DINAMISMO EMOCIONAL FUNDAMENTOS DA MEDICINA PSICOSSOMÁTICA

DINAMISMO EMOCIONAL
FUNDAMENTOS DA MEDICINA PSICOSSOMÁTICA
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(Lúcia Maria Salvia Coelho)

  1. Conceito de emoção
    1. Processo subjetivo que resulta da repercussão da “noção” sobre a afetividade (ação da inteligência sobre a afetividade). A reação afetiva impregna todo o trabalho mental. Este processo é percebido subjetivamente como “emoção” e é passível de comunicação aos demais de modo consciente ou inconsciente.
    2. A emoção ocorre sempre que o organismo se defronta com uma situação biologicamente significativa e, no indivíduo humano – também diante de situações socialmente significativas.

Fator desencadeante de uma reação emocional – reconhecimento de um estímulo externo ou interno como significativo. Toda noção (imagem primária) ou todo sinal ou símbolo (imagem subjetiva) provoca uma ressonância afetiva consciente ou não.

Decorrência de uma reação emocional – determina a natureza de contato com a realidade externa. Predomínio maior ou menor do juízo de valor. Resulta em um “estado emocional” que, como veremos apresenta sempre um correlato neurovegetativo e um correlato psicossocial – promovendo a ampliação e a modalidade das relações interpessoais.

  1. Características principais da emoção
    1. A emoção não é uma função psíquica, mas um processo que resulta da correlação entre o trabalho mental (funções intelectuais) e a disposição afetiva (funções da afetividade).
    2. A emoção não se confunde com a reação afetiva intrínseca, pois que esta é inata e relativamente independente da noção intelectual. A expressão da reação afetiva pode ocorrer espontaneamente (afetividade e conação) ou de modo indireto como um “estado de ânimo” [ex. triste, alegre, ciumento (posse) ] corresponde ao caráter, ou ao temperamento do indivíduo. Evidentemente as expressões da afetividade sofrem a influência crescente das experiências emocionais, mas não se confunde com elas. A emoção se distingue ainda, no plano da sociabilidade, dos sentimentos complexos tais como pudor, amor próprio, sentimento de honra ou de dever, etc.
    3. A “noção” que desencadeia o processo emocional tanto pode ser real (atual ou evocada) como fictícia (fantasias irracionais). Em ambos os casos poderá haver uma repercussão afetiva de igual intensidade. E, às vezes, uma noção resultante de uma situação real de perigo poderá mesmo provocar uma repercussão afetiva menos intensa do que aquela que resulta de uma fantasia subjetiva sobre a realidade. Em uma emoção provocada por uma noção fantasiosa, o indivíduo idealiza a situação e reage a ela segundo esta conotação afetiva, simbolizando-a.
    4. Emoção – caracterizada como dinamismo subjetivo não se confunde com comportamento emocional – onde participam as funções conativas além da inteligência e da afetividade. Ex. pânico, medo, cólera.
    5. O processo emocional pode ou não se tornar consciente. Torna-se consciente – quanto ultrapassa o limiar de intensidade admitido para o equilíbrio subjetivo – ruptura da harmonia psíquica; ou apenas ligado ao componente central que delimita a “noção intelectual” e a reação afetiva filtrada do componente acessório da imagem primária. Permanece inconsciente – emoções primárias que acompanham a noção objetivada, mas que permanecem apenas como “ressonância” (estados de espírito) e que estabelecem os nexos profundos da experiência individual (sonhos, psicoterapia, etc.0. As emoções inconscientes ou correspondem a emoções que, em certa fase da existência individual se tornaram conscientes e de pois forma esquecidas, ou então bloqueadas, atuando de modo indireto no comportamento.
    6. Dimensão qualitativa das emoções – as emoções nunca são neutras, elas provocam sempre uma reação de prazer-desprazer. Tons emocionais. As necessidades biológicas do organismo, e, especialmente as sociais, produziam reações emocionais que são avaliadas consciente ou inconscientemente, mas primordialmente através da lógica dos sentimentos. A natureza positiva ou negativa de uma emoção não resulta de uma avaliação racional e nem utilitária – o tom emocional positivo nem sempre indica corretamente o seu significado biológico. O prazer (resultante de um comportamento emocional) nem sempre se associa à utilidade física ou mental (valor individual atribuído à emoção e dificilmente apreciável pelos demais). 
    7. A preparação do indivíduo para executar uma ação explícita não se confunde com emoção. Como pretende Nina Bull. A “expectativa” geralmente se acompanha de tensão emocional e da noção da situação diante da qual o indivíduo deve agir. Esta noção pode provocar uma maior ou menor repercussão afetiva – isto é, uma emoção – mas a preparação em si de um ato é mais de ordem intelectual que esclarece à expressão das funções conativas. (inteligência – conação).
    8. Dada a complexidade do dinamismo emocional – que envolve o trabalho de todo o cérebro – torna-se impossível a pretensão de se localizar um substrato emocional tal como foi tentado por Papez (cíngulo, fórnix, trato mamilar).
  1. Tipos de expressão emocional

  1. Conforme o nível das funções afetivas atingidas pela noção:
    1. Nível da individualidade (instintiva) – reações emocionais de ordem mais profundas e subjetivas. Ligadas aos contatos básicos do indivíduo com o ambiente (emoções centrais – de Binder). Ligadas de modo mais direto com os fenômenos metabólicos, vegetativos e dificilmente comunicável aos demais indivíduos através dos gestos ou de símbolos significativos.
    2. Nível da sociabilidade (sentimentos) – nexos emocionais de ordem mais complexa e dependente. Maior possibilidade de comunicação social (desde os gestos e mímica intencional até as expressões estéticas ou científicas). Estas emoções são essenciais para a integração do indivíduo na realidade objetiva (aprendizagem). Elas estimulam a adaptação intelectual do ser humano ao ambiente (ver índice Rmi de Silveira). Embora a dinâmica emocional e a sua expressão psicossomática (nível instintivo) possam ter um caráter individual, o nexo simbólico que dele resulta é sempre de ordem social.
  2. Conforme a prontidão de sua expressão:
    1. Imediatas, agudas – correspondem propriamente a uma reação momentânea, compreensível e facilmente evidenciável. Trata-se de uma reação brusca e que geralmente se acompanha de uma alteração metabólica que se restabelece em seguida. Como assinala Alexander: “A influência das emoções agudas sobre as funções orgânicas pode ser facilmente observada na experiência cotidiana. A cada reação emocional podemos verificar uma alteração física específica – riso, lágrimas, enrubescimento, mudanças no ritmo cardíaco, na respiração, etc. Estas reações orgânicas que acompanham as emoções agudas são de natureza passageira. Quando a emoção desaparece, o processo fisiológico correspondente também desaparece e o organismo restabelece o seu equilíbrio”. As emoções agudas não devem ser confundidas com as reações reflexas onde não chega haver uma noção. Além disso, nos casos em que o controle intelectual fica abolido – atos curto-circuito – trata-se de emoções agudas ao nível da individualidade e que ativam de modo direto as funções conativas. Portanto, aproximam-se mais da expressão direta da afetividade (Choque à cor do Rorschach). Ex. pânico – estimula principalmente o instinto nutritivo (comum à espécie) e a prudência – podendo provocar uma sideração dos atos ou quando estes são liberados a sua expressão é paradoxal podendo o indivíduo expor-se ao perigo que lhe produziu o pânico. Em plano fisiológico evidencia-se a estimulação do sistema vagal. Outro exemplo é o da cólera onde a função afetiva primordialmente atingida é o orgulho e este desencadeia a coragem, levando o indivíduo a agir sem reflexão. A cólera mobiliza especialmente o sistema simpático. Assim, a cólera distingue-se do ódio ou da raiva – que são sentimentos complexos, não necessariamente exteriorizados e que podem sofrer o controle intelectual (simulação).
    2. Lentas e persistentes – geralmente não conscientes e que atuam apenas de modo indireto no comportamento. Estas emoções podem ser de natureza adaptativa, facilitando a socialização do indivíduo e caracterizando suas relações interpessoais. Por outro lado, elas podem provocar distúrbios psíquicos que serão objeto da medicina psicossomática, ou da psiquiatria e psicologia clínica
    3. .Observa Alexander que: pacientes neuróticos revelam que sob a influência de distúrbios emocionais lentos e prolongados, poderão apresentar sintomas orgânicos. Uma das mais importantes descobertas de Freud foi a de que quando a emoção não pode ser expressa ou aliviada através de canais normais de efetuação, através da atividade voluntária, este fato poderá tornar-se a fonte de distúrbios psíquicos crônicos e de alterações orgânicas (Organoneuroses, mas não distúrbios psicossomáticos).
  3. Conforme o nível de expressão consciente:
    1. Inconsciente – ou em decorrência de um bloqueio psíquico ou devido à própria natureza do fenômeno biológico. Pode ser de caráter psicológico ou então psicossomático.
    2. Consciente – Pode ser de ordem psicógena ou então psicossomática.
  •  Concomitante à experiência – casos de emoções agudas ou de emoções diferenciadas que decorrem de noções elaboradas racionalmente.
  • Que se tornam paulatinamente conscientes – No momento da experiência o indivíduo pode estar consciente de um dado estado emocional, e só, através de um esforço da atenção e da reflexão, ele consegue localizar a origem real desta reação emocional. Tal processo pode ocorrer em uma experiência normal, cotidiana, ou poderá resultar de um trabalho realizado durante uma “psicoterapia – ativa ou breve”, na acepção de Alexander.
  1. Conforme a qualidade da reação emocional: positiva ou negativa. Esta qualidade atribuída à experiência emocional depende dos valores sociais, dos traços de personalidade do indivíduo, de suas disposições genéticas e de seu caráter.
    1. Emoções positivas-básicas, construtivas e que se ligam às satisfações das necessidades individuais ou então emoções de ordem mais diferenciada e complexa e que dependem da sensibilidade estética, da formação intelectual ou do próprio teor das relações interpessoais estabelecidas pelo indivíduo.
    2. Emoções negativas, disfóricas – que podem se caracterizar como ansiedade ou como angustia. Na ansiedade podemos distinguir uma ansiedade fixada – isto é, ligada a algum objeto ou situação isolada. Exemplo – fobia, é uma ansiedade flutuante caso o indivíduo não consegue delimitar precisamente a situação específica que lhe provoca ansiedade (Choque Emocional – ChL no Rorschach). A sua noção da realidade já vem impregnada de nexos emocionais irracionais que se estabeceram em fases mais precoces de seu desenvolvimento. Neste caso a ansiedade pode transformar-se em angústia – em que a repercussão vegetativa é de origem mais direta. (Concepção de Beck – dados do Rorschach que aferem ansiedade “fixada” ou “livre”
  1. Importância do dinamismo emocional
    1. A emoção participa no processo de integração do indivíduo do ambiente: Este continuum entre inteligência e afetividade (estímulo e realimentação) propicia a noção subjetiva de continuidade das experiências de cada indivíduo. Continuamente assimilamos o que se passa no meio externo baseados em nosso interesse afetivo (%A – conteúdo ligado ao interesse afetivo básico). A integração do ser humano à realidade se faz pela subordinação dos interesses da individualidade à sociabilidade. Esta integração é a que exprime a maturidade psicológica e pode ser comparada ao processo de integração neurofisiológica em que os dinamismos cerebrais básicos vão cedendo primazia aos mais diferenciados. Este processo denominado de “cerebração progressiva” ou de “corticalização progressiva” se faz no sentido da base cerebral para a convexidade; da superfície medial para a lateral e do polo occipital para o frontal. Ao mesmo tempo há uma subordinação das funções do nível sub-cortical ao nível da corticalidade. Esta evolução do substrato cerebral subordina-se aos processos de socialização – através dos quais o indivíduo amplia e aprofunda o seu contato com o ambiente – conforme nos assinala Auguste Comte através de seu critério sociológico de exame dos fenômenos psíquicos. Certa correspondência com a teoria córtico-visceral de Pavlov.
    2. A emoção é essencial ao aprendizado:

    Toda aquisição de conhecimento supõe a participação emocional e mais especificamente ela é importante na fase de “fixação” das imagens. Sem emoção não pode haver conhecimento. Desde as primeiras fases de desenvolvimento individual, é graças ao nexo emocional que a criança aprende a comunicar-se com os demais e a intervir no ambiente. Quando ela já se torna capaz de exercer o raciocínio lógico, o aprendizado se faz de modo mais complexo e diferenciado – ela aprende (veneração), mas também critica intelectualmente e torna-se capaz de dar de si, de renovar o ambiente (bondade).

    1. Emoção é essencial para o estabelecimento da noção de identidade subjetiva.

    A repercussão afetiva que permanece constante desde o nascimento do indivíduo é que garante sua unidade subjetiva. Cada indivíduo adquire a noção de sua própria identidade através das experiências emocionais. Neste caso a reação afetiva refere-se principalmente às funções da sociabilidade – que presidem o desenvolvimento da observação dos atos alheios dos julgamentos do outro sobre a sua própria pessoa e da reflexão detida das próprias reações emocionais e das consequências de seus atos (no Rorschach a relação L:M). Inicialmente, como já dissermos, a unidade subjetiva se faz através das funções da individualidade. Mas esta unidade é precária e transitória (Ex. Patologia: desdobramento da personalidade).

    1. Graças ao processo de simbolização e de formação de imagens – as emoções, e principalmente as emoções que resultam da participação dos sentimentos, são passíveis de serem comunicadas e mesmo provocadas em indivíduos da mesma espécie. Neste caso a expressão emocional pode ser extremamente útil na criação estética e no processo geral de socialização.
    2. As reações emocionais primárias são determinadas para os processos ulteriores de adaptação ao ambiente. Diante de uma situação de tensão ou de pressão afetiva, isto é, quando o indivíduo se vê solicitado a tomar uma decisão importante, ele tende a recorrer a reações emocionais básicas e que de algum modo já haviam sido abandonadas ou esquecidas em sua vida cotidiana. Assim, os hábitos emocionais, lentamente adquiridos pela criança e pelo adolescente (ternura, respeito, decepção) nunca são dissociados inteiramente do primeiro momento em que ocorreu, mesmo que tal circunstância esteja envolta em uma lembrança pouco nítida e confusa.

    Nos primeiros meses de vida há reação global e indiferenciada do organismo. Nesta fase o relacionamento interpessoal mãe-filho é regido pelo apego (No ser humano e nos animais sub-humanos). O amor materno produz reações difusas e globais na criança que podem ser caracterizadas como: satisfação das necessidades instintivas, estímulo para comunicar-se com o ambiente e estímulo para intensificar a atividade metabólica. Lembra-nos Spitz que a atividade de recusa à situação de maternidade leva a mãe a afastar-se da criança quer objetivamente quer emocionalmente, como reação a esta atitude a criança apresenta dificuldade em alimentar-se ou inapetência, afastamento do ambiente por sonolência e diminuição da atividade metabólica. Em casos mais graves de crianças hospitalizadas ou asilos, Spitz detectou uma síndrome específica que evolui para uma condição de retardo orgânico e psíquico.

    Em suma, os primeiros contatos da criança com o ambiente apresentam um caráter global, indiferenciado, donde as funções psíquicas se confundem com a funções vegetativas e motoras, caracterizando um nível de existência psicossomática. Os nexos emocionais estabelecidos nesta época fornecerão uma direção específica para o desenvolvimento psicossocial (caso ocorram distúrbios na integração com o ambiente) irão caracterizar diferentes quedas clínicas neuróticas ou psicossomáticas.

    J. Ruersch assinala o efeito da emoção no processo de comunicação do indivíduo com o ambiente e consigo próprio. Nas fases iniciais da existência, estes processos são solidários e os rapeis diversificados que serão desempenhados pelo indivíduo adulto – com o próprio corpo e através da expressão psíquica – sofrerão a influência destes nexos emocionais básicos. 

    Diagrama<br><br>Descrição gerada automaticamente

    Esboço de sistematização, revisto em setembro de 1957. Os termos das colunas externas são meramente descritivos à esquerda, e caracterizam operações psíquicas complexas – não funções simples – à direito; na segunda coluna alinhamos os fenômenos resultantes da atividade sensorial; e na terceira, os processos intelectuais que levam da seleção do estímulo sensorial à simbolização da realidade (A. SILVEIRA)

    1. Apostila do Curso de Rorschach da Sociedade Rorschach de São Paulo, referente ao 1. ° ano de aperfeiçoamento. Elaborada em novembro de 1978. O conteúdo desta apostila já foi reformulado pela autora mais recentemente em seu livro Dinâmica Cerebral e Atividade Psíquica (2014).
      Nestes casos, no qual esta apostila está incluída, trata-se de apostilas compostas pela Prof.ª Lúcia Coelho, em diferentes épocas, com o tema relacionado à Psicologia Médica ou à Teoria da Personalidade. Eu, Roberto Fazzani, redigitalizei a todas elas. No entanto, muitas delas são consideradas pela autora como ultrapassadas. Deste modo, compete a ela decidir se alguma delas deverá compor a coletânea das obras de Aníbal Silveira e de seus discípulos. ↩︎