico. Outra modalidade de psicose epileptoide, que é mais ligada com a reação afetiva, é o Estado Hípnico episódico.
Como participação da tendência genética para epilepsia nas formas benignas paranoides de Kleist, temos a Confabulose Expansiva, com liberação conativa do trabalho mental sob a forma de fabulação, a Psicose Aguda de Extranheza que tem um elemento de perplexidade, um estranhamento porque o indivíduo não relaciona o estímulo do mundo exterior com a própria noção que ele tem do ambiente, daí a extranheza. A forma de Psicose Aguda de Inspiração em que há o êxtase, que se traduz pelo bloqueio do trabalho mental produtivo, o indivíduo fica quase como incapaz de contacto com o mundo exterior, quase em estado de ausência, mas é distinto da ausência. Vale ressaltar que o êxtase, inclusive, pode ocorrer normalmente num indivíduo.
Há ainda a Cataplexia onde o elemento motor predomina e a Narcolepsia que apresenta um distúrbio no componente vegetativo, no sono.
Além disso, nas formas ligadas com tendências múltiplas, temos a Alucinose Ansiosa Extática, de base afetiva e conativa; a Psicose Ansiosa que pode ser estuporosa ou agitada: há agitação com um elemento de liberação quase crepuscular e o bloqueio estuporoso, com o comprometimento da relação intelectual com o meio, afetando a elaboração mais diferenciada.
Na Psicose da motilidade a participação é evidente no aspecto conativo e na carga genética e ela apresenta duas formas como Kleist descreveu: a forma hipercinética e a forma acinética. A psicose da motilidade é uma forma ligada com a carga genética cicloide, mas que tem um componente genético muito concentrado em relação à carga epiléptica. A diferença é que num caso temos a participação direta da conação como elemento da forma epileptoide e no outro, indireta, através dos aspectos da motilidade manifestando-se como uma psicose cíclica.
Em relação com essas tendências genéticas temos as Personalidades Psicopáticas do tipo instável e do tipo astênico. A forma astênica tem características que muitas vezes se confundem com a epilepsia, às vezes com a Neurose e que decorrem da tendência anormal psicopática da estrutura patológica para esse tipo de reação, em relação ao comportamento.
Traços de personalidade como a obstinação, a volubilidade e a agressividade são elementos que mostram também a participação direta do elemento conativo, portanto, do prevalecimento da carga genética epiléptica, com a perseveração que é característica, ou com a instabilidade motora de propósitos, de atividade, de volubilidade ou agressividade no sentido de descarga da reação transferida para o meio exterior sob forma impulsiva.
Nas condições neuróticas temos a Histeria de conversão, a Neurose compulsiva que tem um elemento ligado às tendências genéticas epileptoides, de certa maneira, a chamada Neurastenia. A Compulsão reativa se confunde com a Neurose compulsiva, mas é uma reação momentânea, com estereotipias transitórias ou pitiatismo, principalmente, na adolescência. O pitiatismo se confunde com a histeria. Na realidade é um elemento ligado com a conação no aspecto de subordinação excessiva ao meio exterior: o pitiático não é um simulador, ele cópia simplesmente um modelo que é patológico e isso se deve principalmente à sua sugestionabilidade. Por sua vez, a sugestionabilidade subentende uma subordinação afetiva e uma subordinação conativa também, quer dizer, o indivíduo imita indiretamente.
Nas psicoses ocasionais também temos uma participação da carga genética epileptoide através dos quadros de carência de iniciativa, na Psicose infecciosa, por exemplo; a forma acinética e a forma hipercinética quando há lesão cerebral; as convulsões sintomáticas que também traduzem a participação da carga genética e, finalmente, a carência de iniciativa, quer seja psicógena, como no caso do estupor ou dos quadros estuporosos reativos.
Há uma série de quadros que não são ligados diretamente com o grupo das psicoses benignas epileptoides de Kleist, mas que são correlatos porque apresentam uma participação muito direta da carga genética no quadro clínico e isso pode trazer uma certa confusão no diagnóstico diferencial.
Esse quadro apresenta uma distribuição onde associamos algumas das formas clássicas constitucionais de Kleist, as formas que são características do grupo das formas reversíveis e outras que são marginais ou atípicas no sentido de Kleist, em que há o aspecto de participação de mais de uma esfera da personalidade na patogênese do quadro clínico, não apenas da esfera afetiva.
Entre as psicoses diatéticas temos três grupos consoante a patogênese: grupo cicloide com patogênese afetiva; o grupo epileptoide com patogênese conativa e o grupo paranoide, com patogênese intelectual. Isto é, a patogênese refere-se à Esfera da Personalidade predominantemente atingida em cada grupo: a Afetiva para o grupo cicloide, a conativa para o grupo Epileptoide e a intelectual para o grupo Paranoide. Mas em todas ocorre a participação da carga genética epileptoide e temos também que classificá-las conforme os sistemas envolvidos.
Com relação à evolução, temos as psicoses com evolução por surtos e aquelas com evolução por fases, nas quais entram elementos cicloides e paranoides.
Por surtos temos os Estados Hípnicos episódicos, cuja patogênese é afetiva, mas que se manifestam no aspecto motor, no comportamento; os Impulsos Mórbidos periódicos onde há elementos conativos e os Estados Crepusculares episódicos, onde o sistema intelectual é o predominantemente comprometido. Há, portanto uma correlação entre as funções normais afetivas, conativas e intelectuais e os estados patológicos que aparecem por uma tendência genética multifária acentuada, dando um quadro correspondente aos vários setores da afetividade, da conação e da inteligência. As psicoses que apresentamos aqui, as psicoses epileptoides, correspondem àqueles três níveis de manifestação evidenciada pela patogênese: as formas afetivas, isto é, em que a esfera afetiva é atingida de preferência como elemento patogenético, que são os estados hípnicos.
Dentre as psicoses epileptoides temos: os Estados Hípnicos que podem aparecer de forma episódica (Narcolepsia) ou periódica (Estados Hípnicos Periódicos, propriamente), onde o comprometimento é do sistema afetivo; os Impulsos mórbidos Periódicos (Dipsomania e a Poriomania), que são a forma conativa por excelência, daí ser denominados como Impulsos Mórbidos; e o Estado Crepuscular Episódico no qual o sistema atingido é o Intelectual.
Vemos que há uma característica geral nestas psicoses que é essa de elas aparecerem esporadicamente ou por períodos não previsíveis. Quando há uma evolução fásica, os aspectos heredológicos predominantes são afetivos, mas também há a participação da tendência epileptoide pois nas psicoses diatéticas as tendências genéticas são multifárias. Temos também que diferenciar, embora estas condições possam aparecer concomitantemente nestes quadros, as manifestações propriamente epilépticas que ocorrem em crises paroxísticas.
Exemplificando esta multifariedade das tendências genéticas temos, por exemplo, que no Estado Hípnico, classificado entre as psicoses epileptoides (devido à predominância desta tendência), ele pode surgir episodicamente. Isto indica a participação de tendências afetivas. Também é comum nesta forma que após o período de sonolência intensa que caracteriza este quadro, possa surgir um Estado Segundo, aqui já uma manifestação epiléptica. Vimos que o Estado Segundo corresponde a uma perda da relação entre o que se passa no ambiente e o próprio indivíduo. Nesse Estado, o indivíduo age como se estivesse normal, as pessoas, às vezes, não percebem que ele está em Estado Segundo, mas, para quem o conhece, conseguirá perceber que seu comportamento destoa daquilo que lhe é habitual. Portanto, a atividade explícita por ele apresentada é concordante em si, no momento, mas quem o conhece, perceberá que não está em seu estado normal. Isso decorre da ligação afetiva entre o que se passa no estímulo do momento e a vida subjetiva do indivíduo (há comprometimento do dinamismo da memória – os estímulos atuais não são integrados à experiência pregressa do sujeito).
Pois bem, esses quadros, de natureza epiléptica, podem aparecer também em ligação com a forma afetiva por excelência das Psicoses Epileptoides, que é o Estado Hípnico.
Tivemos um paciente que era militar e comandava um destacamento numa cidade do interior. Na época havia prisões políticas, durante a segunda revolução que houve em São Paulo. À época, havia vários presos políticos na cadeia sob o destacamento dele.
Um dia, quando voltou à cadeia, notou que não havia mais nenhum preso. Ele chamou o cabo e o prendeu por considerá-lo responsável por tudo. O cabo insistia que tinha sido ele mesmo que dera ordens para se soltar todos os presos. Mas ele teimou, insistiu com sua posição e realmente levou o cabo preso até a cidade de São Paulo. Na realidade, ele mesmo dera a ordem para a soltura dos presos.
Na sua história clínica constatamos que ele já tinha feito coisas desta ordem. Numa ocasião tinha ido para outra cidade quando perdeu a consciência das coisas e quando recuperou a consciência, percebeu que já estava há três dias num hotel numa outra cidade. Referiu que o hoteleiro foi tão bom, que a princípio não percebeu que ele estava num estado anormal e, então, não cobrou a estadia. Numa outra vez, quando ele estava na cidade de São Paulo, passou por um superior dele e não fez continência. Foi preso imediatamente e quando estava lá, na prisão, não sabia o que havia passado com ele. Não se recordava de nada. Foi encaminhado, então, ao Hospital do Juqueri para verificação, pelo Serviço do Hospital da Força Pública. Realmente ficou constatado que ele tinha Estado Segundo que era precedido, em geral, por um Estado Hípnico.
Ele trabalhava na parte da Intendência e, às vezes, quando estava fazendo algum cálculo, começava a confundir e se atrapalhar nos cálculos. Ele precisava refazê-los várias vezes e não conseguia acertar. Depois, perdia a consciência e entrava em estado de sono. Isso foi realmente verificado durante a sua internação no Hospital do Juquery, onde fazia o serviço de estafeta, trabalhava bem, não tinha nenhuma perturbação mental permanente. No entanto, numa ocasião em que passava debaixo de uma árvore, sentou-se e começou a cometer erros, vários erros, não conseguia mais fazer suas coisas direito (anteriormente havia ajudado a fazer a escrituração do pessoal no pavilhão e o fizera perfeitamente). Tivemos a ocasião de examiná-lo nesta ocasião e constatamos que ele apresentava uma série de incoerências de raciocínio. Nessa ocasião em que passava debaixo das árvores, primeiramente sentou-se e começou a dormir. Os funcionários do hospital achavam que ele estivesse embriagado, mas o enfermeiro foi chamado e reconhecendo o paciente, o levou para o pavilhão. Ele estava dormindo e não tinha hálito alcoólico. No dia seguinte, ele despertou num estado completamente diferente do que estava antes, não conhecia ninguém, agia como se estivesse perfeitamente normal no Pavilhão, porém sem nenhuma ligação com o que ele era realmente. Verificamos que ele se encontrava num Estado Segundo.
Posteriormente, este estado passou e ele contou muito bem sobre sua experiência. O que ele dizia era perfeitamente aceitável, merecia fé porque no próprio hospital ele manifestou este tipo de comportamento.
Assim, o indivíduo no Estado Hípnico, apresenta uma sonolência invencível. Ele precisa mesmo deitar-se, não consegue mais manter seu trabalho. Este estado é precedido por dificuldades na escrita e no cálculo, enfim, em qualquer trabalho mental que exija um pouco de concentração. O trabalho mental vai gradualmente piorando e cada vez fica mais difícil para o sujeito lutar contra o sono, até o momento em que não consegue mais.
Esse é o Estado Hípnico. Neste quadro, a hipótese é de que se trata de um processo que acomete núcleos próximos ao IV ventrículo. O exame neurológico é totalmente normal, o exame neuro-oftalmológico, o de líquor, é completamente normal. Ou seja, neste paciente não havia nenhuma anormalidade orgânica ou neurológica, mas, clinicamente, ele tinha esses períodos em que caía num estado completo de sonolência irresistível.
Enfim, esta é uma reação que aparece como um surto psicótico. Este quadro se confunde frequentemente com a Histeria, por aquilo que muitos denominam Estado Segundo Histérico.
Pela descrição que tenho visto algumas vezes, este quadro está enquadrado nesse grupo de Kleist porque aparece o Estado Segundo precedido por sono, e isso dura um período muito pequeno e variável. Às vezes dura um ou dois dias, mas nunca é um estado prolongado. O Estado prolongado que seria esse Estado Segundo, está ligado com a Epilepsia mesmo. São os chamados desmemoriados, que é um outro quadro que pode se confundir com esse Estado Segundo, mas não é raro que o Estado segundo seja uma decorrência, uma sequência, do Estado Hípnico Episódico.
Os Impulsos Mórbidos são conhecidos desde o século XIX. Todos os autores já conhecem a Dipsomania, porque ela se caracteriza por esta incapacidade do indivíduo em resistir ao impulso de beber álcool. O indivíduo toma bebida alcoólica frequentemente e ininterruptamente e o que é característico deste quadro, é o fato de o indivíduo não sentir prazer com a bebida que ingere. Ele a toma automaticamente, não consegue reter e vai tomando sempre. No entanto, repentinamente deixa de beber sem nenhuma dificuldade. Este quadro aparece sistematicamente como periódico, o indivíduo passa 2 a 3 meses bebendo sem se deter e depois, deixa completamente o álcool. Mais tarde, torna a aparecer, após alguns meses, outro surto.
Não consideramos estes pacientes como alcoolistas crônicos pois não há a característica de ter prazer no ato de beber e nem que haja uma subordinação, uma dependência instintiva, afetiva com o álcool.
O abuso do álcool aparece aqui como Impulso Periódico. Há pacientes que têm este Impulso Mórbido, não pelo álcool simplesmente, mas, muitas vezes, pela sexualidade. Tivemos alguns pacientes que tinham um período de Impulso muito intenso, pareciam exibicionistas, por vezes, quando estavam no cinema, atiravam beijos para os atores do filme, na tela. Essa paciente tinha consciência de que aquilo não era normal pois não agia assim no Teatro, justificando que lá eram pessoas de verdade. Ou seja, ela tinha consciência de que aquilo era anormal, mas não podia impedir isso. Essa paciente também tinha, se não me engano, um outro episódio no qual havia deambulação (Poriomania).
Há também alguns pacientes que apresentam hiperbulia. Eles começam a comer demasiadamente, se tornam obesos anormais por períodos, por comer desmedidamente. Como já dissemos acima, há também impulsos que se manifestam como deambulação. São indivíduos que saem por aí afora, caminham por longos períodos sem nenhum motivo e depois periodicamente voltam para seus lares.
Há pouco tempo vi um trabalho sobre nomadismo de ciganos que mostrava um grupo de ciganos que era nômade por excelência, mas alguns deles se tornavam errantes, eram diferentes dos outros e tinham a tendência a vagar como se fosse por um Impulso.
Sabemos que esta é uma tendência na qual predomina a conação. Sabemos também que os nossos indígenas têm tendência a serem nômades. Predomina o fator conativo e como característica de grupo antropológico, temos esse fator de nomadismo.
Mas quando aparece como fenômeno mórbido por períodos, já não se trata de nomadismo, mas sim de um Impulso Periódico para a deambulação. A característica fundamental desses impulsos de deambulação é que não são inconscientes. Não se trata de Estado Crepuscular, não é a deambulação que aparece como equivalente epiléptico na qual o indivíduo sai andando, perde a noção e quando se dá conta já está muito longe do lugar aonde ia. Nesse caso temos uma deambulação não consciente.
No Impulso mórbido periódico para deambulação, a chamada Poriomania, o indivíduo tem consciência do que está fazendo, não tem motivo para fazer isso, mas segue o impulso e vai longe, às vezes para outras cidades. Frequentemente anda a pé, mas não é um Estado Segundo. No Estado Segundo o indivíduo também deambula, às vezes dirigindo carros, sem ter consciência do que está fazendo. Repentinamente se dá conta de que está noutra cidade ou num acostamento sem ter tido nenhum acidente.
Outro aspecto ligado à manifestação clínica com patogenética epileptoide são os Estados Crepusculares. Trata-se de um quadro que aparece autonomamente, independentemente de qualquer convulsão. Geralmente o indivíduo não é convulsivo ou apenas apresentara convulsão na primeira infância. A família, muitas vezes, não sabe que teve convulsão e, quase sempre esse Estado Crepuscular autônomo aparece como reação agressiva. Assim, há liberação não só da atividade motora, sem muita consciência, mas a reação conativa está polarizada para a ação. Não há trabalho mental, donde resulta a amnésia posterior, mas não é somente isto, a liberação motora também é agressiva.
É muito frequente em Estados Crepusculares que se seguem a uma convulsão, que o indivíduo se torne agressivo e pode ser muito perigoso. De maneira que, uma das orientações preventivas que se deve dar aos circunstantes é de que quando um indivíduo tem convulsão, deve-se contê-lo, mas sem forçar. Pois quase sempre após passada a fase convulsiva, quando o indivíduo retoma a consciência, ele passa por um período no qual sua ação é meio desconexa. É comum as pessoas quererem segurá-lo, querer contê-lo e isto, então, agrava a reação crepuscular, levando o indivíduo a um comportamento agressivo. É preciso, deste modo, ter cuidado, manter uma certa vigilância, mas, não forçar a reação motora do sujeito para que não se desencadeie uma reação agressiva. Isto é o que ocorre no Estado Crepuscular Epilético, como equivalente epilético.
No Estado Crepuscular Episódico, forma autóctone como quadro clínico epileptoide, descrito por Kleist, esse conteúdo não é tão agressivo, apenas há um aspecto de confusão e ações incoordenadas. Isso não dura somente alguns momentos, mas dias, semanas nas quais o indivíduo não pode realizar os atos corretamente. Portanto, isto demonstra que está fora da consciência, aparecendo com menos frequência do que nos quadros confusionais que são formas cicloides ligadas com a tendência genética para a PMD (Psicoses Cicloides do tipo Confusão Mental agitado-estuporosa, que evolui por fases). Essa forma de psicose cicloide (Confusão Mental Agitado-Estuporosa) é mais comum que o Estado Crepuscular Episódico. No Estado Crepuscular Episódico encontramos que essa atividade confusa por vezes assume caráter agressivo, mas mais frequentemente o que se encontra é a incapacidade de coordenar as ideias, de fazer ações adequadas como o indivíduo faz rotineiramente. A confusão se nota porque o indivíduo não dá atenção aos circunstantes, não se interessa pelo que está fazendo, comete erros grosseiros, em suas ações, por exemplo: ao vestir-se, veste-se de qualquer maneira, coloca as vestes ao contrário, o que acontece também em algumas formas de epilepsia larvada, o assim chamado equivalente motor ou mal propulsivo. O impulsivo, às vezes se caracteriza por gestos, por atos que a pessoa faz, o tirar ou por a roupa sem se dar conta de como o está fazendo; mas como equivalente de uma convulsão.
O característico no Estado Crepuscular Episódico é o fato de agir sem consciência, de ter uma duração maior, às vezes de semanas nesse estado. Esse quadro clínico é pouco conhecido pois muitas vezes os psiquiatras não procuram investigar nos pacientes se estão confusos ou não.
É muito comum nos hospitais psiquiátricos quase sempre se atribuir uma confusão mental a um quadro de intoxicação ou infecção (quadros de psicoses infecciosas sintomáticas com confusão), quando, na realidade, pode se tratar de um quadro autóctone, que aparece sem nenhum desencadeante momentâneo.
O fundamental no Estado Crepuscular Episódico é a constatação de que o indivíduo esteja agindo de modo desconexo, sem dar atenção, sem reagir aos estímulos do ambiente e que, após a remissão siga-se uma completa amnésia daquilo que foi feito.
Há casos nos quais o Estado Crepuscular é perigoso para os demais. Há pouco tempo vi um paciente de Crato, camponês, que eliminou quase toda a família. Era um rapaz de 22 anos. Os jornais diziam que ele eliminou filhos pequenos, feriu a mulher, feriu o seu pai gravemente. Ele fez uma série de atos desse tipo, matou 4 ou 5 pessoas da família e foi necessário segurá-lo para não ser ferido também. Na cadeia, ele não sabia mais o que tinha acontecido. Este é o caso de um paciente que teve um Estado Crepuscular característico. Não sabemos se tinha ou não convulsões, mas o que parece é que não tinha, pois nunca fora medicado anteriormente e não constava nada no jornal que tivesse algo antes desse crime.
Portanto, é um episódio que aparece periodicamente ou isoladamente. Deste modo, é Estado Crepuscular porque aparece periodicamente ou pode aparecer episodicamente, sem nenhuma periodicidade previsível. Daí, provavelmente tratar-se de Estado Crepuscular Episódico. Mas o colorido fundamental é de um quadro confusional comum, com liberação motora.
- Texto organizado por Roberto Fasano Neto, em 2003, a partir de aula de Aníbal Silveira proferida em 27/08/71, em Campinas, sem referência de quem a compilou, sendo revista, em 23/01/23, por integrantes da Comissão de Revisão do CEPAS: Flávio Vivacqua, Francisco Drumond de Marcondes de Moura, Paulo Palladini e Roberto Fasano Neto. ↩︎
- O termo psicose diatética foi cunhado por Aníbal Silveira para substituir o termo kleistiano “Psicoses degenerativas”. A proposta foi aceita pelo próprio Karl Kleist. ↩︎