Quem ganha com a loucura?¹
Francisco Drumond Marcondes de Moura,
Diretoria Clínica, Complexo Hospitalar de Juqueri, Franco da Rocha, SP
Os hospitais particulares com pouco mais de 8000 leitos representam hoje 55% do total de leitos do sistema hospitalar psiquiátrico do estado. Foi um crescimento notável que não refletiu uma maior necessidade de leitos, mas um definhamento correspondente dos serviços públicos. Durante a década de 70 a contratação de leitos psiquiátricos foi apresentada à comunidade, sob os auspícios de conveniente Humanismo como a solução para grande tragédia que era a situação dos internados nos hospitais do estado. De fato, o que transcorria não era apenas um grande equívoco, mas uma notável farsa. Equívoco porque para assistir em nível hospitalar a pouco mais de 8000 pessoas, empenhou-se em importante parcela dos recursos para os programas de Saúde Mental, em detrimento da assistência básica de praticamente toda a população não previdenciária do estado. Farsa porque não havia argumento técnico e moral que a sustentasse. Foi o triunfo do interesse de uma minoria extremamente reduzida sobre os anseios e as reais necessidades de saúde mental da população. Certamente a implantação dessa infame política de contratação de leitos psiquiátricos só foi possível graças a um estado anormal de coisas imposta ao conjunto da sociedade brasileira nos últimos 20 anos. Um dos argumentos decisivos para que se contratassem leitos psiquiátricos foi o de que isto resolveria o então grave problema dos 16.000 internados do Juqueri. Isto em 1972. Hoje, em 1984, a situação do internado do Juqueri é melhor do que era em 1972? Definitivamente, não. E o Juqueri conta hoje com a mais baixa lotação de sua história – 3.400 pacientes. Outro argumento dos defensores da rede privada é de que a política de contratação de leitos decorreu da necessidade regional de assistência. Isto é falso. Um levantamento feito nos hospitais particulares na região de Sorocaba – onde estão concentrados o maior número de leitos contratados (2.150) sobre a região de origem dos pacientes revelou: 81% dos internados não pertencia a região de localização do hospital.
¹Trabalho apresentado na 36ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência -SBPC -, São Paulo, SP, julho de 1984